O Agronegócio brasileiro está cada dia ficando mais profissional. O maior exemplo disso é a crescente onda de abertura de capitais que o setor está passando. A reportagem abaixo publicado pelo Valor Econômico ontem mostra isso em outros setores além do setor sucroalcooleiro:
Febre do IPO chega a produtores do MT
Bons preços internacionais das commodities e cenário interno favorável animam grandes produtores rurais de Mato Grosso a criar empresas para gerir seus negócios e, ao mesmo tempo, preparam a abertura do capital dessas companhias. A opção pelo mercado de capitais, até então restrita a grandes usinas de açúcar e álcool e frigoríficos, é explicada pelas limitações do crédito rural oficial em financiar as safras e o alto custo do dinheiro emprestado por tradings ao setor.
As novas empresas do campo estão em busca de capital de giro para alavancar sua expansão e seus investimentos. E já começaram a profissionalizar sua gestão com o objetivo de elevar a captação de recursos a juros mais baixos. Atentos ao movimento, bancos e fundos de investimento internacionais com participações em empresas do agronegócio começaram a avaliar os negócios em Mato Grosso. Na semana passada, a convite do Banco do Brasil e do Deutsche Bank, dez analistas de fundos brasileiros, americanos e europeus, que administram uma carteira de US$ 1 trilhão em recursos, passou dois dias em visita ao Estado para estudar oportunidades de investimento.
Um dos maiores produtores rurais do país, o gaúcho Otaviano Pivetta anunciou aos potenciais investidores, durante visita à sua fazenda, em Nova Mutum, a 270 km de Cuiabá, que entrará na febre dos IPOs no início de 2008 com a sua Vanguarda do Brasil S.A. Pivetta planta 170 mil hectares de soja, algodão, milho e arroz em 11 fazendas.
A empresa, que fatura US$ 197 milhões, tem uma característica de forte verticalização da produção. Produz as sementes, planta, industrializa e transporta soja e algodão até o porto de Paranaguá. A produção de milho abastece a criação de 80 mil suínos, que são abatidos por uma cooperativa e exportados. Com a ida à bolsa, Pivetta planeja expandir a criação de bovinos de 30 mil para 100 mil cabeças, construir um abatedouro de grande porte, elevar a capacidade de esmagamento de soja de 10% para 40% da produção, além de erguer uma usina de biodiesel e outra de etanol base de milho na região. “Produzimos a matéria-prima nas fazendas, o que faz diferença nos custos e reduz riscos sanitários”, diz Pivetta, que também é deputado estadual.
Dono do Grupo Bom Futuro, que fatura US$ 300 milhões, o paranaense Eraí Maggi Scheffer também avisou que prepara o terreno para ir à bolsa. Considerado o maior produtor do Brasil, com 200 mil hectares de soja, milho e algodão espalhados por sete municípios de Mato Grosso, Eraí informou já ter contratado a consultoria que auxiliou a SLC Agrícola a preparar a abertura de seu capital.
“O processo está em andamento. Ainda dependemos de auditorias, mas estamos pensando na abertura de capital”, disse o dono do grupo de Rondonópolis. Na mesma sintonia, o empresário goiano Orcival Guimarães, que planta 80 mil hectares de soja, milho e algodão e cria 100 mil bovinos em Lucas do Rio Verde, contou aos participantes da “field trip” que planeja, em associação com Otaviano Pivetta, construir um frigorífico de capital aberto com capacidade para abater até 500 mil bois na região. “O momento é este. Com alguns sócios estratégicos, penso que podemos fazer isso rápido”.
Em Cuiabá, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), avaliou haver um “movimento interessante” entre os produtores em direção à bolsa. Ao Valor, disse que a principal empresa de sua família, a Amaggi, deve seguir a tendência. “A Amaggi está pronta para abrir o capital. Já tivemos várias auditorias e consultorias. As contas estão em ordem, mas falta a decisão estratégica sobre o melhor momento para colocar outras pessoas dentro da empresa”, afirmou. Com sede em Rondonópolis, a empresa produz em 17 fazendas e fatura US$ 700 milhões.
Surpresos com a escala de produção dessa elite de produtores, e interessados em temas de logística e infra-estrutura, os analistas do mercado financeiro foram direto ao ponto: a taxa de retorno dos investimentos. De Pivetta, ouviram que, apesar do câmbio desfavorável elevar o custo do frete, a Vanguarda tem margem de 30% no algodão e de 15% na soja. “Em vez de transportar 20 quilos de milho, levamos um quilo de carne e diluímos o frete”, disse. Pivetta disse, ainda, que cada hectare de suas fazendas rende até US$ 7 mil.
Eraí Maggi afirmou também trabalhar no mesmo nível de retorno. O problema é a insuficiência de crédito. Produtor em Rondonópolis, Bruno Goellner disse que sua empresa, o Grupo Girassol, que produz desde a semente e faz a exportação direta da produção, precisa de US$ 23 milhões para custear as safras, mas consegue apenas US$ 1,5 milhão no crédito rural oficial. “O restante vem de capital próprio ou de tradings”, disse.
No campo, os analistas quiseram saber sobre investimentos em tecnologia. A resposta veio com a visita à colheita de algodão, onde viram colheitadeiras de US$ 400 mil. E Pivetta tem 40 dessas máquinas, além de 60 outras para colher soja. “É impressionante mesmo. O mais interessante é ver que existe uma empresa por trás disso”, avaliou Marcos Amino, do hedge fund Discovery, que tem uma carteira de US$ 4 bilhões.
O analista Pascoal Paionne, do Votorantin Asset Management, cuja carteira soma R$ 1,5 bilhão, ficou animado. “Há oportunidades de negócio muito boas aqui. Abrir o capital é uma chance importante para esses produtores”, disse. Integrante de uma equipe do Deutsche Asset que administra US$ 800 bilhões no mundo, o alemão Oliver Kratz informou aos empresários que o fundo tem US$ 1 bilhão disponíveis para “novos negócios”. A analista Glaucia Renda, da Alliance Growth Equities, cujos investimentos incluem empresas do agronegócio, considerou fundamental conhecer de perto a realidade do campo brasileiro.
No comando da Diretoria de Agronegócios do Banco do Brasil, José Carlos Vaz avalia que a tendência de abertura de capital de empresas rurais de Mato Grosso poderia levar a uma redução de até 40% no mix de taxa de juros pago pelos produtores - hoje entre 15% e 20% ao ano. “Captar dinheiro na bolsa poderia significar um corte nos custos”, avaliou. “Mas eles precisam ter alto padrão de contabilidade, gestão financeira e de riscos”. Segundo ele, com esse movimento, as tradings passariam a ser comercializadoras e não mais financiadoras da produção. Nesse cenário, o diretor acredita que o BB passará a oferecer intermediação de recursos, como análises de risco, e proteção de preços (hedge) em geral a essa fatia do setor.