domingo, março 14, 2010

Sofisticado e patinho "bonito". A situação atual do agronegócio brasileiro

Em artigo publicado no Estado de São Paulo domingo passado, o economista José roberto Mendonça de Barros coloca com propriedade o que é o atual agronegócio brasileiro, que deixou de ser o patinho feio da economia. Em complemento, o Ministro Stephanes, em matéria da Gazeta do Povo de Curitiba de 12/março fala que a agricultura é o patinho "bonito" da economia.

Estes dois artigos, o primeiro encontrado no BrasilAgro e o segundo no Notícias Agrícolas, mostram a mesma visão que tenho do agronegócio brasileiro: um setor dinâmico com extremo potencial para nosso país:

Agroindústria: Muito mais sofisticação do que se imagina

Existe uma longa tradição analítica na qual se divide a economia em três setores: primário (atividades agropecuárias), secundário (indústrias extrativas, de transformação, construção civil e utilidades públicas) e terciário (que inclui todos os tipos de serviços públicos e privados).

Até aí tudo bem. Entretanto, há também uma tradição em se associar as atividades primárias a baixas produtividades, pouca tecnologia e reduzida interconexão (bolsões) com o resto da economia, além de reduzida eficiência organizacional. Ao mesmo tempo associa-se a indústria qualidades opostas, ou seja, elevada produtividade, maiores níveis tecnológicos e sofisticada organização.

Historicamente isso certamente é correto, pelo menos até há pouco tempo, o que resultou em uma proposição ainda hoje extraordinariamente difundida e aceita que mais indústria é bom e mais agricultura é ruim do ponto de vista do crescimento. Um corolário imediato é também derivado na área de comércio exterior: mais exportações agrícolas (e minerais) pouco contribuem para o crescimento de longo prazo, pois provocam valorização cambial e pouca expansão do emprego, prejudicando a indústria, a chave do crescimento.

Essa dicotomia tem hoje muitos problemas para ser usada sem muita cautela, por algumas razões.

Uma parte crescente das novidades tecnológicas não está na indústria, mas sim nos serviços, onde se destacam a Tecnologia de Informação (TI), as comunicações, o "cluster" da saúde, os serviços criativos, etc. Esse fenômeno é tão poderoso que se reconhece que vivemos uma revolução de software, onde se gera a maior parte do valor, que coloca o hardware (máquinas e equipamentos), como caudatários do processo.

Vi nesses anos essa evolução, pois quando trabalhei como consultor do IPT, em 1979, os tornos estavam recebendo os primeiros controles numéricos; as máquinas de hoje são incrivelmente mais elaboradas do que então. Outro exemplo singelo vem da pergunta: o que vale mais, o aparelho de telefone ou os mais de 300 mil aplicativos que se projetam como disponíveis em 2010 para o iPhone?

Por outro lado a TI permitiu uma ampla modificação no sistema de produção onde, entre outras coisas, se busca cada vez mais foco e especialização para o que desverticaliza a cadeia de produção, inclusive entre países.

Como consequência as atividades produtivas se organizam de maneiras diferentes, formando cadeias muito mais complexas que no passado e tornando a meu juízo envelhecidas as contraposições do tipo agricultura versus indústria.

Lembremos mais uma vez que a questão do desenvolvimento tem a ver com a expansão das atividades de alta produtividade e de geração de valor (função da utilização de maiores doses de capital, mais trabalho qualificado e mais conhecimento) para as quais exista um mercado amplo e não de segmentos distantes como no passado.

A propósito, Pedro Cordeiro, da Bain & Co, colocou em recente apresentação na MB que muitas evidências sugerem que afora a área de TI, três setores se destacam em termos de esforços e geração de novas tecnologias: a aeronáutica/astronáutica, o petróleo de águas ultraprofundas e a biotecnologia.

Entre as cadeias de recursos naturais, nada mais ilustra as observações feitas até aqui do que a evolução e as perspectivas do setor de cana-de-açúcar. Há 30 anos o setor produzia essencialmente açúcar. A partir de então uma intensa transformação se inicia tanto na produção agrícola como nos processos produtivos e, especialmente, na estrutura de produtos. O gráfico nessa página auxilia a acompanhar essa evolução.

A primeira grande modificação, como se sabe, foi a introdução da utilização do etanol em veículos, que resultou na evolução do carro flex. Embora a mudança tecnológica nos veículos não seja dramática, ela foi original ao produzir veículos competitivos com a gasolina em larga escala. Esse é um feito considerável e um belo estímulo ao setor automotivo só possível pela elevação da produtividade na cadeia da cana como um todo.

Mais recentemente novos usos para o etanol estão em desenvolvimento, como para aviões, ferrovias e termoelétricas. Finalmente, a decisão da agência americana de meio ambiente (EPA) classificando nosso álcool como avançado abre um espaço efetivo para exportações.

O terceiro grande avanço foi o da cogeração de energia elétrica. O setor caminha para produzir 10 mil MW nos próximos quatro anos. O que muita gente não sabe é que para produzir energia elétrica é necessário realizar uma alteração fundamental no tipo de equipamento utilizado na geração de vapor, pois a otimização da queima do bagaço implica na necessidade de se trabalhar com altas pressões.

O impacto da indústria de bens de capital, incluindo todo o sistema de transmissão de energia é significativo. Além dessas inovações consolidadas estamos entrando em duas áreas novas resultantes de inovações tecnológicas e que terão uma grande produção daqui pra frente. Falamos da produção de bioplásticos e outras matérias-primas para a alcoolquímica, como solventes, e dos bicombustíveis de segunda geração.

No caso de bioplásticos, o projeto pioneiro é o da Braskem, que está construindo uma nova planta de eteno de etanol, com capacidade de produção de 200 mil toneladas/ano, com início de operação previsto para o fim de 2010. Toda a produção já está posta e uma ampliação da capacidade ocorrerá em seguida. Em outra frente, vale mencionar o projeto da Usina da Pedra para produção de bioplásticos degradáveis. Esse é um desenvolvimento de alto impacto que traz a possibilidade de forte expansão da alcoolquímica.

A quarta e última área relevante é a dos biocombustíveis de segunda geração. O projeto mais conhecido é o da Amyris que já está chegando à escala industrial, onde com o caldo da cana e o uso de certas leveduras é possível produzir diesel (que não contém enxofre como o diesel mineral) e outros combustíveis, bem como especialidades químicas diversas. Essa é uma rota revolucionária que agrega enorme valor, beneficiando o meio ambiente e cujos mercados potenciais são gigantescos.

Existem outros projetos na mesma área, como o da ETBE da Braskem e o do biobutanol da BP/DuPont.

Finalmente existem as rotas de utilização do bagaço para a produção de biocombustíveis, como a gaseificação e a rota celulósica. Nesse caso os projetos comerciais só ocorrerão mais adiante.

O importante a ressaltar é que o complexo industrial em torno da cana está se alargando com as inovações tecnológicas de grande envergadura, que poderão dobrar o tamanho do sistema como um todo em poucos anos, beneficiando o investimento, o emprego e o meio ambiente.

Para encerrar, faço duas observações: no plano da produção agrícola também observamos elevação de produtividade, sofisticação do processo produtivo e grande impacto na indústria de insumos e equipamentos.

Por outro lado, o processo de inovações tecnológicas continua. Além dos novos produtos acima descritos vale mencionar que as novas variedades já desenvolvidas pela pesquisa permitem elevar de 30 a 50% a produtividade média da cana em poucos anos, acentuando a competitividade de todo o sistema.

As cadeias de recursos naturais são hoje muito mais sofisticadas do que em geral se imagina. Voltaremos a isso em próxima ocasião (José Roberto Mendonça de Barros é economista e sócio da MB Associados)

Agricultura continua sendo o “patinho bonito” da economia, diz Stephanes

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, disse nesta quinta-feira (11) que, mesmo sendo o setor com a segunda maior queda (-5,2%) do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, melhor apenas que o industrial (-5,5), de acordo com dados divulgados nesta quinta-feira (11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agropecuária continua sendo o “patinho bonito” da economia.

Segundo Stephanes, o principal motivo para a queda foi a redução de mais de 6% no volume de grãos produzidos no ano passado. Além disso, ele ressaltou que é preciso observar a variação de preços na agropecuária, que têm oscilações maiores do que em outros setores,

Para este ano, porém, o ministro acredita num bom crescimento. Ele destacou os dados divulgados pelo IBGE e pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que indicam, respectivamente, crescimento de 8% e 6,5% na produção de grãos.

“No horizonte dos últimos 20 anos, o crescimento da agricultura é 50% superior que a média dos demais setores da economia. Então, ela é o patinho bonito”, afirmou. Stephanes disse que as quedas são cíclicas e deu como exemplo a seca na Região Sul, que levou à perda de mais de 6 milhões de toneladas de grãos em 2009.

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