A entrada de várias empresas de capital internacional no setor canavieiro tem chamado muito a atenção dos players do setor, um setor tradicionalmente nacional com grandes grupos familiares.
Visando compreender melhor este movimento, encontrei no site do IDEA (www.ideaonline.com.br) o artigo abaixo que também foi publicado em sua revista IDEA News no mes de junho:
A cana fez o mundo "redescobrir" o Brasil
Diana Nascimento
O setor sucroalcooleiro nacional tem atraído a atenção de muita gente, até mesmo de grupos estrangeiros. Eles vêem, estudam possibilidades de negócios, organizam missões. Os grupos e investidores estrangeiros estão assumindo participação crescente no setor. Aliás, este processo caminha a passos largos. A cana processada pertencente aos grupos de fora cresceu 36% da safra 2005/2006 para a safra 2006/2007, subindo de 6,75% do total de matéria-prima moída na safra retrasada para 9,21% na safra passada, segundo dados do IDEA. E a tendência é continuar crescendo essa participação. Segundo o IDEA, o principal grupo estrangeiro no país é o francês Tereos, responsável por 2,53% da produção brasileira.
Depois de adquirir as usinas do Grupo Tavares de Melo, o Coinbra-Dreyfus assumiu o segundo posto neste ranking. Na previsão feita pelo IDEA, em 2010 a participação dos grupos e investidores estrangeiros deverá estar na casa dos 16%, fruto da bolha de investimentos em que se tornou o setor de biocombustíveis no planeta. No atual andar da carruagem, uma previsão até conservadora. O atraente custo de produção do açúcar brasileiro e, sobretudo, do álcool são o principal motivo. Já em 2005 o mercado brasileiro de etanol movimentava US$ 6 bilhões e alguns estimam que esse montante atinja US$ 15 bilhões em 2010. É possível citar alguns investimentos de grupos ao longo de 2006:
- O investidor húngaro George Soros, através da empresa Adeco, fechou, em fevereiro de 2006, a compra da usina Monte Alegre, em Minas Gerais. Em junho do mesmo ano, a norte-americana Cargillmaior produtora de alimentos do mundo, comprou63% de uma usina de álcool (a Cevasa) no interiorde São Paulo.
- A multinacional com ações negociadas na bolsa de Londres, Infinity Bio-Energy, que já operava em usinas de álcool e açúcar, com o valor de US$ 200 milhões, anunciou em outubro a aplicação de US$ 500 milhões em mais cinco usinas, sendo três novas e duas aquisições, até o fim de 2007.
O tamanho interesse em investir no setor sucroalcooleiro nacional tem um explicação. Segundo Alexandre Strapasson, coordenador-geral do Açúcar e Álcool do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o álcool tem se mostrado um produto estratégico no âmbito mundial. “O preço e a disponibilidade do petróleo e a questão ambiental fazem com que diversos países vejam no álcool uma alternativa viável para a substituição de combustíveis fósseis líquidos em curto e médio prazo. Como o Brasil tem o menor custo de produção do álcool, indústria de equipamentos avançada, experiência, terras disponíveis, clima adequado e outras condições favoráveis para a expansão sucroalcooleira, é natural que esse mercado desperte o interesse de investidores nacionais e estrangeiros”, afirma.
O administrador e Mestre pela FGV (Faculdade Getúlio Vargas), Carlos Stempniewski, complementa dizendo que a elevação contínua do preço do petróleo obriga a olhar-se com atenção para o álcool como alternativa econômica mais barata. Sobretudo para se manter a frota automobilística em circulação. “O Brasil é o país pioneiro no desenvolvimento desta tecnologia energética, se aproveitando das condições territoriais suficientes para o plantio de até três safras anuais. Terras com qualidade, planas, ensolaradas a maior parte do tempo, água abundante e desenvolvimento genético de mudas tropicalizadas acabam traduzindo-se em elevada produtividade por hectare e um retorno seguro aos investidores que se sentem seduzidos a colocar seus capitais nesta atividade econômica”, assegura.
A produção do álcool está diretamente ligada à de açúcar e o Brasil é responsável por 40% das exportações mundiais de açúcar. Adicionalmente, com a demanda crescente de açúcar no mundo, o fato do Brasil ser o país com o menor custo de produção por conta de diversos fatores, entre eles o clima adequado, que é um diferencial praticamente exclusivo, pois independe de investimento ou vontade política, se torna uma inexorável vantagem competitiva. “Aqui é o melhor lugar para se investir na produção de álcool e açúcar, produtos cuja demanda crescente é evidente”, diz Marcelo Junqueira, diretor da Clean Energy Brazil (CEB). Para Luiz Eduardo Costa, sócio da Brasilpar, as empresas de investimento estrangeiro e os fundos de investimento estão interessados no Brasil por dois motivos: grande volume de liquidez internacional e preocupação com o meio ambiente e o aquecimento global.
“As empresas de capital estrangeiro que estão investindo no setor sucroalcooleiro buscam investimentos que dão bom retorno e por isso mesmo há uma tendência em fundos especializados. Há um volume muito grande de recursos disponíveis para esses investimentos”, admite. Costa conta que em 2006 foram levantados US$ 300 bilhões de fundos de investimentos estrangeiros e que há uma tendência em investir em vários segmentos e áreas. O Brasil seria um destino certo. “Ainda acho que os investimentos são pequenos”, analisa. A garantia de fornecimento do produto para si próprio explica o interesse no álcool brasileiro, na visão de José Ricardo Severo, assessor técnico da CNA. “Muitos países têm insegurança em relação ao petróleo e vêem o álcool como um combustível renovável.
O único fornecedor é o Brasil , o que também gera insegurança, pois nosso consumo está aumentando e nossas exportações de álcool são Spot, não trabalhamos com contratos futuros. Com uma empresa deles aqui, eles garantem sua parte”, explica o assessor. É difícil precisar o número exato de empresas estrangeiras ou fundos de investimento estrangeiro que estão investindo no setor sucroalcooleiro nacional. Junqueira explica que são empresas de capital aberto e limitadas que não necessariamente têm o compromisso de tornarem públicas suas intenções ou ações. “Por conta disso torna-se difícil mensurar, não havendo nenhuma estatística sobre o número de empresas deste tipo em operação”, ressalva.
Sabe-se, no entanto, que existem empresas francesas com efetivas parcerias com grupos brasileiros, além de outras parcerias em curso com outros países, como EUA, Inglaterra, Alemanha e Japão. “Há muita especulação na imprensa, o setor ainda é majoritariamente dominado por empresas brasileiras, mas a tendência é que os investimentos internacionais cresçam gradualmente nos próximos anos. De nossa parte, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não se envolve nas operações comerciais do setor, mas tem procurado estreitar laços com outros países nesse segmento”, acena Strapasson.
Como fundos formados e já consolidados, pode-se apontar a Infinity e a Clean Energy, lembrando que ainda há outros em discussão. “Atualmente há oito fundos interessados em investir no Brasil, mas ainda estão em processo de formação e levantamento de recursos”, informa Costa. Eduardo Corrêa, gerente comercial da Equivav, lembra que os acionistas do Grupo Cosan são exemplos de investidores estrangeiros no Brasil. Para fazer parte desse setor, os grupos estrangeiros, de forma geral, se associam de alguma maneira a grupos ou usinas brasileiras, normalmente por meio de participação societária ou joint ventures. “Recomendamos aos grupos que têm nos procurado a fazer parcerias com empresas brasileiras, ao invés de investir isoladamente. A falta de tradição nesse setor é um risco relevante para as empresas externas”, salienta Strapasson.
É importante ressaltar que existem diversos modelos de investimentos estrangeiros, desde fundos criados especificamente para investir nesse setor, até empresas privadas de grande porte ou investidores independentes que atuam no setor, visando diluição de risco. A atuação de cada uma depende do modelo de negócios. No caso da Clean Energy, um diferencial é que existe uma empresa – a Temple Capital Partners - que tem como objetivo gerir o capital e os investimentos da CEB, tendo no pano de fundo uma equipe de aproximadamente 150 especialistas com experiência no mercado sucroalcooleiro. Para Severo, o governo deveria acompanhar as negociações dessas empresas e essa mudança de cenário industrial. “Estamos num mundo globalizado e o capital estrangeiro é bom, mas deveria ser acompanhado pelo Cade ou pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Estamos numa terceira onda do setor e isso é estratégico para o país”, define.
Recursos
Algumas empresas lançam ações em Londres para levantar recursos para investir em álcool no Brasil, mas vale lembrar que a participação de estrangeiros no setor já existe há algum tempo por causa do açúcar. Isso é um reflexo da globalização da economia e da liberalização do mercado, ocorrida a partir de 1990, com a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Contudo, no momento, a participação estrangeira ainda é pouco expressiva no setor sucroalcooleiro, como observa Strapasson. Por outro lado, não há qualquer óbice legal quanto a limites para investimentos estrangeiros, ou seja, as regras brasileiras não discriminam o investidor. “A atual dinâmica de investimentos, propiciada pelo ambiente de livre mercado, tem se mostrado uma condição importante para a manutenção da expansão sustentável do setor como um todo. Ganham as empresas, ganha o meio ambiente, com a expansão de fontes renováveis de energia, e ganha o país, com a geração de emprego e renda para a sociedade brasileira”, descreve Strapasson.
O administrador Stempniewski explica que o capital das empresas de uma maneira geral é internacional. “A questão de utilizar-se de Londres deve-se ao fato que os maiores investidores neste setor são franceses, holandeses, suíços, alemães, japoneses e australianos e nada mais natural que busquem em seus paises de origem as poupanças necessárias para este tipo de empreendimento. Naturalmente, para o país, o aporte deste capital é muito interessante, caso contrário não teria poupança nacional/ investidores locais suficientes para alavancar este processo. A opção de criar uma “ALCOOLBRAS” seria desastroso para os contribuintes brasileiros, atualmente submetidos a uma carga tributária de quase 50% do PIB”, comenta. Muitas usinas que apostam no momento e pensam em sua expansão têm a necessidade de capital para financiar estes projetos e também existem projetos que precisam de financiamento para sair do papel.
“O capital estrangeiro é um dinheiro barato para os empreendedores brasileiros, que encontram outra opção além do endividamento e pelo menos no caso da CEB, o aporte de capital vem acompanhado de consultoria de gestão, melhores práticas, além de todo o suporte necessário não só para produção, como para logística e comercialização. Esse é um dos diferenciais da CEB: atuar não só promovendo o aporte, mas envolvendo-se no negócio de modo a garantir o sucesso ou a maior eficiência”, ressalta Junqueira. A vinda de recursos estrangeiros é bom para o setor porque faz com que aumente o conhecimento sobre esse setor e fortalece o mercado. “Também ajuda o álcool a se transformar em commodity. Acho que os investimentos não devem ter limite porque há grandes empresas brasileiras que são competitivas”, defende Costa.
Ao falar sobre o assunto, Corrêa é taxativo. “Não adianta discutir se é bom ou ruim, isso é um fato. Estamos em um nível de investimento no Brasil e o setor sucroalcooleiro é o alvo. Cada produtor deve avaliar o que pode tirar de proveito: se capital mais barato ou investir na expansão dos negócios. Com a ajuda desse capital será mais rápida a expansão. Isso deu ‘gás’ para o setor”, detalha, ao dizer ainda que os investimentos estrangeiros também serão concentrados em logística. “Os fundos de investimento e as tradings investirão mais em logística do que em produção. Já os produtores estrangeiros investirão em produção”, acredita. Stempniewski observa que o país está em uma economia globalizada. Além disso, perdeu sua capacidade de formação de poupança, atualmente cerca de 20% do PIB, quando deveria ser de no mínimo 25%. O dilema é simples: “É crescer e participar do mercado internacional, trazendo divisas para o país, ou estagnar e ficar olhando o resto do mundo crescer nesta área. Não existe espaço para abordagens políticas ideológicas neste contexto”, salienta.
Investimentos
Para a safra 2007/08, a CEB tem cerca de US$ 200 milhões para investir e é provável que a totalidade dessa receita seja empregada nesse período, visto que a empresa está fechando um aporte de cerca de US$ 137 milhões e existem dois outros projetos sendo avaliados. Mesmo sem as estimativas de terceiros, Junqueira acredita que, no total, os investimentos dessas empresas estrangeiras e de fundos de investimento devem romper a barreira dos US$ 500 milhões. Costa afirma que o montante de investimentos irá variar em função das aquisições, dos planos de expansão e das novas unidades. “Estão previstas 80 novas unidades, que entrarão em operação nas próximas safras. Se 20% dessas unidades começarem esse ano, acredito que poderemos ter cifras acima de US$ 500 milhões, podendo chegar a US$ 1 bilhão, mas é difícil quantificar isso”, salienta. Na opinião de Corrêa, cerca de US$ 500 milhões serão aplicados no setor para compras e aquisições nos próximos dois anos.
Diante desses investimentos, pode-se alcançar níveis de desenvolvimento tecnológico mais altos, permitindo redução de custos. Apesar do setor já estar em um patamar de desenvolvimento bastante alto, há potenciais tecnologias que poderão reduzir ainda mais os custos de produção, tais como: a biotecnologia, tanto voltada ao melhoramento genético da cana quanto ao de leveduras; melhores práticas de manejo; e a produção de álcool, através de hidrólise lignocelulósica, via enzimática ou ácida, tendo como matéria-prima o bagaço ou até mesmo a palha da cana. A despeito de alguns grupos possuírem altos índices de produtividade, ainda há espaço para melhorar os números de produtividade média nas regiões do país com as próprias tecnologias atuais, especialmente na Região Nordeste, visto que nos últimos anos todos os principais índices de rendimento têm aumentado.
Concorrência
Por enquanto, os grupos nacionais são predominantes no setor e estão se expandindo, mas a competição é inevitável. Como os investimentos estrangeiros são feitos normalmente em parceria com grupos brasileiros, espera-se uma expansão equilibrada do setor. “Todavia, a livre concorrência é uma ferramenta importante para o amadurecimento desse tipo de mercado”, acredita Strapasson. Junqueira, por sua vez, não vê concorrência entre grupos nacionais e estrangeiros. Ele explica que existem mais de 100 usinas sendo construídas atualmente, o que significa no mínimo 437 usinas em operação em 2010. “Há bastante espaço para investimento e existe um movimento de consolidação do setor, com a fusão de algumas empresas em busca de maior escala.
Mas vale lembrar que, por muitas vezes, os investimentos destas empresas estrangeiras é em parceria com empresas nacionais na forma de joint ventures, o que vem adicionar e não dividir”, descreve. Para Severo, o mercado de álcool é pleno e não se sabe qual é o seu teto. “Não sabemos se haverá concorrência ou não. Temos estoque de álcool suficiente e com sobra. Nossas exportações somaram 3,4 bilhões de litros em 2006. Países potenciais estão entrando no mercado e se a China entrar, vai acabar com todo nosso álcool. Falar sobre o limite desse mercado é uma bola de cristal com nuvem”, brinca.
Aumento de oferta
Na opinião de Strapasson, é pouco provável que o crescimento do setor venha saturar em curto prazo, pois o ritmo de expansão está muito intenso e a demanda está firme, sem tendência de reversão desse quadro no momento. Por outro lado, o coordenador diz que há preocupação com expansão demasiada em algumas áreas, gerando uma excessiva monocultura de cana, o que não é adequado do ponto de vista agronômico e ambiental. “Temos buscado estimular o surgimento de novos pólos de produção, como o sul do Maranhão, o Piauí e o norte do Tocantins, bem como a promoção de melhores condições de trabalho aos cortadores de cana. Para se promover o desenvolvimento sustentável do setor, é preciso atentar não somente para a dimensão econômica, mas também para os aspectos sócio-ambientais”, defende.
Sérgio Thompson-Flores, presidente do Grupo Infinity Bio-Energy, tem a mesma opinião. Segundo ele, a participação de grupos estrangeiros neste setor, como em outros segmentos da economia nacional, é importante à medida que gera riquezas e promove desenvolvimento. “Conforme eles investem no país, vão gerar divisas na balança nacional”, diz. Mas ele destaca que esse interesse pelo Brasil deve-se ao fato de o país ser propício para a produção sucroalcooleira, pois tem água, clima, disponibilidade de solo e conhecimento acumulado para o desenvolvimento dessa atividade. “O país tem que aproveitar essa vantagem comparativa, mas, além da geração de divisas, tem de haver o uso eficiente e responsável dos recursos, como terra e água”, salienta.
Ritmo intenso
2007 começou com um relatório divulgado pelo Banco Central do Brasil, que mostrava que o total de investimentos feitos por estrangeiros em álcool combustível no país cresceu 3.150% em 2006. Daí a razão da expansão significativa da participação internacional nesse segmento. Mas como ocorreu durante a safra 2006/2007, o primeiro semestre deste ano também foi movimentado em termos de investimentos de fora. As notícias dessa efervescência são as mais variadas: “Aportes estrangeiros em terras brasileiras” – Valor Econômico; “Agroenergia atrai US$ 1 bilhão de estrangeiros” – Gazeta Mercantil; “Mais estrangeiros fazem usinas em Goiás” – Valor Econômico; “Capital externo amplia investimentos em álcool” – Jornal Bom Dia; “Americanos vão ampliar aportes em álcool no país” – Valor Econômico; “Grupo de alemães quer investir R$ 600 milhões” – Diário da Manhã; “Estrangeiros invadem setor sucroalcooleiro” – Correio do Estado.
E o ritmo continua intenso. São cada vez mais comuns as visitas de delegações estrangeiras a usinas brasileiras, e das mais diversas nacionalidades. São grupos do Japão, da Itália, da Alemanha, da Índia, da França, da Letônia, da Nigéria, da Inglaterra, da China etc. Também são comuns os anúncios de corporações multinacionais e grupos empresariais dispostos a investir na agroindústria canavieira no Brasil. Exemplos são a Bunge, a japonesa Mitsubishi, a japonesa Marubeni Corporation, a holandesa Agrenco, a inglesa British Petroleum, a kwaitiana International Commercial Center, entre muitos outros. Diante da febre internacional pelos biocombustíveis, as vantagens competitivas e a expertise brasileira na área têm enchido os olhos de muitos executivos pelo mundo afora e, embora muitos namoros não se concretizem, a tendência é o país continuar atraindo por um bom tempo o apetite de quem quer investir em combustíveis limpos e renováveis.
Visando compreender melhor este movimento, encontrei no site do IDEA (www.ideaonline.com.br) o artigo abaixo que também foi publicado em sua revista IDEA News no mes de junho:
A cana fez o mundo "redescobrir" o Brasil
Diana Nascimento
O setor sucroalcooleiro nacional tem atraído a atenção de muita gente, até mesmo de grupos estrangeiros. Eles vêem, estudam possibilidades de negócios, organizam missões. Os grupos e investidores estrangeiros estão assumindo participação crescente no setor. Aliás, este processo caminha a passos largos. A cana processada pertencente aos grupos de fora cresceu 36% da safra 2005/2006 para a safra 2006/2007, subindo de 6,75% do total de matéria-prima moída na safra retrasada para 9,21% na safra passada, segundo dados do IDEA. E a tendência é continuar crescendo essa participação. Segundo o IDEA, o principal grupo estrangeiro no país é o francês Tereos, responsável por 2,53% da produção brasileira.
Depois de adquirir as usinas do Grupo Tavares de Melo, o Coinbra-Dreyfus assumiu o segundo posto neste ranking. Na previsão feita pelo IDEA, em 2010 a participação dos grupos e investidores estrangeiros deverá estar na casa dos 16%, fruto da bolha de investimentos em que se tornou o setor de biocombustíveis no planeta. No atual andar da carruagem, uma previsão até conservadora. O atraente custo de produção do açúcar brasileiro e, sobretudo, do álcool são o principal motivo. Já em 2005 o mercado brasileiro de etanol movimentava US$ 6 bilhões e alguns estimam que esse montante atinja US$ 15 bilhões em 2010. É possível citar alguns investimentos de grupos ao longo de 2006:
- O investidor húngaro George Soros, através da empresa Adeco, fechou, em fevereiro de 2006, a compra da usina Monte Alegre, em Minas Gerais. Em junho do mesmo ano, a norte-americana Cargillmaior produtora de alimentos do mundo, comprou63% de uma usina de álcool (a Cevasa) no interiorde São Paulo.
- A multinacional com ações negociadas na bolsa de Londres, Infinity Bio-Energy, que já operava em usinas de álcool e açúcar, com o valor de US$ 200 milhões, anunciou em outubro a aplicação de US$ 500 milhões em mais cinco usinas, sendo três novas e duas aquisições, até o fim de 2007.
O tamanho interesse em investir no setor sucroalcooleiro nacional tem um explicação. Segundo Alexandre Strapasson, coordenador-geral do Açúcar e Álcool do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o álcool tem se mostrado um produto estratégico no âmbito mundial. “O preço e a disponibilidade do petróleo e a questão ambiental fazem com que diversos países vejam no álcool uma alternativa viável para a substituição de combustíveis fósseis líquidos em curto e médio prazo. Como o Brasil tem o menor custo de produção do álcool, indústria de equipamentos avançada, experiência, terras disponíveis, clima adequado e outras condições favoráveis para a expansão sucroalcooleira, é natural que esse mercado desperte o interesse de investidores nacionais e estrangeiros”, afirma.
O administrador e Mestre pela FGV (Faculdade Getúlio Vargas), Carlos Stempniewski, complementa dizendo que a elevação contínua do preço do petróleo obriga a olhar-se com atenção para o álcool como alternativa econômica mais barata. Sobretudo para se manter a frota automobilística em circulação. “O Brasil é o país pioneiro no desenvolvimento desta tecnologia energética, se aproveitando das condições territoriais suficientes para o plantio de até três safras anuais. Terras com qualidade, planas, ensolaradas a maior parte do tempo, água abundante e desenvolvimento genético de mudas tropicalizadas acabam traduzindo-se em elevada produtividade por hectare e um retorno seguro aos investidores que se sentem seduzidos a colocar seus capitais nesta atividade econômica”, assegura.
A produção do álcool está diretamente ligada à de açúcar e o Brasil é responsável por 40% das exportações mundiais de açúcar. Adicionalmente, com a demanda crescente de açúcar no mundo, o fato do Brasil ser o país com o menor custo de produção por conta de diversos fatores, entre eles o clima adequado, que é um diferencial praticamente exclusivo, pois independe de investimento ou vontade política, se torna uma inexorável vantagem competitiva. “Aqui é o melhor lugar para se investir na produção de álcool e açúcar, produtos cuja demanda crescente é evidente”, diz Marcelo Junqueira, diretor da Clean Energy Brazil (CEB). Para Luiz Eduardo Costa, sócio da Brasilpar, as empresas de investimento estrangeiro e os fundos de investimento estão interessados no Brasil por dois motivos: grande volume de liquidez internacional e preocupação com o meio ambiente e o aquecimento global.
“As empresas de capital estrangeiro que estão investindo no setor sucroalcooleiro buscam investimentos que dão bom retorno e por isso mesmo há uma tendência em fundos especializados. Há um volume muito grande de recursos disponíveis para esses investimentos”, admite. Costa conta que em 2006 foram levantados US$ 300 bilhões de fundos de investimentos estrangeiros e que há uma tendência em investir em vários segmentos e áreas. O Brasil seria um destino certo. “Ainda acho que os investimentos são pequenos”, analisa. A garantia de fornecimento do produto para si próprio explica o interesse no álcool brasileiro, na visão de José Ricardo Severo, assessor técnico da CNA. “Muitos países têm insegurança em relação ao petróleo e vêem o álcool como um combustível renovável.
O único fornecedor é o Brasil , o que também gera insegurança, pois nosso consumo está aumentando e nossas exportações de álcool são Spot, não trabalhamos com contratos futuros. Com uma empresa deles aqui, eles garantem sua parte”, explica o assessor. É difícil precisar o número exato de empresas estrangeiras ou fundos de investimento estrangeiro que estão investindo no setor sucroalcooleiro nacional. Junqueira explica que são empresas de capital aberto e limitadas que não necessariamente têm o compromisso de tornarem públicas suas intenções ou ações. “Por conta disso torna-se difícil mensurar, não havendo nenhuma estatística sobre o número de empresas deste tipo em operação”, ressalva.
Sabe-se, no entanto, que existem empresas francesas com efetivas parcerias com grupos brasileiros, além de outras parcerias em curso com outros países, como EUA, Inglaterra, Alemanha e Japão. “Há muita especulação na imprensa, o setor ainda é majoritariamente dominado por empresas brasileiras, mas a tendência é que os investimentos internacionais cresçam gradualmente nos próximos anos. De nossa parte, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não se envolve nas operações comerciais do setor, mas tem procurado estreitar laços com outros países nesse segmento”, acena Strapasson.
Como fundos formados e já consolidados, pode-se apontar a Infinity e a Clean Energy, lembrando que ainda há outros em discussão. “Atualmente há oito fundos interessados em investir no Brasil, mas ainda estão em processo de formação e levantamento de recursos”, informa Costa. Eduardo Corrêa, gerente comercial da Equivav, lembra que os acionistas do Grupo Cosan são exemplos de investidores estrangeiros no Brasil. Para fazer parte desse setor, os grupos estrangeiros, de forma geral, se associam de alguma maneira a grupos ou usinas brasileiras, normalmente por meio de participação societária ou joint ventures. “Recomendamos aos grupos que têm nos procurado a fazer parcerias com empresas brasileiras, ao invés de investir isoladamente. A falta de tradição nesse setor é um risco relevante para as empresas externas”, salienta Strapasson.
É importante ressaltar que existem diversos modelos de investimentos estrangeiros, desde fundos criados especificamente para investir nesse setor, até empresas privadas de grande porte ou investidores independentes que atuam no setor, visando diluição de risco. A atuação de cada uma depende do modelo de negócios. No caso da Clean Energy, um diferencial é que existe uma empresa – a Temple Capital Partners - que tem como objetivo gerir o capital e os investimentos da CEB, tendo no pano de fundo uma equipe de aproximadamente 150 especialistas com experiência no mercado sucroalcooleiro. Para Severo, o governo deveria acompanhar as negociações dessas empresas e essa mudança de cenário industrial. “Estamos num mundo globalizado e o capital estrangeiro é bom, mas deveria ser acompanhado pelo Cade ou pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Estamos numa terceira onda do setor e isso é estratégico para o país”, define.
Recursos
Algumas empresas lançam ações em Londres para levantar recursos para investir em álcool no Brasil, mas vale lembrar que a participação de estrangeiros no setor já existe há algum tempo por causa do açúcar. Isso é um reflexo da globalização da economia e da liberalização do mercado, ocorrida a partir de 1990, com a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Contudo, no momento, a participação estrangeira ainda é pouco expressiva no setor sucroalcooleiro, como observa Strapasson. Por outro lado, não há qualquer óbice legal quanto a limites para investimentos estrangeiros, ou seja, as regras brasileiras não discriminam o investidor. “A atual dinâmica de investimentos, propiciada pelo ambiente de livre mercado, tem se mostrado uma condição importante para a manutenção da expansão sustentável do setor como um todo. Ganham as empresas, ganha o meio ambiente, com a expansão de fontes renováveis de energia, e ganha o país, com a geração de emprego e renda para a sociedade brasileira”, descreve Strapasson.
O administrador Stempniewski explica que o capital das empresas de uma maneira geral é internacional. “A questão de utilizar-se de Londres deve-se ao fato que os maiores investidores neste setor são franceses, holandeses, suíços, alemães, japoneses e australianos e nada mais natural que busquem em seus paises de origem as poupanças necessárias para este tipo de empreendimento. Naturalmente, para o país, o aporte deste capital é muito interessante, caso contrário não teria poupança nacional/ investidores locais suficientes para alavancar este processo. A opção de criar uma “ALCOOLBRAS” seria desastroso para os contribuintes brasileiros, atualmente submetidos a uma carga tributária de quase 50% do PIB”, comenta. Muitas usinas que apostam no momento e pensam em sua expansão têm a necessidade de capital para financiar estes projetos e também existem projetos que precisam de financiamento para sair do papel.
“O capital estrangeiro é um dinheiro barato para os empreendedores brasileiros, que encontram outra opção além do endividamento e pelo menos no caso da CEB, o aporte de capital vem acompanhado de consultoria de gestão, melhores práticas, além de todo o suporte necessário não só para produção, como para logística e comercialização. Esse é um dos diferenciais da CEB: atuar não só promovendo o aporte, mas envolvendo-se no negócio de modo a garantir o sucesso ou a maior eficiência”, ressalta Junqueira. A vinda de recursos estrangeiros é bom para o setor porque faz com que aumente o conhecimento sobre esse setor e fortalece o mercado. “Também ajuda o álcool a se transformar em commodity. Acho que os investimentos não devem ter limite porque há grandes empresas brasileiras que são competitivas”, defende Costa.
Ao falar sobre o assunto, Corrêa é taxativo. “Não adianta discutir se é bom ou ruim, isso é um fato. Estamos em um nível de investimento no Brasil e o setor sucroalcooleiro é o alvo. Cada produtor deve avaliar o que pode tirar de proveito: se capital mais barato ou investir na expansão dos negócios. Com a ajuda desse capital será mais rápida a expansão. Isso deu ‘gás’ para o setor”, detalha, ao dizer ainda que os investimentos estrangeiros também serão concentrados em logística. “Os fundos de investimento e as tradings investirão mais em logística do que em produção. Já os produtores estrangeiros investirão em produção”, acredita. Stempniewski observa que o país está em uma economia globalizada. Além disso, perdeu sua capacidade de formação de poupança, atualmente cerca de 20% do PIB, quando deveria ser de no mínimo 25%. O dilema é simples: “É crescer e participar do mercado internacional, trazendo divisas para o país, ou estagnar e ficar olhando o resto do mundo crescer nesta área. Não existe espaço para abordagens políticas ideológicas neste contexto”, salienta.
Investimentos
Para a safra 2007/08, a CEB tem cerca de US$ 200 milhões para investir e é provável que a totalidade dessa receita seja empregada nesse período, visto que a empresa está fechando um aporte de cerca de US$ 137 milhões e existem dois outros projetos sendo avaliados. Mesmo sem as estimativas de terceiros, Junqueira acredita que, no total, os investimentos dessas empresas estrangeiras e de fundos de investimento devem romper a barreira dos US$ 500 milhões. Costa afirma que o montante de investimentos irá variar em função das aquisições, dos planos de expansão e das novas unidades. “Estão previstas 80 novas unidades, que entrarão em operação nas próximas safras. Se 20% dessas unidades começarem esse ano, acredito que poderemos ter cifras acima de US$ 500 milhões, podendo chegar a US$ 1 bilhão, mas é difícil quantificar isso”, salienta. Na opinião de Corrêa, cerca de US$ 500 milhões serão aplicados no setor para compras e aquisições nos próximos dois anos.
Diante desses investimentos, pode-se alcançar níveis de desenvolvimento tecnológico mais altos, permitindo redução de custos. Apesar do setor já estar em um patamar de desenvolvimento bastante alto, há potenciais tecnologias que poderão reduzir ainda mais os custos de produção, tais como: a biotecnologia, tanto voltada ao melhoramento genético da cana quanto ao de leveduras; melhores práticas de manejo; e a produção de álcool, através de hidrólise lignocelulósica, via enzimática ou ácida, tendo como matéria-prima o bagaço ou até mesmo a palha da cana. A despeito de alguns grupos possuírem altos índices de produtividade, ainda há espaço para melhorar os números de produtividade média nas regiões do país com as próprias tecnologias atuais, especialmente na Região Nordeste, visto que nos últimos anos todos os principais índices de rendimento têm aumentado.
Concorrência
Por enquanto, os grupos nacionais são predominantes no setor e estão se expandindo, mas a competição é inevitável. Como os investimentos estrangeiros são feitos normalmente em parceria com grupos brasileiros, espera-se uma expansão equilibrada do setor. “Todavia, a livre concorrência é uma ferramenta importante para o amadurecimento desse tipo de mercado”, acredita Strapasson. Junqueira, por sua vez, não vê concorrência entre grupos nacionais e estrangeiros. Ele explica que existem mais de 100 usinas sendo construídas atualmente, o que significa no mínimo 437 usinas em operação em 2010. “Há bastante espaço para investimento e existe um movimento de consolidação do setor, com a fusão de algumas empresas em busca de maior escala.
Mas vale lembrar que, por muitas vezes, os investimentos destas empresas estrangeiras é em parceria com empresas nacionais na forma de joint ventures, o que vem adicionar e não dividir”, descreve. Para Severo, o mercado de álcool é pleno e não se sabe qual é o seu teto. “Não sabemos se haverá concorrência ou não. Temos estoque de álcool suficiente e com sobra. Nossas exportações somaram 3,4 bilhões de litros em 2006. Países potenciais estão entrando no mercado e se a China entrar, vai acabar com todo nosso álcool. Falar sobre o limite desse mercado é uma bola de cristal com nuvem”, brinca.
Aumento de oferta
Na opinião de Strapasson, é pouco provável que o crescimento do setor venha saturar em curto prazo, pois o ritmo de expansão está muito intenso e a demanda está firme, sem tendência de reversão desse quadro no momento. Por outro lado, o coordenador diz que há preocupação com expansão demasiada em algumas áreas, gerando uma excessiva monocultura de cana, o que não é adequado do ponto de vista agronômico e ambiental. “Temos buscado estimular o surgimento de novos pólos de produção, como o sul do Maranhão, o Piauí e o norte do Tocantins, bem como a promoção de melhores condições de trabalho aos cortadores de cana. Para se promover o desenvolvimento sustentável do setor, é preciso atentar não somente para a dimensão econômica, mas também para os aspectos sócio-ambientais”, defende.
Sérgio Thompson-Flores, presidente do Grupo Infinity Bio-Energy, tem a mesma opinião. Segundo ele, a participação de grupos estrangeiros neste setor, como em outros segmentos da economia nacional, é importante à medida que gera riquezas e promove desenvolvimento. “Conforme eles investem no país, vão gerar divisas na balança nacional”, diz. Mas ele destaca que esse interesse pelo Brasil deve-se ao fato de o país ser propício para a produção sucroalcooleira, pois tem água, clima, disponibilidade de solo e conhecimento acumulado para o desenvolvimento dessa atividade. “O país tem que aproveitar essa vantagem comparativa, mas, além da geração de divisas, tem de haver o uso eficiente e responsável dos recursos, como terra e água”, salienta.
Ritmo intenso
2007 começou com um relatório divulgado pelo Banco Central do Brasil, que mostrava que o total de investimentos feitos por estrangeiros em álcool combustível no país cresceu 3.150% em 2006. Daí a razão da expansão significativa da participação internacional nesse segmento. Mas como ocorreu durante a safra 2006/2007, o primeiro semestre deste ano também foi movimentado em termos de investimentos de fora. As notícias dessa efervescência são as mais variadas: “Aportes estrangeiros em terras brasileiras” – Valor Econômico; “Agroenergia atrai US$ 1 bilhão de estrangeiros” – Gazeta Mercantil; “Mais estrangeiros fazem usinas em Goiás” – Valor Econômico; “Capital externo amplia investimentos em álcool” – Jornal Bom Dia; “Americanos vão ampliar aportes em álcool no país” – Valor Econômico; “Grupo de alemães quer investir R$ 600 milhões” – Diário da Manhã; “Estrangeiros invadem setor sucroalcooleiro” – Correio do Estado.
E o ritmo continua intenso. São cada vez mais comuns as visitas de delegações estrangeiras a usinas brasileiras, e das mais diversas nacionalidades. São grupos do Japão, da Itália, da Alemanha, da Índia, da França, da Letônia, da Nigéria, da Inglaterra, da China etc. Também são comuns os anúncios de corporações multinacionais e grupos empresariais dispostos a investir na agroindústria canavieira no Brasil. Exemplos são a Bunge, a japonesa Mitsubishi, a japonesa Marubeni Corporation, a holandesa Agrenco, a inglesa British Petroleum, a kwaitiana International Commercial Center, entre muitos outros. Diante da febre internacional pelos biocombustíveis, as vantagens competitivas e a expertise brasileira na área têm enchido os olhos de muitos executivos pelo mundo afora e, embora muitos namoros não se concretizem, a tendência é o país continuar atraindo por um bom tempo o apetite de quem quer investir em combustíveis limpos e renováveis.
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