quinta-feira, março 04, 2010

Novo modelo para a agricultura

Muito interessante este artigo do ex-ministro Furlan e do Virgílio Viana, onde comentam a importância de uma nova visão para a agricultura para que ela seja capaz de aumentar a crescente população mundial. Dentre as 4 principais estratégias para a criação de um novo modelo de agricultura, eles citam: a redução das perdas pós-colheita, desenvolvimento de ferramentas financeiras que possam remunerar os custos ambientais aos produtores, ampliar investimentos em P&D e por último aprimorar logística e comercialização dos alimentos. Sem dúvida nenhuma, são ações uqe facilmente podem ser tomadas deste que exista interesse.

O artigo foi publicado no Valor Econômico de ontem e disponibilizado no BrasilAgro:

Davos e uma nova visão para a agricultura

Sem perdas pós-colheita garante-se uma maior oferta de alimentos.
Novo modelo deve somar o aumento da produtividade com a melhoria ambiental e o combate à pobreza.

O último encontro anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, em janeiro, teve como tema geral "repensar, redesenhar e reconstruir". E um dos temas que recebeu grande atenção foi "uma nova visão para a agricultura". Foram inúmeras discussão, envolvendo os presidentes das principais empresas de alimentos e insumos do mundo, alguns presidentes, ministros, chefes de organismos internacionais, lideranças de vários segmentos e especialistas convidados. O objetivo era propor novos caminhos diante dos próximos desafios.

Para atender à demanda de uma população global crescente, que em 2050 atingirá 9,2 bilhões de pessoas, a produção de alimentos deve aumentar em 50%. Por outro lado, é preocupante a escassez de recursos naturais, especialmente água. Some-se a isso a crescente degradação ambiental decorrente da erosão dos solos, poluição, contaminação por agroquímicos, desmatamento e perda da biodiversidade. Para aumentar o desafio, estamos em um processo de mudanças do clima, com o aumento da frequência de eventos extremos, como vendavais, secas e enchentes.

A agricultura participa com 3% a 6% do PIB global, mas é a principal fonte de renda para mais de 65% da camada mais pobre da população mundial. Portanto, a agricultura tem um papel importante para a redução da pobreza rural. Por outro lado, a produção de alimentos é essencial para os habitantes dos grandes centros, que hoje responde por aproximadamente 50% da população global, de 6,9 bilhões de habitantes. Como aumentar a produção de alimentos e melhorar a qualidade nutricional da população? Como combinar isso com a redução da pobreza, a conservação dos mananciais de água e o estancamento da degradação ambiental? Não são desafios simples. Porém, são essenciais e urgentes.

Algumas estratégias gerais puderam ser delineadas em Davos. Primeiro, o aumento da produção de alimentos deve ser baseado em ganhos de produtividade e redução das perdas pós-colheita. As perdas pós-colheita alcançam a cifra global de 50% e podem ser drasticamente diminuídas. A produtividade na África pode ser aumentada em até 4 vezes, apenas com o uso de tecnologias já disponíveis e testadas. Entretanto, o aumento da produção não deve estar baseado na ampliação da área desmatada. A conversão de áreas de florestas, cerrado e outros ecossistemas naturais em agricultura deve ser reduzida a zero no mais curto espaço de tempo possível.

Segundo, devem ser criados instrumentos financeiros para internalizar os custos dos serviços ambientais. Isso significa que as áreas de florestas e outros ecossistemas naturais devem receber pagamentos pelos serviços que prestam - armazenamento e sequestro de carbono, conservação da biodiversidade, conservação dos mananciais de água etc. Uma das oportunidades mais promissoras é a valorização do carbono florestal por meio do chamado REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação, mais conservação, manejo e enriquecimento florestal). Outro caminho é a redução das emissões de gases efeito estufa nas cadeias produtivas de alimentos.

Terceiro, devem ser ampliados os investimentos em ciência e tecnologia, com o objetivo de redesenhar os sistemas de produção agropecuária. Isso significa não apenas aprimorar as bases tradicionais da revolução verde - melhoramento genético, adubação, irrigação e manejo de pragas e doenças. Deve ser dada ênfase para sistemas de produção mais eficientes ecologicamente e capazes de conservar os solos, sequestrar carbono e conservar a biodiversidade - além de produzir alimentos de melhor qualidade (menos agroquímicos) e baixo custo. Exemplos disso são sistemas agroflorestais e permacultura.

Quarto, deve ser aprimorado o sistema de logística e comércio de alimentos. É necessário reduzir custos e perdas. Isso envolve investimentos em infraestrutura de transporte e armazenamento. Por outro lado, são necessárias práticas de comércio mais justas e solidárias, incluindo a redução de barreiras e subsídios, concluindo a Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para que essas estratégias tenham sucesso é necessária a formulação de políticas públicas inovadoras e investimentos privados arrojados. Não é mais possível manter a trajetória atual da agricultura no mundo: não é sustentável. A boa notícia é que existe uma compreensão cada vez mais clara dos desafios por parte de expressivas lideranças internacionais. Repensar, redesenhar e reconstruir a agricultura do século 21 deve ser uma prioridade de todos.

O Brasil é uma potência agrícola e ambiental que tem um papel estratégico no cenário global do século 21. Entretanto, se observarmos os debates de 2009 no Congresso Nacional envolvendo agricultura e meio ambiente, o quadro é desanimador. Os embates de agricultura x conservação ambiental, desenvolvimento x sustentabilidade, são anacrônicos e ultrapassados. O debate deve ser sobre como repensar a agricultura para que ela seja redesenhada diante dos novos desafios deste século. Devemos construir um processo de alinhamento de intenções em torno de uma visão estratégica de sustentabilidade. Ao inserirmos a dimensão ambiental como um dos objetivos da agricultura, não estaremos perdendo competitividade internacional. Ao contrário, ao nos alinharmos com o pensamento estratégico global, aumentaremos nossa competitividade, pois teremos mais oportunidades de acesso aos mercados ao reduzir o risco de barreiras comerciais.

O Brasil deve internalizar esse debate com urgência. O posicionamento do Brasil na CoP-15, em Copenhague, indica uma mudança estratégica importante. Devemos deixar de lado o embate infrutífero e partir para um debate inteligente entre ruralistas e ambientalistas. Devemos repensar a agricultura, criando uma visão capaz de agregar convergências entre o aumento da produtividade e a melhoria ambiental e o combate à pobreza. A partir disso, delinear planos de curto, médio e longo prazos, envolvendo toda a sociedade relacionada com a questão. O debate presidencial é uma boa oportunidade para catalisar esse processo.

(Virgilio Viana é PhD. pela Universidade de Harvard e superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS); Luiz Furlan é presidente do conselho de administração da FAS e co-presidente do conselho de administração da BrasilFoods)

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