domingo, novembro 15, 2009

Visão do Financial Times sobre o setor sucroenergético brasileiro

Concluindo a promessa realizada no post Financial Times acredita no agronegócio brasileiro, segue abaixo a tradução da reportagem do Financial Times sobre o setor sucroenergético publicada no suplemento "Investing in Brazil". No artigo a situação pelo qual o setor passou nos últimos tempos é muito bem descrita:

Uma perfeita tempestade de problemas

Entre 2014 e 2017, a colheita manual será eliminada completamente de forma gradativa no estado de São Paulo, responsável por grande parte da produção de açúcar e álcool.

Isto devido ao fato do governo banir a queimada dos canaviais – uma prática necessária quando a colheita é feita manualmente. É uma das ultimas tentativas do maior produtor mundial de açúcar de repelir sua reputação de práticas trabalhistas antiquadas e conter a crescente oposição dos ambientalistas.

Francelino Lamy de Miranda Grando, secretário de tecnologia industrial, diz que a maior ameaça a indústria está relacionado aos ”mitos que rondam a produção de energia e alimentos”.

“Existe o mito de que os produtores estão desmatando a Amazônia, o mito de que as condições de trabalho na produção da cana-de-açúcar são degradantes, mas não existe substância nestas reclamações,” diz.

Em Araras, uma cidade à duas horas de carro da cidade de São Paulo, o grupo familiar USJ tem assumido com entusiasmo o desafio da transformação do setor.

Um cinema foi construído na beira dos canaviais para entreter os trabalhadores; o médico explica que ele conduz sessões de alongamento todas as manhãs; e um dos diretores da empresa agora passa seus dias em estufas, produzindo arvores frutíferas para embelezar as bordas dos canaviais.

Mas ao longo do ano passado, o setor precisou transformar-se com uma urgência ainda maior, conforme as usinas tentavam desesperadamente atrair capital.

“O setor do açúcar e álcool entrou na crise de Setembro de 2008, já em um estado de crise,“ explica André Berenguer, um diretor do Banco Santander no Brasil.

Em 2006, uma combinação de altos preços do açúcar, expectativas positivas superestimadas para a demanda de álcool e uma expansão realizada pelos produtores brasileiros através da farra do credito, levou a um excedente global de açúcar sem precedentes.

Os fazendeiros indianos também aumentaram sua produção em resposta aos altos preços, inundando ainda mais o mercado. Como resultado, o preço caiu em 2007 para abaixo dos custos de produção e uma desfavorável taxa cambial deixou um ainda rombo ainda maior nos lucros das companhias.

Em seguida, a milhares de quilômetros de distância, em Nova York, o Lehman Brothers declarou falência. O tumulto que se seguiu forçou as indústrias altamente endividadas a fechar, provocando uma onda de consolidação no setor. O maior banco privado do Brasil Itaú-Unibanco diz que, dos 70 produtores com os quais trabalha, cerca de um quarto estão em processos de reestruturação formal.

A maioria dos produtores, incluindo o grupo USJ, tiveram que colocar seus planos de expansão em espera. O grupo estava pronto para construir sua terceira usina em 2008, que agora não será terminada até 2011, e quando começar a funcionar somente produzirá álcool que é mais barato de produzir do que o açúcar.

Este situação difícil do setor inteiro significa que a recuperação da indústria do açúcar poderá ser mais lenta que em outros países, de acordo com a Organização Internacional do Açúcar (ISO).

Então em agosto, logo depois do país oficialmente emergir da recessão, as maiores chuvas dos últimos 30 anos encharcaram o estado de São Paulo, reduzindo tanto o conteúdo de açúcar da cana quanto atrasando a colheita.

“Tudo o que temíamos acontecer, aconteceu,” diz Plínio Nastari, presidente da Datagro, principal pais de analistas do mercado de açúcar do país.

Enquanto que a produção de açúcar nesta safra na importante região centro-sul é ainda esperada ser maior que a da safra passada, as pesadas chuvas têm provocado Datagro continuamente reduzir as suas projeções. De forma geral, a ISO acredita que até 40 milhões de toneladas de cana-de-açúcar serão deixadas sem colher nos canaviais brasileiros nesta safra – uma quantidade equivalente à produção anual da Austrália.

A seca na Índia tem intensificado a escassez global, enquanto que a demanda por açúcar continua a crescer apesar da desaceleração global. O preço do açúcar está pairando perto do maior valor nos últimos 28 anos, levando grupos como o Grupo USJ a alterar a produção de suas fabricas de etanol para o açúcar.

A maioria das usinas direciona pouco menos da metade do caldo da cana para o açúcar e o restante para a destilação do etanol. Mas a sua capacidade de alternar entre as duas é limitada sem a realização de novos investimentos.

E as perspectivas para o mercado de etanol também são incertas, porque, embora o combustível não esteja sujeito à volatilidade dos preços como o açúcar, tornou-se objeto de um debate igualmente explosivo global sobre energia e meio ambiente.

Na Conferência bienal de açúcar e etanol da Datagro em São Paulo no mês passado, Prasert Tapaneeyangkul, do Ministério da Indústria da Tailândia, levou a platéia a risos nervosos quando pediu aos países emergentes para a criação de uma “OPEP do etanol”. Ele perguntou: "Por que temos de continuar a depender do ocidente?"

Os produtores brasileiros também estão pedindo ao seu próprio governo, maiores garantias sobre o papel do etanol. Embora o país seja considerado um pioneiro da fonte de energia, alguns estão preocupados com a recente descoberta de grandes reservas de petróleo nacionais poderiam ser uma distração perigosa.

A demanda interna também é vital, conforme as tarifas americanas sobre as importações de etanol têm limitado o acesso dos produtores brasileiros a esse mercado.

Como uma fonte alternativa de energia, o etanol também vem sendo intenso questionamento ambiental. O governo anunciou zoneamento agrícola para ajudar a proteger áreas como a Amazônia e o Pantanal, embora os fatos apontem que a cana de açúcar não pode ser cultivada nessas áreas por causa do excesso de chuva.

As plantações do Centro-Sul não seriam tecnicamente afetadas, mas os produtores não temem ter que mudar para regiões com restrições ecológicas maiores caso desejarem se expandir.

"Em alguns aspectos, a nossa riqueza natural acabou trazendo-nos a pobreza", diz Igor Montenegro Celestino Otto, um dos gerentes do USJ, conforme olha para fora onde as plantações de cana-de-açúcar em Araras forradas com arbustos cuidadosamente cultivado e árvores frutíferas.

Reportagem adicional por Javier Blas em Londres

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