domingo, junho 01, 2008

Mudança em cálculo de carbono quase quebra empresa

O mercado de crédito de carbono está em seu início e por isso, em constante mudança. A notícia abaixo, publicada no Valor Econômico de 30 de maio, mostra como pode ser complicado depender de um mercado ainda não muito estável:

Mudança técnica esvazia caixa de líder em crédito de carbono

Uma modificação técnica no mercado de crédito de carbono para a suinocultura pode ter forçado uma das maiores empresas internacionais do setor a recorrer à Justiça para resolver um problema de caixa estimado em pelo menos ? 90 milhões de euros.

A AgCert International, sediada em Dublin, pediu ajuda à Alta Corte irlandesa após ver seus papéis negociados em Londres despencar do patamar de 200 libras esterlinas pelo lote de cem ações em 2007 para quase 1 libra no começo deste ano. O motivo: a empresa vendeu um volume muito superior de créditos de carbono do que tem agora para entregar.

Com cerca de 80 projetos no México e no Brasil, a AgCert afirma ter sido prejudicada pelo ajuste de metodologia previsto no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), pelo qual projetos limpos geram créditos para países ricos, obrigados a reduzir suas emissões de gases-estufa sob o Protocolo de Kyoto.

Em entrevista ao Valor, o gerente-geral da AgCert Brasil, Álvaro Palermo, afirmou que a alteração na metodologia realizada em meados do ano passado reduziu significativamente o volume de créditos calculados pela empresa. Segundo ele, cerca de 7,2 milhões de créditos de carbono deveriam ser entregues neste ano. "Mas por enquanto só temos 1,2 milhão de créditos", afirma.

A AgCert, que havia feito IPO em 2005, voltou a fechar o capital. Desde fevereiro, está em processo de "examinership", um mecanismo introduzido na Irlanda nos anos 90 para evitar a liqüidação das empresas do país. Assim como na nova lei de falências brasileira, um administrador judicial é selecionado para negociar com os credores de forma a garantir a continuidade da empresa. No caso da AgCert, um representante da Ernst & Young, David Hughes, foi selecionado.

Uma decisão deverá sair nos próximos dias. A questão é como conciliar a continuidade da empresa e os direitos dos credores internacionais, formados por bancos, empresas e governos.

Palermo afirma que seus clientes - pouco mais de 370 produtores brasileiros de suínos - continuam recebendo normalmente sua parte no negócio. No caso, 10% da receita da AgCert. Mas o executivo prefere não comentar sobre o futuro da empresa. "Qualquer coisa que eu fale neste momento é boato", diz Palermo.

Mas uma notícia divulgada pelo site "Thomson Financial News" aponta que a AES Corporation - a multinacional americana controladora da Eletropaulo - teria interesse na empresa. A multi iniciou há três anos um braço para soluções climáticas, que prevê investimentos em projetos limpos para a redução de mais de 34 milhões de toneladas de gases-estufa até 2012. No início deste mês, ela comprou os créditos gerados por um lixão em El Salvador.

A questão agora é como conciliar a continuidade da empresa e os direitos dos credores, como bancos e companhias. Segundo o site, a AES teria concordado em baixar dos livros cerca de 20 milhões de euros devidos pela AgCert e outros 7 milhões de euros para pagamento a credores. Se aprovado, os credores receberiam até 10% do que lhes é devido, em pagamentos parcelados. Segundo o "TFN", isso representaria um montante mais alto se comparado com o que os credores receberiam se a empresa quebrasse.

A mudança na metodologia para suinocultura foi realizada pelo chamado Conselho Executivo da ONU, o órgão que regula o mercado de vendas de créditos de carbono. É um procedimento de praxe, realizado para todos os setores, e tem como finalidade aprimorar os projetos de MDL.

Em geral, as fazendas de suínos destinam os dejetos dos animais para piscinas cobertas com lona. O metano, emitido pelos dejetos, é enviado através de dutos para os biodigestores. Ali, ele é queimado e transformado em dióxido de carbono (CO2), um gás menos nocivo ao ambiente. Cada tonelada de CO2 produzida equivale a um crédito de carbono, que posteriormente é vendido no mercado internacional.

Com o ajuste na metodologia, além de informar quanto biogás será emitido pelos dejetos, o projeto deve ainda quantificar o gás efetivamente queimado. Isso é possível através de um gravador de dados, o "data logger", introduzido no processo. E aí está o problema: em muitos casos, as contas não fecham. "Podemos produzir de mil toneladas de metano e por alguma razão queimar 950 toneladas. A ONU só considera o menor valor", diz Palermo. "Quanto menos gás queimado, menor o volume de créditos gerados e a receita da empresa".

O tombo da AgCert pode ser explicado, em parte, pela concentração em um único negócio. As demais empresas do setor costumam diversificar seus portfólios, com projetos em PCHs e em aterros sanitários, por exemplo.

Outra explicação é o risco inerente ao mercado de carbono. Para agilizar o processo, as empresas costumam decidir investimentos antes do sinal verde da ONU - a aprovação do projeto. "Não dá para ficar esperando as autoridades porque o processo é demorado. Além disso, são mais seis meses para construir o biodigestor. Seria um ciclo muito grande", explica Palermo.

Mas chama a atenção o fato de as concorrentes, por ora, terem sentido menos o baque da metodologia. Pessoas ouvidas pelo Valor acreditam que a AgCert sofreu também problemas de administração de projetos.

Palermo refuta. "Como tínhamos capital aberto, os números eram expostos. Os concorrentes são fechados, então não temos como saber a posição deles".

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