No Valor Econômico de hoje saiu um editorial interessante sobre inflação e agricultura do José Roberto Mendonça de Barros. Segue texto:
UM VELHO TEMA: INFLAÇÃO E AGRICULTURA
José Roberto Mendonça de Barros
Está de volta um velho tema: está a agricultura gerando inflação? Se buscarmos a resposta nos índices de preços dos principais países do mundo, a resposta é não. Como se sabe, nestas regiões utiliza-se o conceito de núcleo da inflação, que resulta da retirada dos elementos voláteis, como energia e alimentos, dos cálculos globais. Na Europa, nos Estados Unidos e no Japão os núcleos de inflação estão estáveis ou em queda, ou seja, as altas recentes das cotações de vários preços agrícolas não contaminaram, pelo menos por hora, a inflação.
A questão a ser respondida a seguir é qual será a possível trajetória dos preços agrícolas para o ano próximo, ou seja, continuaremos a ter preços agrícolas mais elevados em 2008?
Para responder a esta pergunta temos antes que lembrar as causas que colocaram os preços, especialmente de grãos, onde estão hoje. Creio que haverá pouca discordância com relação à seguinte lista: aumento da demanda de alimentos por conta da elevação da renda; quebra de safra, especialmente importante no caso do trigo; elevação na demanda de milho, nos EUA, para a produção de etanol; elevação na demanda por biodiesel, estimulada pelos altos preços do petróleo; a desvalorização do dólar, que pressiona e corrige as cotações nas bolsas de mercadorias; e, finalmente, o contínuo crescimento dos volumes de recursos alocados nos fundos de "commodities".
Nosso argumento básico, após considerar a lista acima, é que os preços agrícolas não continuarão em trajetória ascendente no próximo ano, exceto por distúrbios climáticos que, hoje, não se pode prever. Antes de tudo temos que considerar a resposta da oferta agrícola: no caso do trigo, a safra quebrou de forma importante, no ano em curso, na Austrália, Rússia, Ucrânia e outros lugares, levando as cotações às alturas. É, pois, natural que o plantio cresça na próxima estação, trazendo os preços para patamares mais razoáveis. O próprio mercado futuro assim sinaliza, com as cotações de maio (quando entra o trigo de inverno americano) já muito mais baixas. O mesmo deverá ocorrer com o plantio de soja e milho, especialmente na América do Sul. Por outro lado, o salto na produção de etanol de milho levou a uma derrocada de preços nos EUA, que de quase US$ 4 por galão no ano passado vieram para US$ 1,6 nos dias de hoje, o que deverá reduzir a fúria no crescimento da demanda de milho. Como o Brasil já sabe, a construção de uma infra-estrutura de distribuição de etanol leva tempo e custa dinheiro. Da mesma forma, a altura atingida nos preços de óleos vegetais vai desestimular, em certa medida, a demanda de biodiesel. No caso do Brasil, o biodiesel está inviável, exceto para projetos destinados ao consumo no local de produção.
Em resumo, o processo de elevação da oferta e redução relativa na demanda está em pleno andamento, como é tradicional na agricultura. Ademais, é provável que dentro de poucos meses a desvalorização do dólar seja contida, em virtude do ajuste externo em andamento nos Estados Unidos. Restam, portanto, dos elementos altistas, a elevação da demanda de alimentos, que vai continuar, e a entrada de recursos nos fundos de "commodities". Como já coloquei várias vezes neste espaço, os fundos continuarão a ser elementos decisivos nos mercados futuros. Entretanto, estou convencido que eles nunca vão contra os fundamentos, mas ampliam as variações positivas ou negativas pelo tamanho de suas posições.
Em outras palavras, nenhum mercado será persistentemente altista contra os fundamentos. Por outro lado, é a atuação dos fundos que abre possibilidades maiores de "hedge" para os produtores.
Em conclusão, a elevação da demanda por produtos agrícolas deverá manter os preços em patamares relativamente elevados. Entretanto, em relação aos níveis atingidos neste ano, é muito mais provável uma correção negativa de certos produtos, como o trigo, e uma descompressão nos mercados de grãos como um todo. Ao longo do tempo, estou convicto que assistiremos, como muitas vezes no passado, a uma elevação do uso de tecnologia no campo, aumento da área cultivada em vários países do mundo (e no Brasil, em particular), reduzindo, senão eliminando, as chances de uma elevação da inflação mundial por conta da agricultura.
No caso do Brasil, a influência dos alimentos na inflação é muito maior, pois trabalhamos com os índices cheios. Mas, apenas a título de exercício, o núcleo do IPCA, sem alimentos e preços administrados, está em setembro subindo 2,7% no ano e 3,6% em 12 meses. No IPCA cheio os alimentos sobem 11,2% em 12 meses.
Para o Brasil tenho a mesma perspectiva acima exposta para os preços agrícolas: os preços estão num topo do qual deverão recuar. Em alguns casos, como o leite e o álcool isto já está acontecendo. Em outros, como os grãos, a elevação do plantio e a queda do dólar deverão levar a níveis menores em 2008, afetando positivamente o preço das carnes. Em resumo, não tenho preocupação quanto a uma eventual inflação agrícola, desde que o clima não atrapalhe. Tenho, entretanto, alguma preocupação com a inflação em 2008 por outras razões, que coloco a seguir.
Em primeiro lugar, a demanda interna está crescendo a taxas muito elevadas; as vendas ao varejo (que são apenas parte da demanda agregada) até julho estão crescendo 9,7% no ano e 8,7% em doze meses. Embora as importações estejam crescendo muito rapidamente, a produção destinada ao mercado interno também. É perceptível, nestas condições, uma recuperação cada vez mais generalizada de margens nas cadeias produtivas, como na automobilística e na construção civil (o INCC cresceu 4,62% no ano e a mão de obra 5,33%). Mesmo que as importações venham a crescer mais, isto leva tempo e ainda assim restará a questão dos não-comercializáveis. Com a alta do petróleo, os óleos combustíveis cresceram, até setembro 21,8%, a nafta 27%, o querosene 9,3% e o GNV 7,1%. A cadeia do plástico e os custos de energia serão pressionados. Finalmente, projetamos preços administrados maiores no ano que vem, da ordem de 3,8%.
Em conclusão, a inflação está em leve aceleração e deve ser maior no IPCA no ano que vem, algo como 4.3%. A inflação brasileira, ainda que baixa, não é mais sempre decrescente (José Roberto Mendonça de Barros é economista da MB Associados; Valor, 18/10/07
UM VELHO TEMA: INFLAÇÃO E AGRICULTURA
José Roberto Mendonça de Barros
Está de volta um velho tema: está a agricultura gerando inflação? Se buscarmos a resposta nos índices de preços dos principais países do mundo, a resposta é não. Como se sabe, nestas regiões utiliza-se o conceito de núcleo da inflação, que resulta da retirada dos elementos voláteis, como energia e alimentos, dos cálculos globais. Na Europa, nos Estados Unidos e no Japão os núcleos de inflação estão estáveis ou em queda, ou seja, as altas recentes das cotações de vários preços agrícolas não contaminaram, pelo menos por hora, a inflação.
A questão a ser respondida a seguir é qual será a possível trajetória dos preços agrícolas para o ano próximo, ou seja, continuaremos a ter preços agrícolas mais elevados em 2008?
Para responder a esta pergunta temos antes que lembrar as causas que colocaram os preços, especialmente de grãos, onde estão hoje. Creio que haverá pouca discordância com relação à seguinte lista: aumento da demanda de alimentos por conta da elevação da renda; quebra de safra, especialmente importante no caso do trigo; elevação na demanda de milho, nos EUA, para a produção de etanol; elevação na demanda por biodiesel, estimulada pelos altos preços do petróleo; a desvalorização do dólar, que pressiona e corrige as cotações nas bolsas de mercadorias; e, finalmente, o contínuo crescimento dos volumes de recursos alocados nos fundos de "commodities".
Nosso argumento básico, após considerar a lista acima, é que os preços agrícolas não continuarão em trajetória ascendente no próximo ano, exceto por distúrbios climáticos que, hoje, não se pode prever. Antes de tudo temos que considerar a resposta da oferta agrícola: no caso do trigo, a safra quebrou de forma importante, no ano em curso, na Austrália, Rússia, Ucrânia e outros lugares, levando as cotações às alturas. É, pois, natural que o plantio cresça na próxima estação, trazendo os preços para patamares mais razoáveis. O próprio mercado futuro assim sinaliza, com as cotações de maio (quando entra o trigo de inverno americano) já muito mais baixas. O mesmo deverá ocorrer com o plantio de soja e milho, especialmente na América do Sul. Por outro lado, o salto na produção de etanol de milho levou a uma derrocada de preços nos EUA, que de quase US$ 4 por galão no ano passado vieram para US$ 1,6 nos dias de hoje, o que deverá reduzir a fúria no crescimento da demanda de milho. Como o Brasil já sabe, a construção de uma infra-estrutura de distribuição de etanol leva tempo e custa dinheiro. Da mesma forma, a altura atingida nos preços de óleos vegetais vai desestimular, em certa medida, a demanda de biodiesel. No caso do Brasil, o biodiesel está inviável, exceto para projetos destinados ao consumo no local de produção.
Em resumo, o processo de elevação da oferta e redução relativa na demanda está em pleno andamento, como é tradicional na agricultura. Ademais, é provável que dentro de poucos meses a desvalorização do dólar seja contida, em virtude do ajuste externo em andamento nos Estados Unidos. Restam, portanto, dos elementos altistas, a elevação da demanda de alimentos, que vai continuar, e a entrada de recursos nos fundos de "commodities". Como já coloquei várias vezes neste espaço, os fundos continuarão a ser elementos decisivos nos mercados futuros. Entretanto, estou convencido que eles nunca vão contra os fundamentos, mas ampliam as variações positivas ou negativas pelo tamanho de suas posições.
Em outras palavras, nenhum mercado será persistentemente altista contra os fundamentos. Por outro lado, é a atuação dos fundos que abre possibilidades maiores de "hedge" para os produtores.
Em conclusão, a elevação da demanda por produtos agrícolas deverá manter os preços em patamares relativamente elevados. Entretanto, em relação aos níveis atingidos neste ano, é muito mais provável uma correção negativa de certos produtos, como o trigo, e uma descompressão nos mercados de grãos como um todo. Ao longo do tempo, estou convicto que assistiremos, como muitas vezes no passado, a uma elevação do uso de tecnologia no campo, aumento da área cultivada em vários países do mundo (e no Brasil, em particular), reduzindo, senão eliminando, as chances de uma elevação da inflação mundial por conta da agricultura.
No caso do Brasil, a influência dos alimentos na inflação é muito maior, pois trabalhamos com os índices cheios. Mas, apenas a título de exercício, o núcleo do IPCA, sem alimentos e preços administrados, está em setembro subindo 2,7% no ano e 3,6% em 12 meses. No IPCA cheio os alimentos sobem 11,2% em 12 meses.
Para o Brasil tenho a mesma perspectiva acima exposta para os preços agrícolas: os preços estão num topo do qual deverão recuar. Em alguns casos, como o leite e o álcool isto já está acontecendo. Em outros, como os grãos, a elevação do plantio e a queda do dólar deverão levar a níveis menores em 2008, afetando positivamente o preço das carnes. Em resumo, não tenho preocupação quanto a uma eventual inflação agrícola, desde que o clima não atrapalhe. Tenho, entretanto, alguma preocupação com a inflação em 2008 por outras razões, que coloco a seguir.
Em primeiro lugar, a demanda interna está crescendo a taxas muito elevadas; as vendas ao varejo (que são apenas parte da demanda agregada) até julho estão crescendo 9,7% no ano e 8,7% em doze meses. Embora as importações estejam crescendo muito rapidamente, a produção destinada ao mercado interno também. É perceptível, nestas condições, uma recuperação cada vez mais generalizada de margens nas cadeias produtivas, como na automobilística e na construção civil (o INCC cresceu 4,62% no ano e a mão de obra 5,33%). Mesmo que as importações venham a crescer mais, isto leva tempo e ainda assim restará a questão dos não-comercializáveis. Com a alta do petróleo, os óleos combustíveis cresceram, até setembro 21,8%, a nafta 27%, o querosene 9,3% e o GNV 7,1%. A cadeia do plástico e os custos de energia serão pressionados. Finalmente, projetamos preços administrados maiores no ano que vem, da ordem de 3,8%.
Em conclusão, a inflação está em leve aceleração e deve ser maior no IPCA no ano que vem, algo como 4.3%. A inflação brasileira, ainda que baixa, não é mais sempre decrescente (José Roberto Mendonça de Barros é economista da MB Associados; Valor, 18/10/07
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