A união da JBS-Friboi com a Bertin é o assunto da semana e além de ser capa da Isto É Dinheiro (3 notícias na íntegra abaixo), mereceu reportagem na Veja.
Se as empresas gigantes que estão se formando no agronegócio brasileiro: BR Foods, Fibria e agora a JBS serão boas para o setor e o país, somente o tempo dirá
A carne é forte
Como Joesley Batista, do grupo JBS, virou dono da mais poderosa empresa privada do País e o que seus concorrentes, como Marcos Molina, do Marfrig, estão fazendo para tentar alcançá-lo no bilionário mundo da proteína animal
Por Leonardo Attuch e Ibiapaba Netto
Imagine uma fusão entre a Volks e a Fiat, as duas maiores montadoras de automóveis instaladas no Brasil. Ou adicione todas as empresas de telefonia fixa do País, como Oi e Telefônica, e inclua ainda a Embratel. Numa terceira experiência, coloque no mesmo bolo as três maiores redes de supermercados – Walmart, Pão de Açúcar e Carrefour. Em qualquer alternativa, a soma dos faturamentos será menor do que o tamanho do grupo JBS Friboi, comandado pelo empresário Joesley Batista. Na semana passada, com duas aquisições, a do rival Bertin e a da empresa americana Pilgrim´s Pride, ele criou a maior empresa privada do Brasil, com 125 mil funcionários e uma receita bruta estimada em R$ 60,6 bilhões. Os números dos primeiros seis meses deste ano já a colocam até à frente da Vale, que foi afetada pela queda dos preços do minério de ferro. Hoje, à frente do grupo JBS, há apenas a estatal Petrobras. “E isso é só o começo”, disse Joesley à DINHEIRO. “Não vamos parar e estamos de olho em várias empresas em dificuldade.”
O que surpreende, na história do JBS, é a velocidade exponencial de crescimento. Em apenas quatro anos, entre 2006 e 2009, o grupo terá crescido inacreditáveis 1.900%. E o foguete não foi o único do agronegócio brasileiro. Apenas um dia antes das aquisições anunciadas por Joesley, o grupo Marfrig, comandado por Marcos Molina, adquiriu, das mãos da americana Cargill, a Seara, uma grande processadora de aves e carnes suínas. Com isso, o Marfrig encostou na Brasil Foods – a companhia resultante da megafusão entre Sadia e Perdigão. Seu crescimento em quatro anos foi de 650% – mais modesto do que o do JBS, mas não menos surpreendente.“Agora a gente tem uma marca nacional para competir com eles”, disse Molina, aos analistas dos bancos de investimentos.
Os dois movimentos evidenciam a fantástica mudança do capitalismo nacional e também a nova posição do Brasil no contexto global. Até recentemente, o que se discutia era quando grandes empresas americanas de alimentos, como Tyson e Cargill, desembarcariam no Brasil, adquirindo marcas líderes, como Sadia ou Perdigão. E o que aconteceu foi o inverso – tendo como protagonistas atores improváveis. “O Brasil está cumprindo sua vocação histórica de ser o maior fornecedor de alimentos do mundo”, disse à DINHEIRO o economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e membro do conselho do Marfrig. “E não se trata apenas de exportar commodities, mas, cada vez mais, produtos industrializados.”
Vocação histórica
Até bem pouco tempo atrás, discutia-se quando as grandes empresas internacionais viriam ao País comprar marcas valiosas na área de alimentos. Hoje, o Brasil é quem tem nada menos que três entre as maiores empresas do setor – incluindo o líder JBS Friboi
A transformação teve início em 1999, quando a desvalorização do real abriu espaço para que os frigoríficos nacionais se tornassem exportadores. As empresas, que vinham de um setor marcado pela informalidade, conseguiram se capitalizar. E as vendas externas, que eram incipientes, chegaram a quase US$ 5 bilhões, dando ao Brasil a liderança do mercado mundial de carnes bovinas, à frente da Austrália e dos Estados Unidos. No meio do caminho, dois agentes importantes – governo e mercado – enxergaram o enorme potencial desse setor. De um lado, o BNDES entrou no capital de vários frigoríficos, incluindo o JBS e o Marfrig, dando a eles musculatura para aquisições internacionais. De outro, os bancos de investimento apostaram no lançamento de ações dessas empresas. Bem cotadas na Bovespa, as duas passaram a financiar suas operações de forma saudável – com trocas de ações e não por meio de endividamento. Para concluir a compra da Pilgrim´s Pride, o JBS fará um IPO na bolsa de Nova York. E o Marfrig pretende bancar a compra da Seara com a venda de mais um lote de ações na Bovespa.
Uma das peças centrais nessa odisseia dos frigoríficos nacionais tem sido o ex-ministro da Agricultura, Marcus Vinícius Pratini de Moraes. Enquanto esteve em Brasília, no governo Fernando Henrique, ele foi responsável pela expansão da agropecuária brasileira. Depois disso, passou a atuar como mascate, à frente da Abiec, a associação dos exportadores. E após colocar o Brasil na liderança do ranking global, ele foi chamado pelo JBS Friboi para assumir a presidência do conselho de estratégia do grupo, onde passou a vender a ideia de que, cada vez mais, o mundo precisará do Brasil para se alimentar. “Aquele sonho que eu tinha se realizou”, disse Pratini à DINHEIRO na semana passada, falando pelo celular num trem que ia de Liverpool a Londres. “A produção em massa, com escala global, será feita por empresas gigantes, e muitas delas brasileiras.” Hoje, entre as dez maiores empresas mundiais de alimentos, nada menos que três – JBS, Brasil Foods e Marfrig – são verde-amarelas.
De Goiás para o mundo
Como a empresa criada por um açougueiro em 1953 se transformou na maior do planeta em proteínas animais
Por Leonardo Attuch e Ibiapaba Netto
Na manhã da quarta-feira 16, o empresário José Batista Júnior, um dos três filhos do fundador do grupo JBS Friboi, decidiu reunir mil pecuaristas em Goiânia para anunciar em grande estilo que sua empresa havia comprado não apenas o Bertin, mas também a Pilgrim's Pride, nos Estados Unidos. Com isso, a empresa acabava de se transformar na maior processadora de proteínas animais do mundo, empregando mais de 125 mil pessoas. "Vamos ajudar o Brasil a consolidar sua liderança global", disse Júnior aos pecuaristas goianos. Em São Paulo, seu irmão Joesley, que hoje está à frente da empresa, também festejava a operação. "É um divisor de águas para a companhia", disse ele à DINHEIRO. E nos Estados Unidos, por videoconferência, Wesley, que toca a operação americana, acompanhava o anúncio do negócio.
Os irmãos nasceram em Goiás e têm devoção pelo pai, José Batista Sobrinho, conhecido como Zé Mineiro, que, em 1953, criou em Anápolis um pequeno açougue: a Casa de Carnes Mineira. Afora a união familiar, os três têm perfis distintos. Júnior é a cara pública do grupo e já tentou ser governador de Goiás - desistiu quando uma operação da Polícia Federal acusou os frigoríficos da prática de cartelização. Wesley e Joesley são mais discretos. O atual presidente do grupo chega até a ser paranóico em relação a fotos. No dia do anúncio das aquisições do Bertin e da Pilgrim's Pride, fez até uma brincadeira de gosto duvidoso com o editor de fotografia da DINHEIRO, Cláudio Gatti, quando este tentou registrar sua imagem. "Muita gente já morreu por menos", disse ele, sorrindo, enquanto seus seguranças impediam a realização da foto - a que ilustra a capa desta edição foi feita há alguns anos, na festa de Barretos, no interior paulista, quando o grupo JBS ainda era relativamente pequeno.
Com as duas aquisições da semana passada, a empresa comandada por Joesley consolidou sua posição como o maior produtor de carne bovina do mundo, com capacidade para abater mais de 90 mil bois por dia, e também se transformou no líder mundial em couros. Em frangos, passou a ser o segundo. E a empresa será ainda responsável pela maior parte das exportações de carnes não apenas do Brasil, como também da Argentina, da Austrália e até mesmo dos Estados Unidos. "Chegamos por cima no mercado americano", diz Joesley. Uma façanha e tanto para uma empresa que começou abatendo um boi por dia em Anápolis e cresceu com a construção de Brasília, o que lhe permitiu fornecer alimentos para os chamados candangos, os primeiros operários da capital federal.
O grande salto do grupo JBS aconteceu em 2007, quando, depois de captar R$ 1,5 bilhão no seu IPO na Bovespa, a empresa decidiu adquirir a gigante norte-americana Swift, que era muito maior do que o Friboi, mas enfrentava sérias dificuldades financeiras. "Em todas as nossas aquisições, fizemos o dever de casa", diz Joesley. Hoje, o endividamento da empresa em relação à geração de caixa, o chamado ebitda, ainda é baixo, na casa de 2,6 - bem inferior ao do Bertin, que era de cinco vezes o ebitda. E embora a família Bertin tenha ficado com 40% da holding que controlará o novo grupo, o comando será claramente exercido pelos irmãos Batista. Tendo perdido muito dinheiro em outros negócios, como concessões de estradas, o Bertin atravessava numa espécie de concordata branca. O Pilgrim's Pride também estava em recuperação judicial.
Com as aquisições, o JBS Friboi será responsável por 8% do abate de bois no mundo e por 27% do mercado brasileiro. Esses números, no entanto, nem sempre refletem a realidade. Como a pecuária é uma atividade espalhada em várias regiões do País, há mercados em que os fazendeiros contavam com apenas dois compradores: Bertin e Friboi. Agora, terão um só. "O risco para os produtores é muito alto", disse à DINHEIRO João Nogueira Arantes, presidente da Comissão Permanente de Pecuária da CNA. "Essa concentração de mercado abre espaço para a manipulação de preços." O analista Alcides Torres Júnior, da Scot consultoria, concorda. "A arroba do boi pode ficar ainda mais depreciada do que já está hoje", diz ele. O valor dessa unidade padrão da pecuária (14,7 quilos), que chegou a se aproximar de R$ 100, está voltando aos R$ 60.
Joesley Batista aposta que, com mais musculatura, o Friboi poderá construir uma relação saudável e de longo prazo com os pecuaristas - e não apenas no gado de corte. A compra do Bertin também significou a entrada no mercado de leite, pois a empresa rival era dona das marcas Vigor, Leco e Danúbio. "Não tínhamos know-how nem participação alguma nesse setor e agora estamos chegando com uma posição relevante", disse Pratini de Moraes à DINHEIRO . Com isso, o grupo JBS Friboi também poderá competir mais diretamente com a Brasil Foods, pois, antes de incorporar a Sadia, a Perdigão já havia comprado a Eleva, forte no mercado de leite. Esse processo de consolidação na indústria de alimentos, que ainda não se encerrou, deverá ter repercussões positivas para a própria Brasil Foods, cujo processo de fusão tende agora a ser aprovado com mais facilidade pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Caipira com visão globalTropeçando na concordância e falando como interiorano, Marcos Molina deixou o açougue do pai aos 16 anos e ganhou o mundoPor Leonardo Attuch e Ibiapaba NettoNa tarde da terça-feira 15, o empresário Marcos Molina estava pendurado ao telefone, numa teleconferência com analistas de bancos de investimento. Um deles questionou se a compra da Seara, numa operação de mais de US$ 900 milhões, seria paga com debt (dívida) ou com equity (emissão de novas ações). Molina respondeu de bate-pronto. "Se as ação chegá num valorrr qui nóis acha justo, nóis vai fazê cum ação", diz ele. Outro analista lhe perguntou sobre a importância da aquisição da empresa, até então pertencente à Cargill. E ele respondeu: "Ocêis, analista, vivia no nosso pé dizendo qui nóis tinha marca demais; agora nóis vai ter uma marca-mãe, da Seara, que vai ser a marca guarda-chuva da empresa."
Marcos Molina é assim. Fala como caipira, tem jeito de caipira, tropeça nas concordâncias verbais, mas é um dos empresários de maior sucesso na história recente do Brasil. E o curioso é que ele construiu seu império indo do varejo à indústria. Aos 16 anos, ele deixou o açougue do pai em Mogi-Guaçu e começou a vender cortes especiais de carnes a várias redes de restaurantes de São Paulo, como a churrascaria Fogo de Chão. Foi só em 2000 que ele conseguiu arrendar seu primeiro frigorífico. Em 2007, veio o IPO na Bovespa. E o grupo, nos últimos três anos, fez nada menos que uma aquisição por mês. Ele é responsável, por exemplo, pela maior parte do fornecimento de carnes dos restaurantes da rede McDonald's no Brasil. É também dono dos maiores frigoríficos da Argentina, da Inglaterra, da Holanda e da Irlanda. E, no Brasil, ele enxergou uma oportunidade única quando Perdigão e Sadia se uniram. "Os supermercados não iam querer ficar na mão de um só fornecedor", disse ele à DINHEIRO, numa entrevista recente.
A compra da Seara é um passo claro na estratégia de competir em igualdade de condições com a Brasil Foods. Com dezenas de aquisições, o Marfrig passou a ter várias marcas fortes regionalmente, como Mabella, Pena Branca e Da Granja, mas ainda não tinha um nome nacional. A Seara, que tem presença em quase todo o País, permitirá à empresa criar campanhas publicitárias que posicionem a marca no mesmo nível de Sadia e Perdigão. "A aquisição faz sentido e permitirá ao Marfrig capturar mercado da Brasil Foods", avalia o analista João Carlos dos Santos, da Merrill Lynch. "A marca Seara é forte não só nos produtos industrializados, mas também internacionalmente."
A possibilidade de ampliar as exportações foi outro ponto que pesou na aquisição. Junto com a Seara, veio o terminal no porto de Itajaí, em Santa Catarina. Além disso, a empresa tem forte presença no mercado asiático, para onde exporta a partir de Cingapura. Com essa aquisição, Molina disse aos analistas que ele encurtou em pelo menos três anos o tempo que levaria para conseguir o mesmo volume de exportações. A receita do grupo neste ano deve superar a marca dos R$ 15 bilhões, não muito distante dos números da Brasil Foods. "A aquisição transforma o Marfrig num player com tamanho e capacidades operacionais para realmente tomar vantagem da oportunidade criada pela fusão entre Sadia e Perdigão", avalia Juliana Rozenbaum, do Itaú.
No dia a dia da empresa, Marcos Molina tem um modo bem peculiar de tocar os negócios. Seu braço direito é o executivo Ricardo Florence, ex- Brasil Telecom, que cuida da área de relações com investidores. Um amigo e conselheiro é Márcio Cypriano, ex-presidente do Bradesco - e foi o banco da Cidade de Deus quem deu um aval de R$ 1,2 bilhão para a compra da Seara. Mas quem cuida das finanças é a própria esposa de Marcos, Maria Aparecida dos Santos. Graças à disciplina de gastos imposta por ela, o Marfrig conseguiu processar todas as aquisições que fez, mantendo sempre uma margem operacional positiva, superior a 10%. Hoje, o casal se mantém com os pés no chão, apesar de todo o sucesso recente do Marfrig. Quando foi perguntado pela DINHEIRO sobre o que mudou na sua vida desde que deixou o açougue do pai e passou a comandar a oitava maior empresa de alimentos do mundo, ele deu uma resposta direta, bem ao seu estilo. "A única diferença é que agora eu estou bem mais atolado de serviço", disse ele, com um carregado sotaque do interior.