quarta-feira, abril 08, 2009

Petróleo e Etanol, onde isso irá chegar?

Aproveitando o tema da postagem anterior, encontrei na Edição nº 100 do IdeaNews, duas reportagens sobre o tema. A primeira é sobre este relacionamento e a segunda é sobre a compra da Esso pela Cosan. As duas reportagens podem ser obitdas na íntegra clicando aqui e aqui.

Vale a pena lembrar que a BP já iniciou suas atividades no etanol e que a Petrobras também produz biodiesel.




Mudanças climáticas, proximidade do fim das reservas de petróleo, baixa dos preços do barril. Observados pelo mundo, como convivem o óleo negro e o combustível que vem da cana? Cosan, Petrobras e outras petrolíferas já marcam posição nesse jogo de estratégias.

Clivonei Roberto

No Brasil existe uma falácia de que tudo entra nos eixos depois do Carnaval. Só depois da Quarta-Feira de Cinzas que as coisas começam a acontecer. É difícil dizer se é bem assim. Tanto que se as usinas de açúcar e álcool começassem a se mexer depois do feriado carnavalesco, o que seria da fase de plantio dos canaviais, da manutenção da indústria, dos cálculos e conjecturas para a próxima safra? Na Segunda-Feira de Carnaval, dia 23 de fevereiro, enquanto a folia corria solta pelo Brasil afora, a crise econômica continuava fazendo seus estragos ao redor do globo.

A Bolsa de Nova York caía 3,41%, jogando o índice Dow Jones ao seu pior nível em doze anos. É que pairavam no ar as dúvidas sobre o sistema bancário norte-americano. Tanto na Bolsa de Nova York como na de Londres, depois de uma leve recuperação nos dias anteriores, a cotação do barril de petróleo registrou queda: US$ 38,44 e US$ 40,99 respectivamente. Reflexo da preocupação com uma superoferta, decorrente da crise, e de uma eventual redução da produção da Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo).

O setor sucroalcooleiro também não teve muitos motivos para cair na folia. Para o empresário Maurílio Biagi Filho, da Maubisa, a crise que aflige a agroindústria canavieira vai depurar e trará consequências. Motivo de preocupação. Mas, para ele, essa fase é passageira. “É que os fundamentos do setor são excelentes. Uma empresa entra em crise por falta de demanda, mas não temos problema de demanda. Nossos produtos são muito demandados. O consumo do etanol está em alta.” Apesar disso, “a única coisa negativa são os preços do petróleo”, diz Biagi.

A queda do preço do barril de petróleo tem exigido atenção dos empresários, executivos e analistas do setor. No entanto, o empresário da Maubisa acredita que o atual patamar do barril não se sustente e o preço tende a subir. Mas até que ponto o petróleo influencia o setor sucroalcooleiro, mais especificamente o etanol? A desvalorização do petróleo, segundo o economista Miguel Biegai, analista da Safras & Mercado, está causando um certo adiamento dos investimentos em etanol.

Parece haver algum consenso no meio industrial de que a crise econômica atual e os baixos preços do petróleo são temporários. “Tão logo ela passe, a demanda por commodities voltará e isso implicará em aumento da demanda de etanol novamente. Dessa forma, ninguém está cancelando projetos ou investimentos de forma definitiva. Ficou quase tudo em modo stand by ou sendo tocado de forma lenta.” Biegai lembra que alguns casos são mais complicados porque certos agentes financiadores de base desses projetos simplesmente desapareceram do mercado.

“Eram engrenagens importantes no mercado de crédito internacional e evaporaram. Mas estas engrenagens serão trocadas por outras e a máquina de crédito voltará a liberar recursos mais à frente. É só a poeira baixar nos próximos meses.” A crise internacional e a baixa do preço do petróleo tende a atrasar um pouco o processo de commoditização do etanol. “Não é segredo que o etanol tem grande apelo quando o preço do petróleo está alto.

Com petróleo perto de US$ 40,00/barril, a motivação para comprar etanol é menor no mercado externo. Mas isso é um problema mais de curto prazo.” Para ele, a recuperação da economia fará com que o etanol volte a ser lembrado com mais ênfase do que antes. “O processo de commoditização é irreversível. Vai acontecer. Só resta saber sobre quais moldes.”

Os preços

Ao falar sobre o comportamento dos preços do barril do petróleo nos últimos doze meses, Biegai destaca que o óleo negro, por ser uma commodity cotada em bolsa de mercadorias (como a NYMEX, de Nova York, ou a ICE, de Londres), tem seus valores definidos por contratos futuros que representam uma expectativa de oferta e demanda para determinados vencimentos. Portanto, as cotações são antecipadas pelo mercado.

“A expectativa vigente no primeiro semestre de 2008 era de forte consumo e demanda insuficiente. Além disso, o dólar valia 30% a menos do que hoje. Então, lá em maio de 2008 o barril chegou a ser cotado a US$ 150,00 para o vencimento em março de 2009. Depois disso, as projeções de consumo desabaram por conta da crise econômica e o dólar valorizou muito (30%), jogando o barril para cerca de US$ 40,00.” Portanto, pode-se dizer que nos últimos doze meses o preço do barril do petróleo acompanhou a variação do dólar.

“Ocorre que o barril é cotado em moeda norte-americana. Assim, o barril tem que sofrer aumentos nominais no seu preço em dólares para manter equilibrada a oferta e a demanda mundial. O mesmo é válido quando ocorre uma valorização generalizada do dólar”, relatam a economista Amaryllis Romano e o analista Walter de Vitto, da Tendências Consultoria. Explicam ainda que, em 2008, o dólar apresentou dois movimentos distintos.

Até julho, o dólar sofreu fortes desvalorizações frente à maioria das moedas, causando o forte aumento do petróleo observado no período. A partir de julho, ocorreu a reversão do comportamento da moeda norte-americana, que passou a sofrer fortes valorizações frente às demais moedas. Com isso, desde então, o barril apresentou quedas consecutivas.

A oferta de petróleo foi recuada artificialmente pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), mas mesmo assim isso não foi suficiente para manter os preços em patamares acima de US$ 60,00/barril. “Ou seja, a queda forte é explicada na maior parte pela retração da demanda, e em menor parte pela valorização do dólar”, diz Biegai.

O consultor da Safras & Mercado lembra que os preços das commodities têm natureza cíclica. O preço alto desestimula o consumo e expande a oferta. “Em algum momento a balança inverte, derrubando os preços. Mais à frente, os preços baixos estimulam a demanda e inibem a oferta, o que causa a reversão da tendência. Sempre foi assim”, explica. Amaryllis e Vitto lembram que, até meados do ano passado, a perspectiva era de manutenção de fortes taxas de crescimento econômico.

Porém, a quebra do Banco Lehman Brothers em setembro precipitou a reversão de expectativas quanto ao futuro da economia global e à demanda por petróleo. “Atualmente, com a moeda norte-americana estável, o mercado de petróleo vem refletindo a perspectiva de fraco desempenho econômico mundial em 2009.”

Quanto ao petróleo, há uma agravante de longo prazo que é a disponibilidade limitada. As reservas não são renováveis. Isso quer dizer que o preço do petróleo terá novos ciclos de alta e novos ciclos de baixa. No entanto, os fundos de preço tendem a ser ascendentes. Biegai lembra que, nas últimas décadas, o “fundo do poço” do preço do petróleo sempre tem sido mais alto do que o anterior.

O comportamento continuará sendo cíclico, com altos e baixos, mas numa linha mestre de longo prazo apontando pra cima. Para Amaryllis e Vitto, o mais provável é que o barril continue operando em patamares baixos nos próximos meses. “Alguma recuperação é esperada até o final do ano com o início, em julho, do período de maior demanda sazonal pela commodity. Nossas projeções para 2009 apontam para um preço médio de US$ 55 o barril.”

Retorno à normalidade

Em julho de 2008 a cotação do barril de petróleo chegava perto dos US$ 150,00. Mas despencou com a crise, oscilando na casa dos US$ 30,00 desde dezembro do ano passado. Segundo Biegai, mesmo com a turbulência financeira internacional, o preço do petróleo vem se mantendo em uma linha ligeiramente superior àquela que teoricamente viabiliza a competitividade da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar frente à gasolina.

Esta linha estaria entre US$ 35,00 e US$ 40,00/barril para o petróleo. “Ao menos dentro do Brasil, onde a produção de etanol ainda tem um imenso potencial de aumento de consumo a preços competitivos.” Em entrevista para a Revista Idea News, Alan Kardec, Presidente da Petrobras Biocombustível, frisa que a produção do etanol a partir da cana-de-açúcar é compatível com o preço do barril de petróleo a US$ 40.

“O preço do petróleo somente está nesses patamares em função da crise econômica pela qual o mundo está passando. No momento em que a economia mundial retornar à situação de normalidade, o preço do petróleo voltará a subir e se estabilizará em patamares superiores aos de hoje.” Já para o etanol de milho ser viável, o valor do barril precisa ser cotado por, no mínimo, US$ 60,00.

“Se a perspectiva de cotação do barril manter-se na faixa de US$ 50, podemos considerar que em termos de viabilidade econômica o etanol de cana é o único sobrevivente”, diz Marco Antônio Conejero, economista, especialista em marketing industrial e agroenergia, e analista do Centro de Pesquisa e Projetos em Mar-keting e Estratégia (Markestrat). Nesse cenário, Biegai ressalta que a queda do preço do petróleo tem efeitos mais visíveis e imediatos na exportação de etanol, que é um componente importantíssimo do quadro de demanda.

Mas não é o mais importante. “O item mais importante no quadro de demanda é o consumo interno, principalmente no potencial existente na alcoolquímica e nos veículos pesados. Sem esquecer os veículos leves.” O atual patamar do petróleo, com o agravante da crise, deve segurar um pouco o etanol, mas a médio e longo prazo, na opinião de Conejero, a situação deve mudar.

“No contrário, não teria motivos para a Petrobras criar sua própria subsidiária especializada em biocombustíveis. Ou mesmo a joint venture da BP (Beyond Petroleum, Grupo Maeda e Santelisa Vale) ou o investimento global que vem sendo feito pela Shell no desenvolvimento do etanol celulósico”, dispara.

O que também conta na hora de dizer se vale a pena continuar investindo nos biocombustíveis, mesmo com a baixa dos preços do óleo negro, é a questão ambiental. Campo em que as rápidas mudanças climáticas têm ganhado cada vez mais peso, na avaliação dos analistas da Tendências Consultoria.

Petrobras

No final de janeiro deste ano, o presidente da Petrobras Biocombustível anunciou que a empresa, criada em 2008, vai investir pesado no ramo. O novo plano da empresa prevê investimentos de US$ 2,8 bilhões para o período 2009/2013, dos quais destinará US$ 2,4 bilhões para produção e US$ 4 bilhões para infraestrutura, mais especificamente para a construção de alcooldutos. O plano anterior, apresentado em meados do ano passado, previa investimentos totais de US$ 1,5 bilhão até 2012.

Do novo plano, 9% dos investimentos irão para o exterior, especialmente para América do Sul, África e Portugal. Mas a Petrobras não é uma empresa do ramo petrolífero? Por que anuncia investimentos em biocombustíveis, ainda mais em tempos de crise? Para Conejero, o mercado precisa de diversidade, competição e benefícios ao consumidor final. O etanol, seja ele do caldo ou do bagaço da cana, é o combustível do futuro, junto com a energia solar e eólica. Mas isso requer investimentos.

Se a Petrobras Biocombustível vem somar no intuito de aumentar a base de produção de etanol no Brasil, qual é o problema?” Para Biegai, o petróleo é e continuará sendo o principal nicho da Petrobras. Mas ela precisa se precaver para mudanças estruturais do mercado nos próximos anos ou décadas. “No futuro, talvez a Petrobras não retire mais nenhuma gota de petróleo e seja uma fornecedora de hidrogênio.

E antes disso pode ser que seja uma fornecedora de gás natural, biocombustíveis de terceira geração e energia eólica. Isso só saberemos no futuro, mas é fundamental que todos os caminhos estejam abertos.” O analista da Safras & Mercado lembra que, antes do advento do “Pré-sal”, a Petrobras tinha petróleo suficiente para atender a demanda brasileira por mais 18 anos.

Agora essa conta pode ser multiplicada caso encontrem formas economicamente viáveis de extrair esse petróleo leve, que está a vários quilômetros de profundidade. Mas é bem mais provável que a tecnologia avance de forma mais rápida na formação de melhorias genéticas em cultivares que possibilitem produção de biocombustíveis mais baratos. O Brasil pode até exportar razoáveis volumes de petróleo daqui a uns dez anos.

Mas haverá uma grande demanda de biocombustíveis no Brasil e no mundo nos próximos anos. “E a Petrobras é talvez a única empresa petroleira do mundo que tem conhecimento real, efetivo e prático de produção e distribuição de grandes quantidades de biocombustíveis e de todos os seus canais de comercialização, inclusive com alcooldutos. Esse background precisa ser aproveitado”, analisa Biegai.

Para Conejero, assim como é positiva a entrada de petrolíferas no negócio biocombustíveis, também se pode falar o mesmo quando é feito o caminho contrário: usinas buscando espaço na distribuição de etanol. Sob esse ponto de vista, a aquisição da Esso do Brasil pela Cosan é um avanço importante, mas o setor precisa de modificações estruturais.

Na avaliação de Conejero, o governo deve rever as regras que amarram a distribuição de combustíveis e facilitar a vida das usinas que querem vender o seu etanol, evitando bitributação e passeio do produto. “Pode-se pensar que isso até melhoraria o preço da tonelada de cana que é oferecida ao produtor rural, melhorando a sua renda final.” (Análise sobre o assunto na matéria Tacada de Mestre)

Empresa de energia

O Presidente da Petrobras Biocombustível salienta que a Petrobras não produz etanol hoje, embora comercialize e já seja grande exportadora. “O projeto da companhia com a criação da Petrobras Biocombustível é participar em toda a cadeia produtiva do etanol. É de participar em projetos de produção de etanol com produtores nacionais e empresas internacionais que ofereçam mercado exportador.”

Segundo ele, esses projetos também preveem a produção de eletricidade a partir do bagaço da cana-de-açúcar. “A Petrobras Biocombustível, assim como o parceiro internacional, terá participação minoritária relevante no empreendimento. Caberá ao parceiro nacional, que será majoritário, a condução e a operação dos projetos”, diz Kardec. “A Petrobras é uma empresa de energia”, resume o presidente da Petrobras Biocombustível.

“O petróleo é um recurso finito. Há uma necessidade mundial de diversificação da matriz energética altamente dependente do petróleo por questões de segurança energética e ambiental”, diz Kardec, reforçando que os biocombustíveis são hoje uma das melhores alternativas nesse movimento de diversificação da matriz energética e contribuem com a redução dos gases causadores do efeito estufa. “É também uma maneira de a Petrobras cumprir com a sua responsabilidade social e ambiental.”

Interesse das petrolíferas

Mas se os biocombustívieis são um bom negócio para a Petrobras, onde estão as outras petrolíferas? As grandes companhias de petróleo ainda não anunciaram investimentos maciços na atividade porque o negócio petróleo ainda é muito mais lucrativo do que o negócio etanol. “Qual é o negócio que tem um custo unitário de produção de US$ 10 na média e cuja unidade era vendida a US$ 140 alguns meses atrás?”, indaga Conejero.

“As petrolíferas veem ensaiando a entrada no negócio dos biocombustíveis, mas ainda não conseguem tirar o pé e investimentos do ramo do petróleo”, acrescenta. Na avaliação de José Dirlei Marcello, gerente de Planejamento e Mercado da Sociedade Corretora de Álcool, os biocombustíveis são uma parte ínfima do negócio e não geram lucros como os combustíveis fósseis, mas isso deverá mudar no futuro, pois o fator meio-ambiente prevalecerá.

“Não sei se elas entrarão no negócio produzindo porque não dominam a técnica ou se entrarão somente na área de distribuição. Para as grandes companhias é necessário escala e se ficarem apenas na distribuição podem ficar refém do fornecedor”, sublinha Marcello. Marcos Jank, presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), não acredita que as companhias petrolíferas estejam adiando seu ingresso nesse segmento.

“Já existe uma movimentação grande.” Segundo ele, existe desconfiança e falta conhecimento. “O pessoal escolhe a melhor hora para entrar, mas já teve o investimento do Grupo Cosan em distribuição, da ABB com o Grupo Santelisa, entre outros exemplos”, pontua Jank, revelando, no entanto, que tem dúvida até que ponto uma petrolífera pode ser eficiente na produção de cana por não ser este o business clássico dela.

“Mas a parceria e a cooperação vão acabar existindo.” Executivo do Grupo USJ, Igor Montenegro Celestino Otto ressalta que o segmento em que as companhias petrolíferas atua é muito bom. “Você produz petróleo no Oriente Médio a US$ 4,00/barril e vende a U$ 40,00. No Brasil, o custo é mais caro porque o petróleo está em águas profundas. Mesmo assim, o custo de produção está em torno de US$ 16,00/ barril.

A margem de lucro da companhia brasileira de petróleo continua sendo muito boa.” Portanto, o petróleo é um negócio excelente e que já é inteiramente dominado por estas companhias – da extração do óleo até a bomba de combustível. No entanto, com o etanol é diferente. “As petrolíferas terão muito mais trabalho, mais exposição, mais riscos e menos lucros.” Destaca ainda que, na média histórica, as margens de lucro do etanol são muito apertadas, o que gera um ambiente de negócios muito diferente para as petrolíferas.

“Então, enquanto as companhias de petróleo estiverem tranquilas em sua zona de conforto, vão continuar fazendo discursos e campanhas de marketing a favor da mudança da matriz energética para as energias renováveis, mas continuarão reinvestindo seus lucros no negócio principal e originário que é o petróleo.” Para Amaryllis e Vitto, a indisponibilidade de matéria-prima e de expertise locais na produção de biocombustíveis são os maiores entraves a uma maior adesão das empresas de petróleo ao ramo de biocombustíveis.

“A viabilidade econômica também é um problema em vários países.” Diferente é o caso da Petrobras que é amplamente beneficiada pelo cenário nacional, “pois o etanol já é realidade brasileira há décadas, onde há know-how e condições propícias de produção de cana-de-açúcar”.

Da parte das companhias petrolíferas internacionais, para as quais teoricamente o combustível renovável seria um concorrente do petróleo, “não existe no mundo um ‘complô’ contra o etanol brasileiro, mas sim uma preocupação das outras nações em substituir o monopólio dos produtores de petróleo pelo monopólio brasileiro na produção de etanol”, afirmam Amaryllis e Vitto.

“A commoditização do etanol certamente passa por uma diversificação de origens do produto, que atualmente só conta com produções em larga escala no Brasil e nos EUA, onde é feito de milho.” Mas as grandes companhias de petróleo já estão olhando para os biocombustíveis ao redor do mundo. Antes da crise, algumas das petrolíferas internacionais anunciaram investimentos na área.

Principalmente as petrolíferas europeias e notadamente quando o petróleo estava a mais de US$ 100,00/barril. “Estes projetos estão em marcha lenta ou em stand by, esperando algumas engrenagens do setor voltarem a rodar. Mas certamente não estão esquecidos”, afirma Biegai. A possibilidade de investimento da Shell em uma usina que a Cosan está construindo em Jataí, GO, é prova disso.

E movimentos como esse podem tornar-se uma tendência. “É questão de tempo. Este processo só não está acelerado porque o segundo semestre de 2008 desestimulou muitos investimentos”, comenta Biegai. Mas ele não tem dúvida que o setor sucroalcooleiro verá muita movimentação em breve.

“Ouço falar em comentários entre operadores e traders que um grande grupo internacional deve fazer aquisições agressivas no mercado brasileiro nos próximos meses.” Agora que o Carnaval passou e vamos chegando a março, tomara que de fato a economia global volte ao compasso do crescimento sustentável. E essa última palavra merece ser grifada. Que a crise deixe os holofotes de lado, saia da passarela e dê lugar à normalidade. Isso vale inclusive para a cotação do petróleo e o entusiasmo acerca dos biocombustíveis.



A aquisição da Esso pela Cosan marca o avanço do setor sucroalcooleiro em direção ao segmento de distribuição. Embora traga desafios, esta estratégia pode trazer benefícios na cadeia de valor. Afinal quem não reclama que as maiores margens são das distribuidoras?
Clivonei Roberto


Em abril de 2008, um anúncio de compra gerou muito interesse do setor sucroalcooleiro. Já em dezembro do ano passado, a negociação se consolidou. A Cosan concluiu a aquisição da Esso Brasileira de Petróleo (Essobrás) e suas afiliadas. A aquisição foi efetivada com o pagamento de US$ 715 milhões à Exxon Mobil no Brasil e à assunção da dívida de US$ 175 milhões.

A Esso tem uma rede de distribuição superior a 1,5 mil postos em todas as regiões do Brasil e comercializa anualmente 5 bilhões de l de etanol, gasolina e diesel e 160 milhões de m3 de GNV (Gás Natural Veicular). A Esso opera em 40 bases de distribuição de combustíveis no País. Para o economista e consultor da Safras & Mercado, Miguel Biegai, a negociação da Cosan representa um salto estratégico.

Já na avaliação de Marco Antônio Conejero, economista, mestre em Administração de Organizações e especialista em Marketing Industrial e Agroenergia, o passo da Cosan rumo à distribuição de combustíveis é um marco importante na história do setor sucroalcooleiro. “Isso significa um avanço na cadeia de valor e deve trazer inicialmente desafios à empresa, mas, se bem administrados, muitos benefícios no médio e longo prazo.”

Para o consultor da Safras & Mercado, poder controlar quase toda a cadeia, que vai da produção de cana-de-açúcar no campo até a venda final em um posto de combustível, representa uma enorme vantagem no que tange ao mercado. “Se a vantagem for bem aproveitada, dará à Cosan condições para se tornar uma potência muito maior do que já é.”

Para a economista Amaryllis Romano e o analista Walter de Vitto, da Tendências Consultoria, pelo lado da distribuição de etanol foi um movimento bem-vindo por ter sido o primeiro no sentido de unificação destas duas distribuições. “Sabe-se que vários problemas do mercado de etanol estão ligados a uma elevada informalidade na sua distribuição.” No entanto, salientam: “esta aquisição pouco altera a estrutura do mercado de distribuição de combustíveis fósseis no País.”

Distribuição

Ao analisar a aquisição da Esso pela Cosan, Conejero se lembra de dois aspectos desse mercado. Um deles é o tamanho do mercado de combustíveis no Brasil. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2007 o volume consumido de Gasolina C (com 25% de etanol anidro) foi de 24,3 bilhões de l (sendo 6 bilhões de l de etanol anidro).

Ao mesmo tempo, o consumo de álcool hidratado, impulsionado pela expansão das vendas de carros com tecnologia flex fuel, pela queda dos preços reais do etanol, pelo aumento da renda e pela redução do mercado informal, cresceu vertiginosamente, chegando a 9,2 bilhões de l (45% dos combustíveis leves). Somente no primeiro semestre de 2008, o volume consumido de hidratado foi de 6 bilhões de l. “Como a Cosan é a maior empresa de etanol do mundo, ela tem uma fonte segura e barata desse combustível para vender via postos da Esso”, diz o especialista em Marketing e Agroenergia.

Ao mesmo tempo, ele destaca a diferença de concentração industrial entre o elo das usinas e o elo das distribuidoras. No primeiro semestre de 2008, existiam 410 usinas cadastradas na ANP e 232 distribuidoras associadas. “Apesar de quantitativamente menor, o controle dos preços ao consumidor e as maiores margens obtidas pela comercialização são das distribuidoras.” No primeiro semestre de 2008, o etanol hidratado era vendido pela usina por R$ 0,72/l.

A distribuidora, por sua vez, repassava o produto ao revendedor por R$ 1,24, chegando ao consumidor final na bomba por R$ 1,50/l. “Ou seja, a distribuidora, que só transporta o etanol, aumentou o preço do produto em 72%. Tal margem não se verifica na atividade da usina. Outra razão para a entrada da Cosan nesse mercado.” Assim, segundo Conejero, a distribuição de combustíveis aparece para as usinas como uma oportunidade de crescimento integrado à cadeia produtiva dos biocombustíveis, aproveitando a tendência de crescimento da frota flex fuel e o maior uso do etanol como combustível.

Sinergia

Para Biegai, a compra talvez tenha sido em um momento um pouco errado. Depois da aquisição da Esso, o dólar disparou e o preço de tudo caiu. “Se a Cosan fosse comprar a Esso agora em fevereiro de 2009 provavelmente pagaria bem mais barato. Mas quem preveria o que aconteceu de meados de 2008 até agora? Duvido que alguém tenha previsto. Não tinha como saber.

E certos negócios têm que ser feitos na hora. Não dá pra esperar. Era uma oportunidade que surgiu e a Cosan tinha que bater o martelo na hora. Não podia ficar esperando”, analisa Biegai. Segundo Conejero, agora sob o comando da Cosan, a Esso terá que aumentar sua participação no mercado brasileiro, já bastante competitivo. “Para isso, a Cosan vai ter que investir pesado em bases de distribuição e assim aumentar os postos de combustíveis com a bandeira Esso.”

Ele explica que uma forma de se fazer isso talvez seja sacrificando margens com o etanol e assim atrair os postos de bandeira branca, oferecendo preços mais agressivos. Para tanto, deve-se explorar ao máximo a sinergia entre a Cosan e a Esso para assim obter uma redução de custos para as duas. “O mesmo caminhão que distribui o etanol pode também voltar às usinas do grupo com diesel.

De qualquer forma, pode-se apostar na capacidade de crescimento da companhia.” A Cosan não respondeu as perguntas encaminhadas pela Revista IDEANews sobre esse assunto, especialmente a respeito da estratégia a ser adotada pela corporação sucroalcooleira no mercado de distribuição após a compra da Esso. A assessoria de imprensa da empresa brasileira revelou que a Cosan não está divulgando informações sobre isso. Afirmou ainda que a Esso está em fase de transição depois da negociação, e novidades podem ser divulgadas já em março.

Capilaridade da rede e tradings

A chegada do setor ao segmento de distribuição, através da tacada da Cosan, pode fortalecer os biocombustíveis? Na avaliação de Conejero, isso depende da capacidade do setor em crescer nesse campo. “É importante dizer que o sucesso no negócio da produção de etanol depende da capacidade agrícola da unidade, da capacidade de moagem do grupo econômico e da logística de distribuição para manter os custos de produção baixos.

Já o sucesso do negócio distribuição de combustíveis depende da capilaridade da rede de revendedores e também da capacidade de atração de novos pontos de venda para a bandeira.” Ele continua, lembrando que, considerando os mais de 36 mil postos no Brasil, a BR fica com 19,2%; a Shell 12,7%; a Ipiranga (propriedade da BR no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Grupo Ultra no Sul e Sudeste) 11,6%; a Texaco/Chevron 6,9% (hoje do Grupo Ultra); a Esso (hoje da Cosan) 4,9%; e os postos de bandeira branca e outras cem distribuidoras 44,7%.

“Por isso, vale a pena lembrar que o peso da BR distribuidora e do Grupo Ultra é muito grande em termos de número de postos de venda frente à concorrência. Logo, a melhoria do relacionamento com essas grandes, com contratos de longo prazo e melhor controle de fluxo de caixa, é vital para o sucesso do setor de biocombustíveis”, aconselha Conejero. Ele acredita que novos negócios semelhantes à aquisição da Esso pela Cosan podem ocorrer, mas não em curto prazo.

“Acho que a crise mundial de crédito e confiança veio afetar planos ousados de crescimento integrado.” No entanto, segundo ele, o que pode crescer de imediato é o aumento da formação de grupos de comercialização, como tradings, para aumentar o poder de barganha das usinas no mercado de combustíveis. “Além disso, algumas usinas vêm focando sua estratégia de comercialização do etanol nas distribuidoras de bandeira branca para fugir da pressão das grandes distribuidoras.”

Alternativas para o modelo atual de distribuição também são defendidas pelo empresário Maurílio Biagi Filho, da Maubisa. Segundo ele, o setor sucroalcooleiro não é bom da porteira pra fora. “Temos que comercializar conjuntamente, centralizar a comercialização. Não podemos ter 400 players comercializando, esse modelo tem que ser revisto. Falta interlocução do setor com o setor.”

Para Ângelo Bressan, assessor técnico da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o setor tem que ser capaz de participar do processo de distribuição, entrar na comercialização. Afirma ainda que é preciso fazer um trabalho para que não se veja mais o etanol como um mero substituto da gasolina. “É preciso valorizar o etanol na cabeça do consumidor. O álcool é produto com muitas vantagens que vão além da questão econômica.”

“Na verdade, hoje quando o consumidor opta pelo etanol na hora de abastecer só vê a questão preço. Teria que comprar este combustível considerando a procedência, a qualidade, o balanço ambiental. É preciso mostrar que não é um produto de segunda classe, ajudando a quebrar os cartéis que existem em torno da gasolina”, conclui.

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