sexta-feira, junho 05, 2009

Uma possível causa da fusão Sadia e Perdigão

Em um artigo da edição 944 da Revista Exame, o professor de finanças corporativas da FGV-Eaesp, Oscar Malvessi explica o que aconteceu com a gestão financeira da Sadia que acabou contribuindo para o processo de fusão com a Perdigão.

O exemplo é bom para que as empresas não focalizem apenas resultados financeiros, esquecendo-se do que realmente gera valor para os acionistas.

Onde a Sadia perdeu o jogo
Ou por que a Perdigão comprou a Sadia - e não o contrário

A derrocada financeira da Sadia, que culminou com a absorção da empresa pela Perdigão, foi um fenômeno espantoso para a maioria das pessoas que acompanham o dia-a-dia dos negócios no Brasil. Como, afinal, uma empresa considerada sólida, dona de uma das mais tradicionais marcas do país, decide - do dia para a noite - se aventurar no misterioso mundo dos derivativos "tóxicos", dando origem a perdas que acabaram colocando um fim em seus dias como entidade independente? Uma leitura mais cuidadosa dos números da Sadia, porém, mostra que esse espanto não tem razão de ser. Pior, evidencia que essa derrocada, longe de ter sido causada pelos infortúnios de um departamento financeiro atrapalhado, foi consequência de uma estratégia deliberada, com origem na cúpula da empresa. Só não viu quem não quis ver.

Nos últimos anos, venho analisando sistematicamente o desempenho da Sadia e de outras dezenas de companhias abertas brasileiras. Sempre me chamou a atenção o fato de grande parte do lucro da empresa ter origem em operações financeiras. No período de 1996 a 2007, o lucro operacional - aquele que vem da tediosa venda de frangos e salsichas - representou apenas 57% do lucro total da Sadia. Os outros 43% foram resultado de transações financeiras. No mesmo período, a média de empresas de capital aberto mostra como a Sadia estava fora da curva nesse quesito. Receitas financeiras representam apenas 18% do lucro total de outras companhias. Além disso, a análise dos números mostra que a Sadia nutria um desmesurado gosto pela alavancagem. Enquanto a média das empresas abertas tem um endividamento de curto prazo de 13% de sua dívida total, na Sadia nunca representou menos do que o dobro disso. Percebe-se, portanto, que alavancar a empresa financeiramente sempre foi um objetivo. Não foi a Sadia que mudou ao se encantar com derivativos. Os instrumentos financeiros, isso sim, evoluíram de maneira mais rápida que a capacidade que seus executivos tinham para administrá-los.

Entre 2002 e 2007, fiz três apresentações à direção da Sadia. Meu objetivo era alertá-los sobre os perigos dessa crescente dependência do jogo financeiro, em detrimento da devida atenção à operação. Nessas apresentações, mostrei um dado que julgava fundamental. Enquanto a Sadia tinha lucros ilusórios, sua arquirrival, a Perdigão, crescia. Essa tendência se manteve. Entre 2000 e 2008, as vendas da Perdigão cresceram 73% mais que as da Sadia. Ao mesmo tempo, a Perdigão mantinha seu foco no aumento de sua produtividade. Na média de 2000 a 2007, 72% do lucro da Perdigão veio de sua operação. Embora seja um número menor que o da média das empresas, vale destacar que essa relação foi superior a 90% de 2003 em diante. Na Sadia, manteve-se inalterado. Disse a eles que o lucro financeiro destruía valor, em vez de criá-lo. Minhas apresentações foram encaradas como mero blá-blá-blá de um professor ranzinza.

Foi aí, hoje se sabe, que a Sadia perdeu o jogo para a Perdigão. Em vez de adotar uma estratégia inovadora para suas atividades operacionais, que traria benefícios perenes para seus acionistas, a companhia decidiu criar uma armadilha para si mesma. Qual é a lição que o caso da Sadia traz? Ela é simples, mas tem sido ignorada por empresas tradicionais e sólidas, que desmancharam no ar ao primeiro sopro dos ventos da crise. Lucros trimestrais vêm e vão. O que cria valor para o acionista, porém, é a dedicação ferrenha, dia e noite, ao aumento de produtividade da operação, o crescimento das vendas e a remuneração variável vinculada não ao lucro de um mero trimestre, mas sim à geração de valor de longo prazo. A punição para quem não o faz pode demorar, mas aparece - quem se deixa levar por soluções fáceis é invariavelmente engolido por quem fez a coisa certa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tiraram o sapato de salto alto e votaram a utilizar a boa e velha Havaianas.