A reportagem,disponibilizada no BrasilAgro, da edição 962 da Revista Exame, atualmente nas bancas, fala sobre uma escola exemplar mantida pela Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia que mantém um curso de tecnólogo em Agricultura de Precisão. Este curso é algo realmente inovador mantido pela fundação em conjunto pela FATEC e iniciativas como essas deveriam ser exemplos para outros empresários brasileiros:
Tecnologia se aprende na escola
Em São Paulo, um novo curso - o de agricultura de precisão - forma profissionais para atuar na fronteira tecnológica do agronegócio brasileiro.
Morar em uma cidade pequena e com vocação para o agronegócio não foi suficiente para aproximar a estudante Vanessa Mendes, de 17 anos, da vida no campo. Nascida em Pompeia, município de 20 000 habitantes no oeste paulista, ela nunca aprendeu a tirar leite de vaca ou a reconhecer pés de soja. Como boa parte dos jovens de sua geração, Vanessa gasta até 10 horas por dia em frente ao computador. "Nunca na vida me imaginei cursando uma faculdade de agricultura", diz Vanessa. Pois é justamente a isso que ela se dedica hoje. Ao lado de 79 colegas, Vanessa é aluna do recém-criado curso superior de mecanização em agricultura de precisão - o primeiro do gênero no Brasil e o segundo em todo o mundo. "O que me atraiu foi saber que vou lidar com tecnologia", diz. Em três anos, Vanessa e sua turma serão os primeiros profissionais do país especializados numa tecnologia produtiva cuja expansão será vital para manter o agronegócio brasileiro como um dos mais competitivos do mundo. Entre os benefícios atribuídos à agricultura de precisão estão a redução de 20% nos custos de produção e o aumento de até um terço na produtividade das culturas.
O curso, iniciado na semana anterior ao Carnaval, nasceu de uma parceria entre a Faculdade Tecnológica de Marília e a Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia. A fundação é mantida pelo grupo Jacto, fabricante de equipamentos agrícolas criado, há 62 anos, pelo imigrante japonês Shunji Nishimura em Pompeia. Pelo acordo, as instalações e a infraestrutura - laboratórios de ponta e salas de aula impecáveis - ficam a cargo da fundação, enquanto a Fatec de Marília, integrante da rede de ensino superior paulista, é responsável pelo currículo e pelo programa de ensino. Mesmo com pouca divulgação, o vestibular do curso, realizado no final do ano passado, atraiu interessados de nove estados. A concorrência foi de 15 candidatos por vaga - semelhante à do curso de engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
As primeiras experiências com técnicas de agricultura de precisão no Brasil datam do início da década de 90. A ideia por trás do nome pomposo é que, por meio de informações colhidas de plantas ou do solo em vários pontos da lavoura, é possível tratar de maneira direcionada porções de áreas agrícolas cada vez menores. Grosso modo, é como se uma lavoura, à primeira vista homogênea, fosse esquadrinhada em partes menores, em alguns casos do tamanho da grande área de um campo de futebol. Cada unidade pode receber tratamento na medida exata de suas necessidades. Ao longo dos anos, com o advento de tecnologias como o GPS - que usa satélite para determinar uma localização geográfica -, a agricultura de precisão evoluiu ainda mais. A orientação do satélite é usada já na coleta de amostras que alimentam o sistema com informações. Com o auxílio de um software, a análise do material coletado permite a elaboração de complexos mapas de produtividade. Assim, a aplicação de insumos como adubos e pesticidas, etapa final do processo, pode ser feita evitando grandes desperdícios - ou, para usar o jargão caipira, o agricultor deixa de "matar formiga com tiro de espingarda". O controle preciso dos insumos representa um trunfo para a agricultura, atividade em que qualquer economia pode ser a diferença entre obter ou não lucro. No caso brasileiro, 75% dos fertilizantes empregados no campo são importados e, sozinhos, eles são responsáveis por um quarto do custo agrícola. "O Brasil deverá ser um dos maiores beneficiados pelo desenvolvimento da agricultura de precisão", afirma José Vicente Ferraz, diretor da consultoria agrícola FNP. "As técnicas tendem a trazer mais retorno em propriedades maiores e em estruturas produtivas de grande escala, comuns no agronegócio brasileiro."
Apesar de seus benefícios, a agricultura de precisão ainda não foi adotada na maioria das lavouras do país. E isso não ocorre por falta de tecnologia - ao contrário, ela está disponível. Trata-se de mais um caso em que o aprimoramento das máquinas não foi acompanhado pela qualificação de mão de obra. "O gargalo é humano", afirma o engenheiro agrônomo Carlos Augusto, brasileiro que coordena o curso de agricultura de precisão na Universidade de Oklahoma, o primeiro do mundo. No estado americano, onde o curso foi criado em 2005, praticamente todos os alunos foram contratados assim que concluíram a graduação. No Brasil, a expectativa é que os novos profissionais a ser formados em Pompeia cumpram duas missões. A primeira é tornar mais conhecido o conceito da agricultura de precisão. A segunda é atender a uma demanda já existente por profissionais especializados. Em uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, com 205 grandes usinas e destilarias, 56% das empresas disseram já utilizar técnicas de agricultura de precisão em alguma etapa do processo de produção. Mas 94% apontaram a falta de mão de obra qualificada como um obstáculo à expansão do sistema. Não faltam casos de produtores que são surpreendidos ao ver que o investimento em máquinas com recursos avançados não traz, no pacote, profissionais aptos a operá-las. "Na prática, muitas delas são subutilizadas", diz Jorge Nishimura, filho caçula de Shunji e atual presidente do grupo Jacto.
O esforço para a criação do curso em Pompeia está ligado à trajetória que fez da Jacto um dos maiores fabricantes de maquinário agrícola do país e à história pessoal de Shunji Nishimura. Confirmando os indicadores de longevidade nipônica, ele completou 99 anos de idade em dezembro. Mas, atualmente restrito ao convívio familiar, não dá mais entrevistas. Técnico mecânico formado no Japão, Shunji chegou ao Brasil em 1932. Após tentativas fracassadas de se estabelecer na capital paulista, decidiu tentar a vida no interior. Com pouca bagagem, tomou um trem na Estação da Luz em direção ao oeste e desceu no fim da linha. Na época, os trilhos chegavam até Pompeia - um vilarejo sem água e luz e com apenas algumas casas de madeira. Com o pouco dinheiro que tinha, Shunji alugou uma delas e, do lado de fora, pregou uma tabuleta emblemática: "Conserta-se tudo". Conserto vai, conserto vem, a oficina do japonês que consertava tudo virou uma espécie de assistência técnica multimarcas para agricultores da região. O trabalho na oficina permitiu que ele percebesse oportunidades em um país que, na época, importava praticamente todo o maquinário agrícola. Em pouco tempo, passou a fabricar as próprias pulverizadoras, usadas para aplicar inseticidas e fungicidas - e o negócio engrenou. Nascia, em 1949, a Jacto Máquinas Agrícolas, hoje um conglomerado de dez empresas com faturamento anual de 700 milhões de reais e exportador de máquinas para mais de 100 países.
Quando chegou perto dos 70 anos, em 1979, Shunji achou que era hora de deixar a frente do negócio e se dedicar a outra atividade - passou a gestão das empresas para os filhos e criou a fundação que leva seu nome. Desde então, a Fundação Shunji Nishimura pôs em funcionamento um curso técnico em agricultura, um colégio de ensino fundamental e uma escola profissionalizante. No ano passado, foi desativada a antiga escola técnica, que, segundo os planos de seu idealizador, já havia cumprido a missão inicial de formar 500 técnicos agrícolas em Pompeia. Em 26 anos de atividade, saíram da escola 1 000 profissionais. "Sentimos que era hora de seguir adiante", diz Jorge Nishimura.
O passo seguinte foi montar o curso de mecanização em agricultura de precisão, que em três anos formará tecnólogos - profissionais que se colocarão num patamar intermediário entre os técnicos de nível médio e os engenheiros. Ao formar tecnólogos, cursos como esse oferecem uma alternativa para preencher a carência de pessoal qualificado, um problema que assusta diversos setores de atividade no Brasil. Com duração menor do que a dos cursos de bacharelado e licenciatura e com currículo mais flexível, a formação em tecnologia tenta suprir demandas de mercado. "A ideia é formar profissionais especializados para setores em que há demanda mais urgente", afirma Angelo Cortelazzo, coordenador de ensino superior do Centro Paula Souza, ligado à Secretaria de Desenvolvimento de São Paulo, ao qual estão ligadas todas as 49 Fatecs paulistas - eram 26 em 2006. No estado, o salário médio de um tecnólogo um ano depois de formado é de 2 500 reais - em algumas especialidades, a remuneração pode chegar a mais de 7 000. Apesar do incremento de 72% entre 2005 e 2008 na oferta de cursos desse tipo no país, as faculdades de tecnologia ainda representam uma fatia pequena do total de cursos universitários. Em países como Japão, Coreia e Chile, a proporção ultrapassa 30%. No Brasil, apenas 17% dos cursos superiores formam tecnólogos. Há desinformação e rejeição aos profissionais por parte de algumas empresas. Até pouco tempo, o Metrô de São Paulo se negava a receber candidatos formados em faculdades de tecnologia para vagas de nível superior. "Existem ainda muito desconhecimento e preconceito com as faculdades de tecnologia. Isso precisa mudar", afirma Cortelazzo. Uma missão extra para os alunos de Pompeia.