Na edição 918 da Revista Exame publicada nesta semana, saiu um artigo sobre o lugar que tenho muito orgulho de trabalhar: o Centro de Tecnologia Canavieira, antigo Centro de Tecnologia Copersucar onde trabalho desde 1994.
Segue na íntegra o texto da revista:
Em busca do etanol do futuro
Mantido por usineiros, o CTC criou a base competitiva da cultura de cana. Exemplo raro de centro de pesquisa privado no país, seu novo desafio é sair na frente com o álcool de celulose
Por Gladinston Silvestrini
Cercado de canaviais, o agrônomo Tadeu Andrade, de 55 anos, lidera hoje um grupo de oito pesquisadores de elite em Piracicaba, no interior de São Paulo, epicentro da maior indústria de álcool do mundo. Durante mais de duas décadas, os cientistas que ali trabalham permaneceram obscuros, dedicando-se a estudar a cana-de-açúcar. Não havia charme nenhum nesse trabalho — e os recursos eram escassos. Ainda assim, Piracicaba se transformou no centro mundial da pesquisa canavieira. Foi o que ocorreu até que o petróleo atingisse cotações perigosamente altas e o etanol despontasse como uma alternativa energética séria. Hoje, ele e os pesquisadores do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) conduzem parte de pesquisas que movimentam bilhões de dólares e milhares de cientistas em alguns dos principais centros de inovação do mundo. Como diretor de pesquisa e desenvolvimento do CTC, Andrade é o responsável por ganhar a corrida que levará ao etanol de celulose. Piracicaba passou a concorrer com o Vale do Silício, na Califórnia, pela paternidade desse novo etanol. Um combustível que, pelo menos em teoria, poderá ser extraído da celulose de qualquer resíduo vegetal, desde pedaços de madeira até grama, passando pelo bagaço da cana-de-açúcar. “Em 20 anos, a nova tecnologia pode dobrar a produção brasileira de etanol sem aumentar um único hectare de área plantada”, diz Andrade. “O mundo inteiro está atrás dessa descoberta. E não há um momento em que a gente deixe de sentir a pressão para conseguir resultados rapidamente.”
Boa parte da importância que a cana ganhou na economia brasileira, e da atração que hoje exerce sobre investidores estrangeiros, se deve às realizações do CTC, criado em 1969 como um laboratório da Copersucar e bancado desde 2004 por 175 empresas do setor. “Não dá para imaginar a competitividade do álcool brasileiro sem a tecnologia desenvolvida lá”, diz Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica, entidade que reúne os principais produtores de açúcar e álcool do país, boa parte deles também mantenedora do CTC. Nas últimas quatro décadas, o CTC se consolidou como um centro de excelência do agronegócio brasileiro — espécie de Embrapa da iniciativa privada. Dos campos experimentais e dos laboratórios de Piracicaba saíram as bases para tornar o etanol de cana o biocombustível mais competitivo do mundo. No início dos anos 80, o CTC criou a primeira variedade comercial brasileira de cana cultivada em larga escala para abastecer o Proálcool. Das 100 variedades mais cultivadas no país, 60 foram desenvolvidas em Piracicaba ou em outras das 12 unidades do CTC espalhadas pelo país. Seus técnicos também foram responsáveis por melhorias no processo de fermentação que aumentaram o rendimento da produção de álcool e por técnicas de co-geração que tornaram as usinas brasileiras auto-sustentáveis em energia elétrica. Nos últimos anos, projetaram máquinas como a plantadeira de cana, que facilitou a mecanização e a expansão da cultura para fora da Região Centro-Sul do país — no estado de São Paulo, 40% das lavouras já são mecanizadas, e espera-se que o pesado trabalho manual seja totalmente eliminado até 2014. Hoje o centro conta com 350 funcionários dedicados à pesquisa, 51 deles com títulos de mestre ou doutor.
Eles trabalham em áreas que vão da criação de variedades de cana — inclusive transgênicas, que estão à espera de aprovação do governo — ao desenvolvimento de equipamentos para as usinas. Um núcleo com oito pesquisadores trabalha para produzir em laboratório quantidades de álcool de celulose que enchem apenas um frasco de perfume. Até o final do ano, a escala deve aumentar para alguns litros. A expectativa é pôr em operação uma usina piloto de etanol de celulose em 2010.
O trabalho desenvolvido pelo CTC é um bom exemplo de como a tecnologia impulsionou o agronegócio brasileiro nas últimas três décadas. No final dos anos 70, na gênese do Proálcool, o país nem sequer tinha variedades nacionais de cana-de-açúcar — antes de o CTC desenvolver a primeira delas, os produtores brasileiros cultivavam uma variedade importada da Argentina. Naqueles tempos, 1 hectare permitia produzir pouco mais de 3 000 litros de etanol. Atualmente, a mesma área de cana rende 7 000 litros. Esse ganho de produtividade é um dos fatores que tornaram o etanol competitivo no mercado de combustíveis. No ano passado, a energia produzida pela cana representou 16% da matriz energética brasileira, à frente das hidrelétricas e atrás apenas dos derivados de petróleo, de acordo com balanço da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia. “De certa forma, dá para dizer que nosso trabalho com a cana é semelhante ao que foi realizado até os anos 90 com a soja e com o milho”, diz Andrade. “Assim como as pesquisas da Embrapa melhoraram as lavouras de grãos, também estamos empenhados em aumentar a produtividade dos canaviais e expandir o seu cultivo para novas fronteiras agrícolas, como o Centro-Oeste.”
A diferença é que o trabalho realizado pelo CTC contou quase que exclusivamente com recursos da iniciativa privada. Até 2004, o centro tinha orçamento anual em torno de 20 milhões de reais, bancado pelas usinas ligadas à Copersucar. Hoje, conta com 40 milhões de reais por ano para desenvolver pesquisas. Mas tais recursos podem ser insuficientes diante dos desafios que há pela frente, como os estudos para a produção de álcool de celulose. Só nos Estados Unidos, governo e iniciativa privada devem investir 1,5 bilhão de dólares ao ano nessa área. “Apenas metade das usinas brasileiras são sócias do CTC”, diz Nilson Zaramella Boeta, ex-executivo de empresas como DuPont e Protein Technologies que desde 2006 preside o centro. “Para aumentar nosso orçamento, nos próximos dois anos queremos ter pelo menos 90% das empresas do setor como associadas.”
O potencial de negócios cada vez maior da cana-de-açúcar também estimula a concorrência nacional. No Brasil, entre os principais concorrentes do CTC estão a Petrobras, que tem seu próprio programa de pesquisa do etanol de celulose, e um conjunto de três empresas da Votorantim Novos Negócios: a Canavialis, que desenvolve variedades de cana, a Allelyx, dedicada à biotecnologia, e a Biocell, criada para estudar formas de produzir etanol celulósico. Em comum, as iniciativas de CTC, Petrobras e Votorantim se concentram na transformação biológica da celulose da cana em açúcar, com a utilização de enzimas. A Dedini, fabricante de equipamentos para a indústria canavieira, mantém um projeto que utiliza ácidos em vez de enzimas. Trata-se de um tipo de concorrência que poucas vezes o CTC teve de enfrentar — até há pouco tempo, o centro esteve praticamente sozinho no desenvolvimento de tecnologias para a cana-de-açúcar no Brasil. Para os pesquisadores, no entanto, não há novidade no desafio de apresentar resultados. “O CTC sempre foi mantido pela iniciativa privada, com a obrigação de criar soluções para tornar mais competitivas as lavouras e a produção de álcool e açúcar nas usinas”, diz Boeta.
É cedo para saber se o CTC, ou outros centros brasileiros, vai vencer a corrida pelo etanol do futuro. “Acredito que os resultados comerciais da pesquisa com etanol de celulose que desenvolvemos no CTC vão começar a aparecer em cinco a dez anos”, afirma Tadeu Andrade. Em setembro do ano passado, ele firmou uma parceria com a finlandesa Novozymes, uma das líderes mundiais no desenvolvimento de enzimas, para estudar em conjunto o processo de transformar a celulose da cana em álcool. A parceria já resultou no pedido de depósito de quatro patentes ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial. “Estamos só no começo do processo”, afirma Andrade. “Nossos concorrentes no exterior têm mais dinheiro, mas temos a vantagem de conhecer cana-de-açúcar como ninguém.”
Segue na íntegra o texto da revista:
Em busca do etanol do futuro
Mantido por usineiros, o CTC criou a base competitiva da cultura de cana. Exemplo raro de centro de pesquisa privado no país, seu novo desafio é sair na frente com o álcool de celulose
Por Gladinston Silvestrini
Cercado de canaviais, o agrônomo Tadeu Andrade, de 55 anos, lidera hoje um grupo de oito pesquisadores de elite em Piracicaba, no interior de São Paulo, epicentro da maior indústria de álcool do mundo. Durante mais de duas décadas, os cientistas que ali trabalham permaneceram obscuros, dedicando-se a estudar a cana-de-açúcar. Não havia charme nenhum nesse trabalho — e os recursos eram escassos. Ainda assim, Piracicaba se transformou no centro mundial da pesquisa canavieira. Foi o que ocorreu até que o petróleo atingisse cotações perigosamente altas e o etanol despontasse como uma alternativa energética séria. Hoje, ele e os pesquisadores do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) conduzem parte de pesquisas que movimentam bilhões de dólares e milhares de cientistas em alguns dos principais centros de inovação do mundo. Como diretor de pesquisa e desenvolvimento do CTC, Andrade é o responsável por ganhar a corrida que levará ao etanol de celulose. Piracicaba passou a concorrer com o Vale do Silício, na Califórnia, pela paternidade desse novo etanol. Um combustível que, pelo menos em teoria, poderá ser extraído da celulose de qualquer resíduo vegetal, desde pedaços de madeira até grama, passando pelo bagaço da cana-de-açúcar. “Em 20 anos, a nova tecnologia pode dobrar a produção brasileira de etanol sem aumentar um único hectare de área plantada”, diz Andrade. “O mundo inteiro está atrás dessa descoberta. E não há um momento em que a gente deixe de sentir a pressão para conseguir resultados rapidamente.”
Boa parte da importância que a cana ganhou na economia brasileira, e da atração que hoje exerce sobre investidores estrangeiros, se deve às realizações do CTC, criado em 1969 como um laboratório da Copersucar e bancado desde 2004 por 175 empresas do setor. “Não dá para imaginar a competitividade do álcool brasileiro sem a tecnologia desenvolvida lá”, diz Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica, entidade que reúne os principais produtores de açúcar e álcool do país, boa parte deles também mantenedora do CTC. Nas últimas quatro décadas, o CTC se consolidou como um centro de excelência do agronegócio brasileiro — espécie de Embrapa da iniciativa privada. Dos campos experimentais e dos laboratórios de Piracicaba saíram as bases para tornar o etanol de cana o biocombustível mais competitivo do mundo. No início dos anos 80, o CTC criou a primeira variedade comercial brasileira de cana cultivada em larga escala para abastecer o Proálcool. Das 100 variedades mais cultivadas no país, 60 foram desenvolvidas em Piracicaba ou em outras das 12 unidades do CTC espalhadas pelo país. Seus técnicos também foram responsáveis por melhorias no processo de fermentação que aumentaram o rendimento da produção de álcool e por técnicas de co-geração que tornaram as usinas brasileiras auto-sustentáveis em energia elétrica. Nos últimos anos, projetaram máquinas como a plantadeira de cana, que facilitou a mecanização e a expansão da cultura para fora da Região Centro-Sul do país — no estado de São Paulo, 40% das lavouras já são mecanizadas, e espera-se que o pesado trabalho manual seja totalmente eliminado até 2014. Hoje o centro conta com 350 funcionários dedicados à pesquisa, 51 deles com títulos de mestre ou doutor.
Eles trabalham em áreas que vão da criação de variedades de cana — inclusive transgênicas, que estão à espera de aprovação do governo — ao desenvolvimento de equipamentos para as usinas. Um núcleo com oito pesquisadores trabalha para produzir em laboratório quantidades de álcool de celulose que enchem apenas um frasco de perfume. Até o final do ano, a escala deve aumentar para alguns litros. A expectativa é pôr em operação uma usina piloto de etanol de celulose em 2010.
O trabalho desenvolvido pelo CTC é um bom exemplo de como a tecnologia impulsionou o agronegócio brasileiro nas últimas três décadas. No final dos anos 70, na gênese do Proálcool, o país nem sequer tinha variedades nacionais de cana-de-açúcar — antes de o CTC desenvolver a primeira delas, os produtores brasileiros cultivavam uma variedade importada da Argentina. Naqueles tempos, 1 hectare permitia produzir pouco mais de 3 000 litros de etanol. Atualmente, a mesma área de cana rende 7 000 litros. Esse ganho de produtividade é um dos fatores que tornaram o etanol competitivo no mercado de combustíveis. No ano passado, a energia produzida pela cana representou 16% da matriz energética brasileira, à frente das hidrelétricas e atrás apenas dos derivados de petróleo, de acordo com balanço da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia. “De certa forma, dá para dizer que nosso trabalho com a cana é semelhante ao que foi realizado até os anos 90 com a soja e com o milho”, diz Andrade. “Assim como as pesquisas da Embrapa melhoraram as lavouras de grãos, também estamos empenhados em aumentar a produtividade dos canaviais e expandir o seu cultivo para novas fronteiras agrícolas, como o Centro-Oeste.”
A diferença é que o trabalho realizado pelo CTC contou quase que exclusivamente com recursos da iniciativa privada. Até 2004, o centro tinha orçamento anual em torno de 20 milhões de reais, bancado pelas usinas ligadas à Copersucar. Hoje, conta com 40 milhões de reais por ano para desenvolver pesquisas. Mas tais recursos podem ser insuficientes diante dos desafios que há pela frente, como os estudos para a produção de álcool de celulose. Só nos Estados Unidos, governo e iniciativa privada devem investir 1,5 bilhão de dólares ao ano nessa área. “Apenas metade das usinas brasileiras são sócias do CTC”, diz Nilson Zaramella Boeta, ex-executivo de empresas como DuPont e Protein Technologies que desde 2006 preside o centro. “Para aumentar nosso orçamento, nos próximos dois anos queremos ter pelo menos 90% das empresas do setor como associadas.”
O potencial de negócios cada vez maior da cana-de-açúcar também estimula a concorrência nacional. No Brasil, entre os principais concorrentes do CTC estão a Petrobras, que tem seu próprio programa de pesquisa do etanol de celulose, e um conjunto de três empresas da Votorantim Novos Negócios: a Canavialis, que desenvolve variedades de cana, a Allelyx, dedicada à biotecnologia, e a Biocell, criada para estudar formas de produzir etanol celulósico. Em comum, as iniciativas de CTC, Petrobras e Votorantim se concentram na transformação biológica da celulose da cana em açúcar, com a utilização de enzimas. A Dedini, fabricante de equipamentos para a indústria canavieira, mantém um projeto que utiliza ácidos em vez de enzimas. Trata-se de um tipo de concorrência que poucas vezes o CTC teve de enfrentar — até há pouco tempo, o centro esteve praticamente sozinho no desenvolvimento de tecnologias para a cana-de-açúcar no Brasil. Para os pesquisadores, no entanto, não há novidade no desafio de apresentar resultados. “O CTC sempre foi mantido pela iniciativa privada, com a obrigação de criar soluções para tornar mais competitivas as lavouras e a produção de álcool e açúcar nas usinas”, diz Boeta.
É cedo para saber se o CTC, ou outros centros brasileiros, vai vencer a corrida pelo etanol do futuro. “Acredito que os resultados comerciais da pesquisa com etanol de celulose que desenvolvemos no CTC vão começar a aparecer em cinco a dez anos”, afirma Tadeu Andrade. Em setembro do ano passado, ele firmou uma parceria com a finlandesa Novozymes, uma das líderes mundiais no desenvolvimento de enzimas, para estudar em conjunto o processo de transformar a celulose da cana em álcool. A parceria já resultou no pedido de depósito de quatro patentes ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial. “Estamos só no começo do processo”, afirma Andrade. “Nossos concorrentes no exterior têm mais dinheiro, mas temos a vantagem de conhecer cana-de-açúcar como ninguém.”
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