Sei que o tema não é novo, mas encontrei na Revista IdeaNews de maio de 2008,
disponível clicando aqui no original, um artigo muito bom com vários dados sobre este tema. Esta revista é editada pelo IDEA (Instituto de Desenvolvimento Agrícola) de Ribeirão Preto e sempre traz muita informação do setor sucroalcooleiro.
O artigo na íntegra de autoria de Clivonei Roberto pode ser encontrado abaixo:
Parece que o tiroteio não tem mais fim. Os biocombustíveis continuam sendo alvejados por aqueles que acham que o etanol e o biodiesel são responsáveis pela alta dos preços dos alimentos. Uma saraivada de informações sem fundamento e acusações são veiculadas, mas comumente faltam dados precisos que ajudem delimitar as causas reais da alta dos preços e dimensionar a importância de cada uma delas. Para Miguel Biegai, economista e consultor da Safras & Mercado, há vários fatores que estão causando o aumento dos preços dos alimentos, e não apenas um ou outro isolado. Segundo Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, realmente os biocombustíveis têm responsabilidade sobre a alta dos preços dos alimentos.
Mas com certeza não o produzido a partir da cana, e sim o de milho, feito nos Estados Unidos, e o de beterraba e trigo, entre outros itens alimentares, produzido na União Européia. Além desse, outros fatores são apontados por Rodrigues como causas da chamada “agrinflação” (inflação agrícola). Se de fato, como destaca Rodrigues, há uma certa influência dos biocombustíveis sobre o aumento dos preços, parece que esse fator tem recebido uma relevância maior do que tem em relação aos demais. Por quê? Nessa sinuca de bico, em que os interesses tentam ocupar o melhor espaço na mesa do jogo, quem e por quais motivos está tentando atingir os biocombustívies e especialmente o etanol produzido a partir da cana? Para alguns, não é o melhor caminho apostar na teoria da conspiração. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi mais taxativo: disse que é leviandade os ataques contra os biocombustíveis e, mais recentemente no Peru, afirmou em alto e bom tom que as petrolíferas estão por trás disso e que os países não querem de fato mudar suas matrizes energéticas. Mas para enfrentar a campanha contrária à agroenergia e ajudar a dimensionar os verdadeiros “vilões” nessa celeuma da alta dos preços dos alimentos, muitos mitos devem ser quebrados.
Esta edição da Revista IDEA NEWS traz afirmações bastante divulgadas nos últimos meses sobre essa questão e procura ir além do senso comum, trazendo dados estatísticos e análises de especialistas sobre cada uma delas. Afinal, chega de tanto“achismo” e desinformação!
1 - Os biocombustíveis são culpados pelo aumento dos preços dos alimentos.
Analisando os dados apresentados por especialistas no assunto, é uma incoerência fazer essa afirmação. Eleito no ano passado como um ícone da luta pelo meio ambiente pela Revista Times, o físico nuclear José Goldemberg mostra com números porque não se deve fazer essa acusação. “A área dedicada à produção de biocombustíveis no mundo é de 10 milhões de ha; a área para agricultura é 1,2 bilhão de ha. Os críticos perderam completamente o senso de proporção”, afirmou Goldemberg em uma palestra que proferiu em Denver, nos Estados Unidos, no National Renewables Energy Laboratory (Laboratório de Energias Renováveis do Departamento de Estado de Energia). Principalmente quando se considera o combustível renovável feito a partir da cana-de-açúcar.
Trata-se de uma cultura que não é utilizada como alimento diretamente, mas se processada vira açúcar, comida para gado e até energia elétrica (além do etanol). Também tem um balanço energético muito mais favorável comparando o combustível fóssil e o etanol feito a partir de outras matérias-primas, como o milho. Mas para que o etanol de cana seja adotado amplamente no mundo não é preciso que o Brasil seja transformado em um grande canavial. Segundo Goldemberg, este etanol é uma experiência brasileira de sucesso, mas muitos outros países já produzem essa cultura e podem também fabricar o combustível.
“O Brasil só produz 25% da cana-de-açúcar mundial. Há cana em toda a América Central, na Índia, na África do Sul, em oçambique”, comenta. Mas se o etanol feito a partir da cana-de-açúcar não tem influência sobre a escalada dos preços alimentares, não se pode dizer o mesmo sobre o etanol feito a partir do milho, nos Estados Unidos, e o etanol e o biodiesel feitos a partir de outros itens alimentares na Europa (como trigo e granola). Nos EUA, há um modelo pouco eficiente para produzir etanol e que utiliza uma das commodities mais consumidas no mundo. Os americanos são os maiores produtores mundiais de milho (42% da produção mundial) e já estão destinando quase um terço desta produção para o combustível renovável.
Segundo Renata Marconato, da MB Agro, em 2007 os norte-americanos destinaram 79 milhões de t de milho para a produção de etanol, de uma produção total de 267,6 milhões de t (a produção mundial no ano foi de aproximadamente 696 milhões de t). No ano passado, os norte-americanos plantaram milho em uma área de 36,6 milhões de ha – 15% a mais do que em 2006. “Utilizar essa matéria-prima para o etanol é negativo. Ajuda a disseminar a imagem de ineficiência dos biocombustíveis, como no caso do milho, que consome muita energia para ser produzido e é uma matéria-prima que serve de alimento. Acho que atrapalha na commoditização do etanol em geral”, dispara. Biegai lembra que em 2008 os EUA devem utilizar 100 milhões de t de milho para o combustível – quantidade que conseqüentemente não estará disponível para alimentação. Segundo ele, a disputa da demanda energética com o etanol enxugou a oferta de milho no mundo, ficando mais caro ao mercado.
“Os melhores preços de milho e soja afetaram o trigo, o feijão e outros alimentos devido à disputa por terras para produzir energia”, relata o economista. Segundo Biegai, é preciso haver uma dissociação da agricultura de alimentos da agricultura de energia. Hoje, os preços dos alimentos estão subindo no mundo porque o etanol de milho produzido nos EUA, além do que é feito a partir de outros cereais ou produtos alimentícios na Europa e em outros países, estão saindo do quadro de bastecimento de comida. Biegai salienta que, no que se refere à dissociação alimentos x energia na agricultura, o exemplo mais próximo da perfeição de um modelo de agricultura de energia é da cana-de-açúcar no Brasil.Portanto, quem será que está destinando alimentos para transformar em combustível?
2 - O petróleo está pressionando o preço das commodities.
O preço do barril de petróleo já ronda a casa de US$ 135. Para o empresário Maurílio Biagi, da Maubisa, se por um lado isso pode ser positivo para o etanol, por outro ele se reporta à fala do presidente Lula, quando diz que se os preços dos alimentos sobem, cada vez mais se ataca os biocombustíveis, mas poucos erguem a voz contra as conseqüências da escalada do petróleo.“Há uma hipocrisia mundial, o preço do petróleo sobe e desce e nada acontece. Parece que essa onda contra o etanol está muito ligada ao desejo de se colocar uma cortina de fumaça em relação ao petróleo”, avalia Biagi. Para Biegai, não há uma névoa que encobre a influência do petróleo sobre os preços dos alimentos.
“Acredito que para uma parte considerável da população já está claro que os preços altos do petróleo são um dos elementos decisivos para a alta dos preços dos alimentos”, afirma. Comparando a crise do petróleo dos anos 70 com a escalada atual dos preços do combustível fóssil, Biegai salienta que existem diferenças. “Na década de 70, o choque do petróleo foi um choque de oferta.Os países exportadores resolveram afunilar a produção, valorizando artificialmente os preços”, diz. Ele explica que o mundo era muito mais dependente do petróleo e os países importadores tiveram dificuldades. Entre eles, o Brasil que, a partir dali, buscou o etanol como alternativa. O choque do petróleo observado hoje é um choque de demanda.O mundo está precisando consumir cada vez mais o combustível, e os países produtores não estão dispostos a aumentar o nível de produção.
Mas diante do aumento do preço do barril, os biocombustíveis têm uma importância decisiva e que poucos têm observado. “Se não fossem os biocombustíveis e as energias renováveis já existentes, os preços do petróleo estariam cerca de 20% mais altos do que hoje. Eles ajudam claramente a reduzir o déficit energético no mundo”, relata. Mas até que ponto os cartéis do petróleo vão permitir que as energias renováveis sejam cada vez mais viáveis (se já não estão agindo nos bastidores)?
3 - Uma das principais causas da alta é a elevação dos preços de insumos , como os fertilizantes. Segundo a pesquisadora Ana Cecília Kreter, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – Seção de Política Agrícola, o aumento do preço do petróleo tem diferentes impactos para o produtor agrícola. O primeiro deles se refere aos insumos, o que reflete nos preços dos alimentos.“Para se ter uma idéia, os fertilizantes aumentaram 16% de janeiro de 2007 a janeiro de 2008, e os agrotóxicos e os combustíveis aumentaram 71% durante o ano de 2007, e de janeiro a abril deste ano, 14%”, diz. “Podemos ainda falar de impacto indireto, com custos de frete para o escoamento da safra, já que uma boa parte dela é transportada por rodovias.Em alguns casos, comparados com a safra do ano passado, os fretes aumentaram de 30% a 50%”, informa a pesquisadora do IPEA.
Segundo Oscar Fernandes, da Consultoria Sucrotec, os insumos que mais sofreram elevação em seus preços são os diretamente ligados às commodities mais demandadas pelos países emergentes da Ásia, principalmente China e Índia. Considerando o período de abril de 2000 a março de 2008, os insumos cujos preços mais subiram são o ferro e o aço (aumento de 312%), os adubos e fertilizantes (aumento de 265%) e o õleo diesel (aumento de 233%). Segundo ele, o comportamento destes itens não é uniforme. Porém, Fernandes concorda que, mais recentemente, o grande vilão da inflação de custos do setor agrícola como um todo são os adubos, os fertilizantes e os defensivos agrícolas. Em dois anos, a evolução do índice de preços de fertilizantes da FGV já aponta um crescimento de 100%, sendo 69% apenas nos últimos 12 meses. Segundo ele, o Brasil, mesmo sendo uma potência agrícola e aumentando ano a ano sua produção de grãos, carne, cana etc, é apenas o quarto consumidor mundial de fertilizantes, de acordo com a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). China e Índia têm um consumo anual desses insumos sete vezes superior ao brasileiro.
De acordo com Renata, os dois países se utilizam cada vez mais de fertilizantes e adubos com o propósito de garantir o crescimento vertical da produção agrícola, pela escassez de novas áreas para expansão horizontal.Segundo Asdrúbal Jacobina, gerente de custos de produção da Conab, além de citar os fertilizantes, ele lembra o aumento dos custos de sementes. No Brasil, pelo menos, onde cada região os preços têm um comportamento diferente, as sementes do milho tiveram variação de 13 a 15%, da soja de 30 a 50%, e do feijão de 27 a 50%.
4 - A cana está ocupando a área de alimentos no Brasil. Segundo Cid Caldas, coordenador geral de Açúcar e Álcool da Secretaria de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura (MAPA), não se conhece dados precisos sobre a área agricultável exata do Brasil. “Existem estimativas que apontam entre 350 e 380 milhões de ha. A cana-de-açúcar é a terceira maior cultura em ocupação de terra (ocupa atualmente cerca de 7,8 milhões de hectares), atrás da soja (20,6 milhões de ha) e do milho (9,2 milhões de ha). Considerando que, pela média dosúltimos anos, metade da produção canavieira tem sido destinada à produção de etanol no País (a outra parcela para a fabricação de açúcar), cerca de 3,8 milhões de ha produzem cana queé transformada em álcool. Levando em conta 350 milhões de ha agricultáveis, isso representa pouco cerca de 1% de toda a área.
Ele relata que um recente estudo lançado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) identificou que a expansão da cana-de-açúcar aconteceu, principalmente, em áreas de pastagem (65% das novas áreas). Dentre as áreas que já estavam ocupadas por outras culturas, a de soja foi a que mais cedeu espaço para cana-de-açúcar, especialmente nos estados do Mato Grosso, Goiás, Paraná e Minas Gerais.No entanto, a área de produção de soja ficou praticamente estável nestes estados, bem como a produção. Outra cultura que cedeu área para a cana-de-açúcar foi o milho, porém em escala desprezível. Mesmo assim, a produção de milho cresceu substancialmente. Tanto que, mesmo num ano em que a safra de cana baterá mais um recorde, a Conab anunciou que a produção brasileira de grãos será 7,8% superior à safra anterior, chegando a 142,08 milhões de t de grãos.
Também recorde. Um levantamento apresentado pela companhia estima que a área ocupada com as principais culturas seja de 46,97 milhões de ha, 1,6% superior à área cultivada na safra anterior. Segundo o relatório, nesta safra, considerando-se as principais culturas, confirma-se o crescimento da área plantada com milho, soja e trigo, destacando-se a soja com crescimento de 2,6% e o milho 2ª safra, com 9,2%. A área ocupada por cana, soja e milho no Brasil estão bem atrás da área ocupada pelas pastagens - 172,3 milhões de ha, segundo a Conab. Goldemberg ironiza, dizendo que em algumas regiões de São Paulo o gado é o mais confortável do mundo. “Os pastos aqui tinham 1,2 cabeça/ha”, conta. As pastagens perderam um pouco de espaço, mas essa média é atualmente, segundo ele, de 1,4 cabeça/ha. Apesar disso, nos últimos anos, o rebanho bovino do Brasil cresceu cerca de 13% e o País é o segundo maior produtor de carne do mundo.
5 - A especulação financeira é uma das causas da “agrinflação”. Biegai lembra que sempre houve especuladores no mercado de commodities, e eles são benéficos para o sistema porque geram a liquidez necessária para que indústrias e produtores possam reduzir os riscos relacionados à comercialização das mercadorias. Porém, em função da instabilidade em alguns mercados financeiros (em parte causado pela crise das subprimes norte-americanas), houve um aumento maior do que o normal de especuladores direcionando ativos para o mercado de commodities.
"Este movimento ocorreu principalmente na posição ‘comprada’, valorizando os contratos futuros das commodities agrícolas nas bolsas norte-americanas, e puxando as cotações dos alimentos no mundo todo”, avalia.As especulações no mercado agrícola internacional já fazem com que os preços estejam sujeitos a alterações bruscas. A negociação no mercado futuro chega a movimentar o equivalente a 22 vezes o volume das safras anuais de soja.
6 - Os emprendimentos sucroalcooleiros produzem alimentos no Brasil pelo sistema de rotação de cultura.
A produção poderia ser muito maior. Segundo Denizart Bolonhezi, engenheiro agrônomo e pesquisador científico da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, nos últimos anos, devido às grandes expansões, foram destinados à renovação de cultura nos canaviais próximo de 12% (488 mil ha no Centro-Sul). Desse total, apenas 50 mil ha são cultivados com amendoim e 150 mil ha com soja. Outros 200 mil ha são utilizados para plantio de adubo verde (Crotalaria). Ele frisa que, embora o potencial para a rotação no Centro-Sul deva chegar a 1 milhão de ha nos próximos anos, com a possibilidade de duplicar a área para o plantio de grãos, hoje ainda o modelo de rotação não é explorado na sua totalidade para produzir alimento. “Por praticidade, as usinas dão preferência ao cultivo de adubos verdes, pois necessita de pouco investimento em máquinas, não requer pulverização constante etc”, diz. Embora o modelo seja útil, perde-se uma oportunidade.
7 - Há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos no mundo.Um dos motivos para os preços dos alimentos estarem subindo também é o aumento da demanda, provinda principalmente da Índia e da China. Estes países possuem quase 40% da população do mundo e estão em profundo processo de urbanização, o que repercute na mudança de hábitos alimentares, acarretando maior necessidade de alimentos. Segundo Biegai, o processo de urbanização que China e Índia estão passando ainda deve durar por 20 anos. “Esta pressão por commodities (não só de alimentos) destes dois países deve persistir por este período, pelo menos. Parte da pressão sobre os alimentos nos próximos anos virá desse fator”, diz Biegai. Segundo Renata, da MB Agro, um dos fatores que mais merece destaque é o aumento de consumo de proteína animal.
Tem havido mudanças geopolíticas importantes, caracterizada pela inserção de milhões de pessoas, anualmente, no mercado consumidor, especialmente na China e na Índia, e com grande potencial de expansão. Hoje a China tem 40% de sua população vivendo em cidades. A Índia tem 29%. Também se verifica a mudança do perfil alimentar das pessoas, inclusive por conta do aumento da renda e da urbanização. O consumo per capita de carne, por exemplo, se mantém estável nos Estados Unidos: na casa de 110 kg/habitante/ano desde 1999. Na Europa está na casa de 82 kg. No Brasil, era de 71 kg em 1999 e deverá chegar a 92 kg em 2016. Já na China esse consumo cresce a galope. Era de aproximadamente 44 kg por habitante em 99, hoje é de cerca de 59 kg e deverá chegar a 66 kg em 2016. E uma coisa é 180 milhões de brasileiros comerem 86 kg no decorrer do ano (estimativa para 2008).
Outra coisa é os mais de 1,3 bilhão de chineses incluírem no cardápio 59 kg de carne no mesmo período. Segundo os dados apresentados por Renata, é necessário 1,2 kg de grãos para produzir um kg de carne de frango, 2,9 kg de grãos para 1 kg de carne suína e 3,2 kg de grãos para 1 kg de carne bovina. Basta fazer as contas. Para se ter uma idéia, analisando apenas os números de produção e consumo de óleo de soja apresentado pelo relatório de maio da USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), a China produziu, na safra 2005/2006, 6,15 milhões de t, mas consumiu no período 7,61 milhões de t.
A diferença foi suprida pelas importações. Na safra 2006/2007, o país asiático aumentou sua produção de óleo de soja, atingindo 6,34 milhões de t, mas o consumo aumentou numa proporção muito maior: foi de 8,6 milhões de t. Já a estimativa para o período 2007/2008 é de que a produção chinesa seja ainda maior: 6,8 milhões de t. Mas o consumo doméstico do produto vai dar mais um salto impressionante. Deverá ser de 9,79 milhões de t. Aumento de cerca de 1 milhão de t de um ano para o outro.
8 - Os subsídios agrícolas dos países ricos influenciam os preços dos alimentos
Recentemente o presidente francês Nicolas Sarkozy acusou Brasil e Estados Unidos de praticarem dumping na produção de biocombustíveis.Mostrou estar bastante desinformado, segundo Biagi. Quando se fala sobre os Estados Unidos, essa afirmação é correta. Para produzir seu etanol, o governo norte-americano injeta um subsídio de US$ 0,51 por galão produzido e uma proteção tarifária de US$ 0,54 por galão contra o etanol brasileiro. Os gastos anuais com subsídios para o combustível cachegam a quase US$ 9 bilhões. Estados Unidos e União Européia investem bilhões todo o ano para proteger produtos agrícolas como laticínios, arroz, trigo, milho e carne.Esses subsídios criam uma situação artificial de mercado, que mina a competição igualitária de outros países produtores.
Por isso, quando o presidente francês inclui o Brasil nas suas críticas, está se esquecendo que a própria França é um dos países mais protecionistas da Europa. E se há uma preocupação com a fome no mundo e a alta dos alimentos, certeiro foi o ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim: “olha, em vez de reduzir para US$ 14 bilhões [os subsídios dados pelos] os Estados Unidos e US$ 20 bilhões [os subsídios pagos pela] a Europa, o ideal seria reduzir a zero”, sugeriu Amorim ao reagir diante de declarações do diretor-geral do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Khan.
“Como foi reconhecido pelo próprio diretor-geral da FAO, o que impediu o crescimento da produção de alimentos em países africanos e sul-americanos foram os subsídios, não foi o biocombustível”, afirmou o ministro. “Pelo que me consta, na África ninguém deixou de produzir alimento para produzir biocombustível. Eles não produziam alimentos e continuam sem produzir, porque os subsídios agrícolas da Europa e dos EUA impedem que isso ocorra”, disse.
9 - A cana avança ou empurra outras culturas sobre os biomas do cerrado e da Amazônia .
Para Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, a cana tem ocupado acentuadamenteáreas do cerrado brasileiro. O argumento da agroindústria canavieira, de acordo com ela,é de que essas áreas são degradadas. “O setor tem razão quanto à produção de apenas um boi por hectare. É preciso uma produção mais sustentável, mas será que com o tempo isso não pode gerar problemas?”, indaga. Ela também diz que a cana, especialmente em São Paulo, tem sido a cultura preferida pelo pequeno produtor. “É mais rentável arrendar para a usina do que plantar, o que está acabando com a agricultura diversificada em certas regiões”, observa.
Malu acredita que o etanol é uma alternativa viável ao petróleo. “O lobby do petróleo criou um modelo inadmissível.” Mas ela salienta a importância do desenvolvimento do combustível renovável de maneira sustentável. Para isso, lembra que o zoneamento para cana é muito importante à medida que vai garantir o respeito aos recortes dos bioamas. A previsão é de que nos próximos meses o governo federal apresente este zoneamento. Para Cid Caldas, falar que a cana-de-açúcar está invadindo a Amazônia é uma bobeira. A expansão está ocorrendo em regiões do Centro-Sul (oeste paulista, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso). Existem diversos fatores que tornam inviável a produção de cana-de-açúcar na região amazônica: distância dos centros de consumo, dos centros de manutenção de equipamentos das usinas, dos principais portos do país, sem contar a inaptidão agrícola da região (as condições climáticas e de solo são desfavoráveis para a cana-de-açúcar).
O uso de terras da floresta amazônica para cultivo de cana enfrenta profundas dificuldades técnicas, pois o volume de chuvas na região não permite o amadurecimento da cana. “O principal problema de desmatamento da Amazônia é para exploração ilegal de madeira e estima-se que cerca de 5% da produção de soja provém de região de bioma amazônico”, diz Caldas. Segundo Biegai, no cerrado tem sido reportado incremento de moderado a discreto de área plantada de cana-de-açúcar, especialmente a partir da ocupação de pastagens degradadas.
Mas está muito longe de o Centro-Sul se tornar um mar de cana. A área ocupada com cana no Brasil precisaria aumentar em quase 50 vezes para que esta expressão começasse a se aproximar de algo parecido, segundo ele. “Mesmo que precisemos produzir 200 bilhões de l nas próximas décadas, nem assim a cana vai atingir tanta área, por conta do aumento da produtividade esperada para os próximos anos, assim como outras inovações tecnológicas que aumentarão a rentabilidade litros/hectares/ano”, diz.
10 - Atribuir aos biocombustíveis a culpa pela escalada dos preços dos alimentos tem motivos político-ideológicos.
Para Biegai, boa parte das críticas endereçadas aos biocombustíveis nessa discussão tem uma razão: o desconhecimento. “As pessoas tendem naturalmente a ter medo do que não conhecem”, analisa. As críticas talvez também tenham uma boa dose de sentimento anti-americano, por conta da explosão da produção norte-americana de etanol. Ou mesmo uma resistênciaà possibilidade de países emergentes, como o Brasil, terem no combustível renovável uma fonte de crescimento e libertação do petróleo.“Essa gritaria [de críticas contra os biocombustíveis frente à alta dos preços dos alimentos] é uma cortina de fumaça. A razão da crise é a hipocrisia do protecionismo”, diz Biagi.
Para Goldemberg, está havendo uma ofensiva violenta dentro dos Estados Unidos contra a utilização de etanol feito do milho e isto acaba refletindo na produção do etanol de cana. “São processos diferentes, mas estão sendo colocados no mesmo barco. Mas é uma postura política. É acusação ideológica e apaixonada”, diz. Frente a essa discussão, cabe ao Brasil aproveitar as oportunidades, inclusive criada pelo aumento do consumo mundial de alimentos, e buscar sempre quebrar os mitos que há décadas tentam tolher seu progresso. Nosso exercício de quebrar mitos continua...