O artigo abaixo, publicado no Estado de São Paulo do dia 13 de fevereiro, faz um panorama do mercado agrícola mundial e a inserção brasileira.
Mercado agrícola em transformação
A grande transformação por que passa o mercado agrícola mundial interessa diretamente ao Brasil. O preço das commodities tem influência direta sobre as exportações brasileiras e o biocombustível põe o Brasil na linha de frente na luta para reduzir a dependência do petróleo e diminuir as emissões de gás carbono, que tantos prejuízos causam ao meio ambiente.
A revista The Economist, em recente estudo, com dados significativos, chama a atenção para as conseqüências do aumento do preço dos alimentos sobre a economia global e, em especial, sobre a dos países em desenvolvimento.
Contrastando com a queda de 75% dos preços das commodities agrícolas no período 1974-2005, o índice The Economist de produtos agrícolas no mercado mundial está hoje no nível mais elevado desde sua criação, em 1845. Mesmo em termos reais, os preços cresceram 75% desde 2005 e deverão manter-se nesses níveis, pelo menos por uma década. Estudos mostram que o preço dos cereais deverá crescer entre 10% e 20% até 2015.
Normalmente, o aumento no preço das commodities deriva da escassez do produto e de baixos estoques, refletindo uma situação de desequilíbrio entre a oferta e a demanda. O que ocorre agora é a elevação das cotações, mesmo quando existe excedente, visto que a produção de cereais em 2008 será a maior da história. The Economist denomina esse fato, pelo seu impacto sobre a economia internacional, de 'agflation'.
Essa situação indica que as alterações do quadro são estruturais e não temporárias. Duas razões básicas podem ser apontadas para justificar a atual alta no preço dos produtos agrícolas: o aumento do consumo de alimentos na China e na Índia e o rápido crescimento da demanda por etanol como combustível. A demanda por etanol foi a principal razão do aumento do preço dos grãos em 2007, o que, por sua vez, acarretou a elevação do preço de outros produtos, como soja e milho.
A médio e longo prazos, os avanços tecnológicos, especialmente na genética agrícola, poderão beneficiar muitos agricultores. O acréscimo de novas regiões produtoras, porém, apresenta problemas significativos: a maior parte das novas áreas que poderão ser incorporadas para o plantio se encontra em áreas remotas do Brasil, da Rússia, do Casaquistão, do Congo e do Sudão; a necessidade de enormes investimentos em infra-estrutura (estradas, ferrovias); o crescente perigo de mudanças climáticas (segundo alguns estudos, o aquecimento global poderá reduzir a produção agrícola mundial em cerca de 15% em 2020; e o alto preço do petróleo (influência sobre o preço dos fertilizantes, responsáveis em boa parte pelo incremento da produção agrícola nos últimos 50 anos).
Os países mais pobres com reduzida produção agrícola e os países mais ricos serão os grandes perdedores. Segundo o Banco Mundial, 3 bilhões de pessoas, 75% dentre as mais pobres do mundo, vivem nas áreas rurais dos países em desenvolvimento e, dessas, 2,5 milhões estão na agricultura.
Assim, se, por um lado, os mais pobres poderiam ser beneficiados pelos altos preços das commodities, o que ocorre na prática é o contrário: a maior parte dos países vive com renda abaixo do nível de pobreza e não pode pagar os alimentos cada vez mais caros. Os países em desenvolvimento deverão gastar mais de US$ 50 bilhões com a importação de cereais em 2007, 10% a mais do que no ano passado. Por outro lado, entre outros países desenvolvidos, Japão, México e Arábia Saudita serão afetados diretamente pelo aumento dos preços dos alimentos. Segundo o Prêmio Nobel de Economia, Gary Becker, da Universidade de Chicago, se o preço dos produtos agrícolas crescer 33%, o nível de vida dos países desenvolvidos deverá reduzir-se ao redor de 3%, enquanto o dos países mais pobres, acima de 20%.
Para alguns países, o aumento dos preços passou a ser um problema. Muitos, como a Argentina, o Marrocos, o Egito, o México e a China, a fim de minimizar os efeitos negativos, estão aplicando algum tipo de controle de preços sobre produtos alimentícios; outros países, incluindo a Índia, o Vietnã, a Sérvia e a Ucrânia, impuseram imposto de exportação ou limitaram as exportações. Argentina e Rússia, para evitar os aumentos internos de preço, fizeram as duas coisas ao mesmo tempo.
Evidentemente, há também ganhadores com essa situação. Nos EUA, o maior exportador mundial de produtos agrícolas, a renda líquida do agricultor em 2007 será de US$ 87 bilhões, 50% a mais do que a média dos últimos 10 anos. Outros beneficiários, pelo aumento da eficiência e dos preços, são países em desenvolvimento, como o Brasil, a Argentina, a Índia, a África do Sul e alguns outros africanos.
A intervenção do governo por meio de subsídios e barreiras comerciais acarretou um elevado custo para os países em desenvolvimento. As tarifas aumentaram, houve perda de qualidade, superprodução e altos preços internacionais que tanto prejudicam os produtores, na maioria países em desenvolvimento. A redução dos subsídios nos EUA e na Europa ajudaria a alterar substancialmente esse quadro.
Finalmente, poderá haver um importante efeito político gerado pela 'agflation'. A escassez de alimentos e o alto preço das commodities agrícolas, num contexto internacional mais aberto, poderão mudar o equilíbrio de poder na economia mundial em benefício dos mercados emergentes.
O Brasil está muito bem posicionado para ser um dos principais países favorecidos por essa tendência.Tanto em pesquisa e na extensão de terras agriculturáveis quanto na produção agrícola, do etanol e do biodiesel, o Brasil goza de vantagens competitivas importantes. Isso representa uma enorme oportunidade que não podemos deixar passar.
Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
Mercado agrícola em transformação
A grande transformação por que passa o mercado agrícola mundial interessa diretamente ao Brasil. O preço das commodities tem influência direta sobre as exportações brasileiras e o biocombustível põe o Brasil na linha de frente na luta para reduzir a dependência do petróleo e diminuir as emissões de gás carbono, que tantos prejuízos causam ao meio ambiente.
A revista The Economist, em recente estudo, com dados significativos, chama a atenção para as conseqüências do aumento do preço dos alimentos sobre a economia global e, em especial, sobre a dos países em desenvolvimento.
Contrastando com a queda de 75% dos preços das commodities agrícolas no período 1974-2005, o índice The Economist de produtos agrícolas no mercado mundial está hoje no nível mais elevado desde sua criação, em 1845. Mesmo em termos reais, os preços cresceram 75% desde 2005 e deverão manter-se nesses níveis, pelo menos por uma década. Estudos mostram que o preço dos cereais deverá crescer entre 10% e 20% até 2015.
Normalmente, o aumento no preço das commodities deriva da escassez do produto e de baixos estoques, refletindo uma situação de desequilíbrio entre a oferta e a demanda. O que ocorre agora é a elevação das cotações, mesmo quando existe excedente, visto que a produção de cereais em 2008 será a maior da história. The Economist denomina esse fato, pelo seu impacto sobre a economia internacional, de 'agflation'.
Essa situação indica que as alterações do quadro são estruturais e não temporárias. Duas razões básicas podem ser apontadas para justificar a atual alta no preço dos produtos agrícolas: o aumento do consumo de alimentos na China e na Índia e o rápido crescimento da demanda por etanol como combustível. A demanda por etanol foi a principal razão do aumento do preço dos grãos em 2007, o que, por sua vez, acarretou a elevação do preço de outros produtos, como soja e milho.
A médio e longo prazos, os avanços tecnológicos, especialmente na genética agrícola, poderão beneficiar muitos agricultores. O acréscimo de novas regiões produtoras, porém, apresenta problemas significativos: a maior parte das novas áreas que poderão ser incorporadas para o plantio se encontra em áreas remotas do Brasil, da Rússia, do Casaquistão, do Congo e do Sudão; a necessidade de enormes investimentos em infra-estrutura (estradas, ferrovias); o crescente perigo de mudanças climáticas (segundo alguns estudos, o aquecimento global poderá reduzir a produção agrícola mundial em cerca de 15% em 2020; e o alto preço do petróleo (influência sobre o preço dos fertilizantes, responsáveis em boa parte pelo incremento da produção agrícola nos últimos 50 anos).
Os países mais pobres com reduzida produção agrícola e os países mais ricos serão os grandes perdedores. Segundo o Banco Mundial, 3 bilhões de pessoas, 75% dentre as mais pobres do mundo, vivem nas áreas rurais dos países em desenvolvimento e, dessas, 2,5 milhões estão na agricultura.
Assim, se, por um lado, os mais pobres poderiam ser beneficiados pelos altos preços das commodities, o que ocorre na prática é o contrário: a maior parte dos países vive com renda abaixo do nível de pobreza e não pode pagar os alimentos cada vez mais caros. Os países em desenvolvimento deverão gastar mais de US$ 50 bilhões com a importação de cereais em 2007, 10% a mais do que no ano passado. Por outro lado, entre outros países desenvolvidos, Japão, México e Arábia Saudita serão afetados diretamente pelo aumento dos preços dos alimentos. Segundo o Prêmio Nobel de Economia, Gary Becker, da Universidade de Chicago, se o preço dos produtos agrícolas crescer 33%, o nível de vida dos países desenvolvidos deverá reduzir-se ao redor de 3%, enquanto o dos países mais pobres, acima de 20%.
Para alguns países, o aumento dos preços passou a ser um problema. Muitos, como a Argentina, o Marrocos, o Egito, o México e a China, a fim de minimizar os efeitos negativos, estão aplicando algum tipo de controle de preços sobre produtos alimentícios; outros países, incluindo a Índia, o Vietnã, a Sérvia e a Ucrânia, impuseram imposto de exportação ou limitaram as exportações. Argentina e Rússia, para evitar os aumentos internos de preço, fizeram as duas coisas ao mesmo tempo.
Evidentemente, há também ganhadores com essa situação. Nos EUA, o maior exportador mundial de produtos agrícolas, a renda líquida do agricultor em 2007 será de US$ 87 bilhões, 50% a mais do que a média dos últimos 10 anos. Outros beneficiários, pelo aumento da eficiência e dos preços, são países em desenvolvimento, como o Brasil, a Argentina, a Índia, a África do Sul e alguns outros africanos.
A intervenção do governo por meio de subsídios e barreiras comerciais acarretou um elevado custo para os países em desenvolvimento. As tarifas aumentaram, houve perda de qualidade, superprodução e altos preços internacionais que tanto prejudicam os produtores, na maioria países em desenvolvimento. A redução dos subsídios nos EUA e na Europa ajudaria a alterar substancialmente esse quadro.
Finalmente, poderá haver um importante efeito político gerado pela 'agflation'. A escassez de alimentos e o alto preço das commodities agrícolas, num contexto internacional mais aberto, poderão mudar o equilíbrio de poder na economia mundial em benefício dos mercados emergentes.
O Brasil está muito bem posicionado para ser um dos principais países favorecidos por essa tendência.Tanto em pesquisa e na extensão de terras agriculturáveis quanto na produção agrícola, do etanol e do biodiesel, o Brasil goza de vantagens competitivas importantes. Isso representa uma enorme oportunidade que não podemos deixar passar.
Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
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