Abaixo mais um pouco para formação de opinião sobre o debate da inflação de alimentos escrito pelo Professor Marcos Fava Neves da FEA-RP da USP publicado no Valor:
A MIOPIA DO DEBATE SOBRE A INFLAÇÃO DE ALIMENTOS
Nas últimas semanas, presenciamos várias discussões mundiais acerca da explosão dos preços dos alimentos, trazendo inflação e fome. É uma preocupação real na Europa (3,6%), China (8,3%), EUA (4,0%), Rússia (12,7%) e em outros mercados. Diversos estudos têm apontado apenas os biocombustíveis (a) como causa da alta nos preços, ignorando outros fatores, velhos conhecidos, como o crescimento da população mundial (b), enquanto outros são fenômenos recentes, como o desenvolvimento e a distribuição de renda (c) em países populosos; programas governamentais (d) de assistência e acesso a alimentos; o impacto da urbanização (e) e formação de megacidades, aumentando o consumo e mudando hábitos; os preços do petróleo (f), cujo barril subiu de US$ 35 para US$ 125 em 5 anos (aumento no custo de produção e dos transportes); a desvalorização do dólar (g); escassez na produção devido à fatores climáticos e doenças (h) e movimentos de fundos de investimentos nas commodities (i). Qual é a porcentagem de responsabilidade de cada um desses nove fatores, que juntos trouxeram o problema da inflação? Se são apenas os biocombustíveis, por que preços de produtos não relacionados têm subido intensamente nos últimos anos (arroz, feijão, suco de laranja, por exemplo)?
Investimentos globais sustentáveis em biocombustíveis têm sido severamente prejudicados por opiniões equivocadas. Um economista bem informado declarou que "mesmo políticas para biocombustíveis aparentemente positivas, como a fabricação brasileira de etanol de cana-de-açúcar, aceleram o aquecimento global ao promover desmatamento", ignorando nossa geografia. Representante da ONU classificou biocombustíveis como "crime contra a humanidade" e o diretor geral do FMI considerou-os como "problema moral". Pesquisas sérias atestando experiências positivas em sustentabilidade dos biocombustíveis devem ser lidas e estudadas antes que se emitam opiniões. Periódicos internacionais publicam artigos negativos com metodologias obscuras e generalizam os resultados de forma perigosa. Biocombustíveis não podem ser colocados na mesma cesta, há grandes diferenças entre as diversas matérias primas. A sociedade mundial deve se perguntar quem está patrocinando esses "estudos" e por quais interesses. Um bom ponto de partida seria analisar quem perde margens com as mudanças. Como contribuição para o debate sobre inflação, uma agenda global de 10 pontos seria um caminho a ser percorrido, trazendo resultados à produção sustentável de alimentos e biocombustíveis.
Expandir horizontalmente a produção (1) em novas áreas, com sustentabilidade ambiental. A América do Sul usa apenas 25% de sua capacidade e este crescimento poderia ser a redenção da África. No Brasil, reconhecidas instituições atestam mais de 120 milhões de hectares a serem usados, em sua maioria tomando terras degradadas de pastagem e sem tocar em ecossistemas frágeis. Há também a expansão vertical (2) em terras que poderiam produzir mais caso fossem feitos investimentos em tecnologia. A quantidade de milho que um fazendeiro norte-americano pode produzir é duas ou mesmo três vezes maior que outros países.
Redução das tarifas de importação, outras barreiras importantes e protecionismo (3). Os preços de certos alimentos são artificialmente inflacionados. A carne bovina na União Européia chega a custar quatro ou cinco vezes mais que a de mesmíssima qualidade encontrada nas lojas do mesmo varejista europeu no Brasil ou na Argentina. Outras taxações e impostos internos sobre gêneros alimentícios poderiam ser reduzidos aliviando os preços. O novo patamar alcançado pelos preços agrícolas pode permitir que as agriculturas locais se tornem competitivas. Investimentos em logística (4) para que custos sejam reduzidos. Parte dos países produtores apresenta logística extremamente deficitária, como nosso caso. Os governos deveriam aumentar já investimentos nessa área e promover as mudanças institucionais necessárias para facilitar a privatização (para ontem) ou PPPs de portos, estradas, aeroportos, ferrovias e outros equipamentos para distribuição de alimentos. O grau de investimento trará muitas oportunidades de investimentos para privatização, desde que o governo remova suas travas ideológicas e administrativas.
Redução dos custos de transação (5), via reformas institucionais, uma vez que cadeias internacionais de alimentos são mal coordenadas e apresentam redundâncias, mal uso de ativos, corrupção, oportunismo e ineficiências que são responsáveis por grande parte das perdas, aumento dos custos e presença de agentes que não adicionam valor à cadeia de alimentos. Uso das melhores fontes de biocombustíveis (6), de maneira totalmente sustentável. O Brasil produz etanol usando apenas 1% das terras aráveis e suprindo 50% do consumo de combustível, sem causar impacto nos alimentos. São Paulo mostra ser possível avançar na produção de alimentos e biocombustíveis. Produzir etanol a partir de milho não se mostra a melhor solução.
Investimentos em novas gerações de fertilizantes (7), de fontes alternativas, em plantas que absorvam maiores quantidades de energia do sol e em reciclagem de subprodutos como fonte de fertilizantes para mitigar os enormes riscos e custos destes no futuro. Pesquisa e investimentos em inovação (8) principalmente no desenvolvimento genético, novas sementes, para que soluções sejam levadas para a produção com sustentabilidade. Necessitamos de mais contratos de fornecimento sustentáveis para produtores (9). Estímulos nos preços são o melhor incentivo para o crescimento da produção com tecnologia e inclusão. A concentração de agroindústrias e varejo retém margens que poderiam ser melhor distribuídas aos produtores rurais, estimulando o desenvolvimento. Finalmente, trabalhar a mudança do comportamento de consumo de alimentos e combustíveis (10). Alimentos são, por vezes, excessivamente consumidos em muitos países, levando à obesidade, uma grande preocupação da saúde. Também o investimento e o uso de transportes coletivos pela sociedade é fundamental e suas políticas de conscientização.
Minha contribuição neste artigo foi organizar nove efeitos causadores da inflação e propor 10 sugestões para este importante debate. Passamos por um momento crítico, um ponto de inflexão. Nós podemos retroceder, tentando aumentar o protecionismo, fomentar a auto-suficiência de regiões ineficientes, banir os biocombustíveis, criar taxas de exportações, ou mesmo ameaçar transformar companhias privadas em empresas públicas. Ou, então, a sociedade pode caminhar para frente; e eu realmente espero que os interesses globais nos permitam seguir uma agenda positiva, no trilho certo para a sustentabilidade, para o desenvolvimento dos países mais pobres, vencendo interesses escusos e pensamentos medievais (Marcos Fava Neves é professor de Estratégia da FEA-USP de Ribeirão Preto (www.favaneves.org).
A MIOPIA DO DEBATE SOBRE A INFLAÇÃO DE ALIMENTOS
Nas últimas semanas, presenciamos várias discussões mundiais acerca da explosão dos preços dos alimentos, trazendo inflação e fome. É uma preocupação real na Europa (3,6%), China (8,3%), EUA (4,0%), Rússia (12,7%) e em outros mercados. Diversos estudos têm apontado apenas os biocombustíveis (a) como causa da alta nos preços, ignorando outros fatores, velhos conhecidos, como o crescimento da população mundial (b), enquanto outros são fenômenos recentes, como o desenvolvimento e a distribuição de renda (c) em países populosos; programas governamentais (d) de assistência e acesso a alimentos; o impacto da urbanização (e) e formação de megacidades, aumentando o consumo e mudando hábitos; os preços do petróleo (f), cujo barril subiu de US$ 35 para US$ 125 em 5 anos (aumento no custo de produção e dos transportes); a desvalorização do dólar (g); escassez na produção devido à fatores climáticos e doenças (h) e movimentos de fundos de investimentos nas commodities (i). Qual é a porcentagem de responsabilidade de cada um desses nove fatores, que juntos trouxeram o problema da inflação? Se são apenas os biocombustíveis, por que preços de produtos não relacionados têm subido intensamente nos últimos anos (arroz, feijão, suco de laranja, por exemplo)?
Investimentos globais sustentáveis em biocombustíveis têm sido severamente prejudicados por opiniões equivocadas. Um economista bem informado declarou que "mesmo políticas para biocombustíveis aparentemente positivas, como a fabricação brasileira de etanol de cana-de-açúcar, aceleram o aquecimento global ao promover desmatamento", ignorando nossa geografia. Representante da ONU classificou biocombustíveis como "crime contra a humanidade" e o diretor geral do FMI considerou-os como "problema moral". Pesquisas sérias atestando experiências positivas em sustentabilidade dos biocombustíveis devem ser lidas e estudadas antes que se emitam opiniões. Periódicos internacionais publicam artigos negativos com metodologias obscuras e generalizam os resultados de forma perigosa. Biocombustíveis não podem ser colocados na mesma cesta, há grandes diferenças entre as diversas matérias primas. A sociedade mundial deve se perguntar quem está patrocinando esses "estudos" e por quais interesses. Um bom ponto de partida seria analisar quem perde margens com as mudanças. Como contribuição para o debate sobre inflação, uma agenda global de 10 pontos seria um caminho a ser percorrido, trazendo resultados à produção sustentável de alimentos e biocombustíveis.
Expandir horizontalmente a produção (1) em novas áreas, com sustentabilidade ambiental. A América do Sul usa apenas 25% de sua capacidade e este crescimento poderia ser a redenção da África. No Brasil, reconhecidas instituições atestam mais de 120 milhões de hectares a serem usados, em sua maioria tomando terras degradadas de pastagem e sem tocar em ecossistemas frágeis. Há também a expansão vertical (2) em terras que poderiam produzir mais caso fossem feitos investimentos em tecnologia. A quantidade de milho que um fazendeiro norte-americano pode produzir é duas ou mesmo três vezes maior que outros países.
Redução das tarifas de importação, outras barreiras importantes e protecionismo (3). Os preços de certos alimentos são artificialmente inflacionados. A carne bovina na União Européia chega a custar quatro ou cinco vezes mais que a de mesmíssima qualidade encontrada nas lojas do mesmo varejista europeu no Brasil ou na Argentina. Outras taxações e impostos internos sobre gêneros alimentícios poderiam ser reduzidos aliviando os preços. O novo patamar alcançado pelos preços agrícolas pode permitir que as agriculturas locais se tornem competitivas. Investimentos em logística (4) para que custos sejam reduzidos. Parte dos países produtores apresenta logística extremamente deficitária, como nosso caso. Os governos deveriam aumentar já investimentos nessa área e promover as mudanças institucionais necessárias para facilitar a privatização (para ontem) ou PPPs de portos, estradas, aeroportos, ferrovias e outros equipamentos para distribuição de alimentos. O grau de investimento trará muitas oportunidades de investimentos para privatização, desde que o governo remova suas travas ideológicas e administrativas.
Redução dos custos de transação (5), via reformas institucionais, uma vez que cadeias internacionais de alimentos são mal coordenadas e apresentam redundâncias, mal uso de ativos, corrupção, oportunismo e ineficiências que são responsáveis por grande parte das perdas, aumento dos custos e presença de agentes que não adicionam valor à cadeia de alimentos. Uso das melhores fontes de biocombustíveis (6), de maneira totalmente sustentável. O Brasil produz etanol usando apenas 1% das terras aráveis e suprindo 50% do consumo de combustível, sem causar impacto nos alimentos. São Paulo mostra ser possível avançar na produção de alimentos e biocombustíveis. Produzir etanol a partir de milho não se mostra a melhor solução.
Investimentos em novas gerações de fertilizantes (7), de fontes alternativas, em plantas que absorvam maiores quantidades de energia do sol e em reciclagem de subprodutos como fonte de fertilizantes para mitigar os enormes riscos e custos destes no futuro. Pesquisa e investimentos em inovação (8) principalmente no desenvolvimento genético, novas sementes, para que soluções sejam levadas para a produção com sustentabilidade. Necessitamos de mais contratos de fornecimento sustentáveis para produtores (9). Estímulos nos preços são o melhor incentivo para o crescimento da produção com tecnologia e inclusão. A concentração de agroindústrias e varejo retém margens que poderiam ser melhor distribuídas aos produtores rurais, estimulando o desenvolvimento. Finalmente, trabalhar a mudança do comportamento de consumo de alimentos e combustíveis (10). Alimentos são, por vezes, excessivamente consumidos em muitos países, levando à obesidade, uma grande preocupação da saúde. Também o investimento e o uso de transportes coletivos pela sociedade é fundamental e suas políticas de conscientização.
Minha contribuição neste artigo foi organizar nove efeitos causadores da inflação e propor 10 sugestões para este importante debate. Passamos por um momento crítico, um ponto de inflexão. Nós podemos retroceder, tentando aumentar o protecionismo, fomentar a auto-suficiência de regiões ineficientes, banir os biocombustíveis, criar taxas de exportações, ou mesmo ameaçar transformar companhias privadas em empresas públicas. Ou, então, a sociedade pode caminhar para frente; e eu realmente espero que os interesses globais nos permitam seguir uma agenda positiva, no trilho certo para a sustentabilidade, para o desenvolvimento dos países mais pobres, vencendo interesses escusos e pensamentos medievais (Marcos Fava Neves é professor de Estratégia da FEA-USP de Ribeirão Preto (www.favaneves.org).
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