segunda-feira, outubro 15, 2007

Entrevista com Roberto Rodrigues no Terra Magazine

Em entrevista publicado no Terra Magazine, o ex-ministro da Agricultura e grande defensor dos biocombustíveis fala com os biocombustíveis podem ajudar a mudar o mundo e sobre o cenário atual da bioenergia no Brasil e Mundo

Biocombustíveis vão mudar o mundo, diz ex-ministro

15 de outubro de 2007, 08h58

Daniel Bramatti

O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues fala do etanol como militante. Para ele, os biocombustíveis vão "mudar o mundo". "Quero mudar a civilização, sair da dependência de um produto fóssil, finito e mal distribuído para um produto renovável, ambientalmente mais correto e que qualquer um pode fazer."

Produtor de cana desde os anos 70, Rodrigues vê o desenvolvimento da agroenergia como uma forma de chacoalhar a geopolítica do planeta, criando "um fluxo de recursos de cima para baixo e um fluxo de combustíveis de baixo para cima".

Para o ex-ministro, os Estados Unidos vão desenvolver seu setor de álcool combustível "custe o que custar", em nome da segurança energética, apesar das limitações do etanol feito a partir do milho. Por causa dessa ênfase na produção interna norte-americana, ele vê na Ásia o mercado mais promissor para as exportações brasileiras.

Presidente do Conselho Superior de Agronegócios da Fiesp e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, Rodrigues ajudou a criar recentemente o primeiro curso de mestrado em agroenergia.

Em entrevista a Terra Magazine, o ex-ministro falou sobre questões ambientais, tecnologia, eliminação do corte manual da cana e risco de desnacionalização da produção de etanol. Leia a seguir:

Recentemente, o jornal The New York Times relatou uma série de problemas no programa de etanol dos Estados Unidos, como excesso de produção, altos custos, baixa eficiência do milho como matéria prima e gargalos de logística. É um programa viável?

Quando terminou a segunda guerra mundial, a Europa tomou a decisão de montar uma política agrícola comunitária, a partir do que eles chamavam de segurança alimentar, com o conceito estratégico de nunca mais haver fome no continente, custasse o que custasse. E daí surgiu a Comunidade Econômica Européia. E até hoje 34% do PIB agrícola europeu é subsídio. Hoje, os países do mundo estão olhando a energia como a questão estratégica central. Não é mais a segurança alimentar a questão essencial, é a segurança energética. De novo, a coisa do custe o que custar faz parte do processo.

Se você pergunta se o projeto americano é sustentável, do ponto de vista meramente econômico, não é. Mas, do ponto de vista político, é. Não há como produzir energia, a curto prazo, que não venha da biomassa. Os Estados Unidos não têm um projeto com a premissa de produzir 100% do etanol que vão consumir. Em 2017, eles vão consumir 100 bilhões de litros, e hoje eles produzem 20 bilhões. Não vão produzir 100 milhões de litros com milho. O milho é uma etapa do processo, que vai evoluir para outras alternativas.

Com o protecionismo nos Estados Unidos, o melhor mercado para o Brasil é o Japão?

Sempre defendi a tese de que o grande mercado é a Ásia, não só o Japão. Lá há países com elevado grau de poluição e sem alternativas de produção, e que importam 100% do petróleo que consomem. Eles precisam de alternativas, e o biocombustível representa uma oportunidade no curto prazo.

O problema é que nenhum país quer ficar dependente de um único fornecedor. Todo nosso empenho hoje é trabalhar parcerias para produzir etanol no Caribe, na África, na Tailândia, no Vietnã. A criação de um mercado depende da existência de mais países produzindo e de legislações nacionais que tornem o uso do etanol obrigatório.

Na expectativa da expansão do mercado, os investimentos no Brasil deram um salto. Existe risco de excesso de oferta, baixa de preços e quebradeira?

Baixa de preços já aconteceu neste ano. Mas o mercado vai se ajustando. Nos Estados Unidos, o preço do milho ficou remunerador, e já estão plantando 15% a mais. Resultado, o preço caiu. Aqui no Brasil, a oferta de cana subiu 7%. Como não tem mercado para os 7% a mais, o preço caiu 35%. E gente pode sair do mercado, sim. Gente que vinha em busca de um resultado imediato muito grande passa a refazer as contas. Teremos um período de dois ou três anos de ajuste interno.

Há quem veja risco de desnacionalização do setor. Existe isso?

Não acho que seja um problema, por enquanto, mas é preciso ficar atento. Tenho defendido a tese de que temos de aproveitar essa oportunidade que o etanol oferece no Brasil e fazer um modelo de produção desconcentrador de renda.

Depois que o IAA Instituto do Açúcar e do Álcool foi extinto pelo Collor, em 1990, o setor foi se concentrando muito. Eu tenho defendido o seguinte: a indústria para o industrial, a terra para o agricultor. A terra não pode ser propriedade do investidor.

No lado oposto de quem fala em desnacionalização estão os que temem o poder excessivo da Petrobras no setor. Como o senhor vê o papel da estatal?

A Petrobras pode ser um agente importante para criar mercados em outros países. Mas não faz sentido uma legislação que se anuncia aí à boca pequena, de que a Petrobras ou a própria ANP seriam reguladoras do sistema, o que seria uma volta ao modelo de intervenção do Estado.

O que eu defendo é a criação de uma secretaria nacional de agroenergia. É preciso que a gente defina com clareza quanto álcool queremos produzir, quem vai cuidar de logística, estocagem, tecnologia, financiamento, recursos humanos, zoneamento agrícola, questões sociais, questões ambientais... São problemas que estão distribuídos por 11 ministérios, sem contar Embrapa, Petrobras, ANP, ANA, universidades...

E qual a receptividade à sua proposta no governo?

É dúbia. As pessoas entendem a mensagem e pensam nisso. Por outro lado, há quem não queira a criação de mais um ministério, há quem não queira perder o poder que tem.

Como o senhor vê o impacto dos biocombustíveis a longo prazo?

Temos uma chance de ajudar a mudar o mundo. Vejo os biocombustíveis como uma mudança da economia agrícola mundial. Isso muda a geopolítica. Onde vai se produzir cana-de-açúcar e biomassa? Nos países tropicais, América Latina, Ásia e África. E o consumo está ao norte. Então há um fluxo de recursos de cima para baixo e um fluxo de combustíveis de baixo para cima. Cria-se uma nova geopolítica mundial. É uma imensa responsabilidade para o único país que domina a tecnologia, que somos nós.

Não quero vender álcool, quero vender usina de álcool, carro flexível. Quero mudar a civilização, sair da dependência de um produto fóssil, finito e mal distribuído para um produto renovável, ambientalmente mais correto e que qualquer um pode fazer. Isso muda o mundo! Tenho pena de ter 65 anos de idade, queria estar começando agora...

Há uma polêmica sobre a possível produção de cana na Amazônia. O senhor é a favor?

Não sou a favor nem contra, mas acho que não precisa. Não acho que alguém vai derrubar árvore para plantar cana se há tanta terra melhor com mais condições de logística. A cana tem é de ocupar terras de pastagens. Nossa produtividade de carne por hectare está dobrando a cada dez anos. Já é visível que hoje há sobra de pasto.

Também há muito pasto degradado, onde pode entrar um cultivo muito mais rentável, como o da cana. E quando a cana entra em área de pasto, ela induz à produção de alimentos. É uma gramínea que permite a rotação com outras culturas. A cana não apenas não compete com os grãos como favorece o aumento da produção de grãos. Então não precisa ir para a Amazônia.

Outra questão polêmica é a social. Neste ano houve novos registros de mortes por exaustão. O senhor acha que as usinas estão fazendo tudo o que podem para melhorar as condições de trabalho?

É preciso ter cuidado com as generalizações. Não sei. As que eu conheço em São Paulo estão fazendo tudo o que podem. Mas vejo pela imprensa que nem todas estão. Aqui em São Paulo eu vejo duas correntes. Uma que defende a tese de que o trabalho no corte de cana é sub-humano. Há 500 anos se corta cana a mão no Brasil e isso nunca foi sub-humano, mas agora virou, porque certas coisas acabam radicalizando de um lado ou de outro. Então querem acabar com isso e promover a mecanização do corte. E tem gente, inclusive sindicatos de trabalhadores rurais, que são contra, porque isso gera desemprego no campo.

Acho que as duas correntes têm razões. O corte de cana é um trabalho bruto, não sub-humano. Sub-humano é o desemprego. Acho que deveríamos caminhar para a eliminação do corte, mas num processo. Fiz uma proposta aqui em São Paulo de eliminar aos poucos. Pelo menos 400 mil hectares plantados com cana não são mecanizáveis, por serem áreas muito inclinadas. Então aí poderíamos aí plantar fores, frutas, seringueiras, madeira. É preciso treinar paulatinamente a mão de obra da cana para trabalhar em outras áreas. Eliminar o corte manual sem provocar crise social.

Terra Magazine

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