Muito interessante o artigo publicado por dois professores da Engenharia de Alimentos da Unicamp hoje no Valor Econômico. Eles exploram um pouco o surrado tema Alimentos x Energia com uma visão de processos industriais e biorefinaria. Voltarei em breve a falar sobre biorefinarias com um resumo de um artigo da McKinsey.
ALIMENTOS, COMBUSTÍVEIS RENOVÁVEIS E BIOPRODUTOS
Antonio J. A. Meirelles e Gláucia Pastore
Alguns analistas vêm alertando para os riscos que nossa economia corre de desindustrialização, de se especializar na geração de produtos primários ou, ainda, de contrair alguma versão tupiniquim da "doença holandesa". O vilão da história, não há como negar, é o real apreciado. Mas outros candidatos parecem dividir a culpa.
Em tempos de aquecimento global e de enorme interesse nos biocombustíveis, os êxitos da agroindústria nacional poderiam ameaçar o futuro do país: se nos transformarmos em um imenso mar de cana e soja, correríamos o risco de aprofundar os efeitos da apreciação cambial e consolidar a especialização em produtos de baixo conteúdo tecnológico.
É neste último aspecto da análise que pretendemos nos concentrar, pois ele padece de pelo menos duas deficiências relevantes. Em primeiro lugar, revela desconhecimento acerca do desenvolvimento tecnológico da agroindústria. Em segundo, não analisa as possibilidades que tal janela de oportunidade nos oferece.
Apesar de eventuais equívocos, os êxitos obtidos pelo Pró-Álcool, após 30 anos do seu início, são inegáveis. Baseado no binômio "Alimentos e Energia", este programa elevou a flexibilidade da produção sucroalcooleira, ampliando sua escala e gerando um rápido desenvolvimento tecnológico. O resultado foi a expansão da produção de açúcar à taxa anual de 4,9% e a de álcool a 11,4%. Estima-se que a produtividade agroindustrial do setor cresceu no período à taxa anual de 3,77% (Nastari, Datagro, 2005).
Crescimento derivado de diversos ganhos de eficiência, como na quantidade de cana plantada por hectare, de 53 toneladas em 1977 para 90 em 2004, no teor de açúcar desta cana, de 9,5% para 14%, ou no tempo de fermentação do caldo de cana, que caiu a 1/3 do valor vigente no início do programa (Amorim e Lopes, 2005).
Investimentos privados, como, por exemplo, na seleção de variedades de cana ou, então, na formação de um setor de bens de capital que se expandiu em torno da produção sucroalcooleira e hoje atende a demandas de diversos outros segmentos da agroindústria, viabilizaram tal trajetória.
Um caso emblemático é a Smar: nascida no início do Pró-Álcool, ela é hoje uma empresa líder em instrumentação e controle de processos industriais, atuando em vários outros segmentos, como óleo e gás, química e petroquímica, bebidas, papel e celulose, siderurgia e mineração. Quando se considera o desenvolvimento de sistemas de instrumentação e controle de unidades industriais ou, então, de variedades de cana e soja modificadas geneticamente, não se pode considerar seriamente a idéia de que se trate de setores com baixo conteúdo tecnológico.
Como uma indústria de processos típica, uma usina envolve atividades produtivas similares às que se desenvolvem em qualquer refinaria ou petroquímica. Se o conteúdo tecnológico presente na primeira é, ainda hoje, menor, isto não decorre, em absolutamente nada, de características técnicas inerentes ao setor sucroalcooleiro.
Afinal, a incorporação rápida de tecnologia no refino de petróleo e na petroquímica resultou não de suas especificidades técnicas, mas das oportunidades de lucro e da pressão competitiva que o mercado impôs a este setor.
O Pró-Álcool elevou a flexibilidade da produção sucroalcooleira, ampliou sua escala e gerou um rápido desenvolvimento Oportunidade similar foi criada para o setor sucroalcooleiro nacional, a partir do Pró-Álcool. Considerando tais aspectos, não se pode concluir que a renovação desta oportunidade nos dias de hoje seja tão somente mais uma opção de especialização em produtos de baixo conteúdo tecnológico.
A maturidade que a agroindústria brasileira atingiu sugere que tal oportunidade não será perdida. O investimento atual em novas unidades para a produção de etanol e biodiesel deixa pouca margem à dúvida. No entanto, é necessário muito mais do que simplesmente fazer mais do mesmo, para mantermos a liderança internacional desta opção tecnológica. Os biocombustíveis devem ampliar enormemente a escala do agronegócio e, assim, viabilizar, em termos econômicos, a produção de vários outros bioprodutos.
O antigo binômio pode, nas condições atuais, gerar um trinômio de sucesso: Alimentos, Energia e Bioprodutos. Já há indicações nesta direção.
A Usina Paraíso, localizada em Campos - RJ, inaugurou a primeira planta industrial de produção de solventes, acetona e butanol, a partir do caldo de cana. Outro exemplo: a Usina da Barra licenciou processo desenvolvido por pesquisadores da Unicamp, para a produção de um ingrediente alimentício com propriedades funcionais, produzido biotecnologicamente a partir do açúcar de cana. Este produto, de maior valor agregado, concorre no mercado de alimentos funcionais, o qual, em 2006, movimentou 55 bilhões de dólares.
A transformação de usinas em biorefinarias, uma espécie de embrião de um segmento industrial de base biotecnológica, precisa ser colocada no horizonte de nosso desenvolvimento econômico. O fato é que a grande disponibilidade de terras agricultáveis, a maturidade empresarial e tecnológica da agroindústria, a existência de um setor autóctone de bens de capital para a indústria de processos e a força já adquirida pela pesquisa científica e tecnológica nesta área tornam o Brasil um dos países com melhores chances de viabilizar economicamente uma trajetória deste tipo.
Mas tal trajetória exigirá mais do que uma agroindústria madura ou uma tecnologia que pode já estar descansando nas prateleiras de universidades. Demandará também um esforço de coordenação da esfera pública para catalisar esta evolução. O recente Edital Fapesp - Oxíteno, para o desenvolvimento de tecnologias nas áreas alcoolquímica e sucroquímica, é um ótimo esforço nesta direção. Uma direção que deve pretender não só internalizar a renda advinda do boom dos biocombustíveis, mas também gerar um ciclo endógeno e diversificado de inovações industriais, de forma a completar uma trajetória que, de fato, se iniciou há 30 anos atrás.
(Antonio J. A. Meirelles é doutor em engenharia e em economia, professor titular da FEA/UNICAMP e autor do livro "Moeda e Produção", Editora Mercado de Letras; Gláucia Pastore é professora titular e diretora da FEA/UNICAMP e preside a Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos; Valor, 28/5/07)
ALIMENTOS, COMBUSTÍVEIS RENOVÁVEIS E BIOPRODUTOS
Antonio J. A. Meirelles e Gláucia Pastore
Alguns analistas vêm alertando para os riscos que nossa economia corre de desindustrialização, de se especializar na geração de produtos primários ou, ainda, de contrair alguma versão tupiniquim da "doença holandesa". O vilão da história, não há como negar, é o real apreciado. Mas outros candidatos parecem dividir a culpa.
Em tempos de aquecimento global e de enorme interesse nos biocombustíveis, os êxitos da agroindústria nacional poderiam ameaçar o futuro do país: se nos transformarmos em um imenso mar de cana e soja, correríamos o risco de aprofundar os efeitos da apreciação cambial e consolidar a especialização em produtos de baixo conteúdo tecnológico.
É neste último aspecto da análise que pretendemos nos concentrar, pois ele padece de pelo menos duas deficiências relevantes. Em primeiro lugar, revela desconhecimento acerca do desenvolvimento tecnológico da agroindústria. Em segundo, não analisa as possibilidades que tal janela de oportunidade nos oferece.
Apesar de eventuais equívocos, os êxitos obtidos pelo Pró-Álcool, após 30 anos do seu início, são inegáveis. Baseado no binômio "Alimentos e Energia", este programa elevou a flexibilidade da produção sucroalcooleira, ampliando sua escala e gerando um rápido desenvolvimento tecnológico. O resultado foi a expansão da produção de açúcar à taxa anual de 4,9% e a de álcool a 11,4%. Estima-se que a produtividade agroindustrial do setor cresceu no período à taxa anual de 3,77% (Nastari, Datagro, 2005).
Crescimento derivado de diversos ganhos de eficiência, como na quantidade de cana plantada por hectare, de 53 toneladas em 1977 para 90 em 2004, no teor de açúcar desta cana, de 9,5% para 14%, ou no tempo de fermentação do caldo de cana, que caiu a 1/3 do valor vigente no início do programa (Amorim e Lopes, 2005).
Investimentos privados, como, por exemplo, na seleção de variedades de cana ou, então, na formação de um setor de bens de capital que se expandiu em torno da produção sucroalcooleira e hoje atende a demandas de diversos outros segmentos da agroindústria, viabilizaram tal trajetória.
Um caso emblemático é a Smar: nascida no início do Pró-Álcool, ela é hoje uma empresa líder em instrumentação e controle de processos industriais, atuando em vários outros segmentos, como óleo e gás, química e petroquímica, bebidas, papel e celulose, siderurgia e mineração. Quando se considera o desenvolvimento de sistemas de instrumentação e controle de unidades industriais ou, então, de variedades de cana e soja modificadas geneticamente, não se pode considerar seriamente a idéia de que se trate de setores com baixo conteúdo tecnológico.
Como uma indústria de processos típica, uma usina envolve atividades produtivas similares às que se desenvolvem em qualquer refinaria ou petroquímica. Se o conteúdo tecnológico presente na primeira é, ainda hoje, menor, isto não decorre, em absolutamente nada, de características técnicas inerentes ao setor sucroalcooleiro.
Afinal, a incorporação rápida de tecnologia no refino de petróleo e na petroquímica resultou não de suas especificidades técnicas, mas das oportunidades de lucro e da pressão competitiva que o mercado impôs a este setor.
O Pró-Álcool elevou a flexibilidade da produção sucroalcooleira, ampliou sua escala e gerou um rápido desenvolvimento Oportunidade similar foi criada para o setor sucroalcooleiro nacional, a partir do Pró-Álcool. Considerando tais aspectos, não se pode concluir que a renovação desta oportunidade nos dias de hoje seja tão somente mais uma opção de especialização em produtos de baixo conteúdo tecnológico.
A maturidade que a agroindústria brasileira atingiu sugere que tal oportunidade não será perdida. O investimento atual em novas unidades para a produção de etanol e biodiesel deixa pouca margem à dúvida. No entanto, é necessário muito mais do que simplesmente fazer mais do mesmo, para mantermos a liderança internacional desta opção tecnológica. Os biocombustíveis devem ampliar enormemente a escala do agronegócio e, assim, viabilizar, em termos econômicos, a produção de vários outros bioprodutos.
O antigo binômio pode, nas condições atuais, gerar um trinômio de sucesso: Alimentos, Energia e Bioprodutos. Já há indicações nesta direção.
A Usina Paraíso, localizada em Campos - RJ, inaugurou a primeira planta industrial de produção de solventes, acetona e butanol, a partir do caldo de cana. Outro exemplo: a Usina da Barra licenciou processo desenvolvido por pesquisadores da Unicamp, para a produção de um ingrediente alimentício com propriedades funcionais, produzido biotecnologicamente a partir do açúcar de cana. Este produto, de maior valor agregado, concorre no mercado de alimentos funcionais, o qual, em 2006, movimentou 55 bilhões de dólares.
A transformação de usinas em biorefinarias, uma espécie de embrião de um segmento industrial de base biotecnológica, precisa ser colocada no horizonte de nosso desenvolvimento econômico. O fato é que a grande disponibilidade de terras agricultáveis, a maturidade empresarial e tecnológica da agroindústria, a existência de um setor autóctone de bens de capital para a indústria de processos e a força já adquirida pela pesquisa científica e tecnológica nesta área tornam o Brasil um dos países com melhores chances de viabilizar economicamente uma trajetória deste tipo.
Mas tal trajetória exigirá mais do que uma agroindústria madura ou uma tecnologia que pode já estar descansando nas prateleiras de universidades. Demandará também um esforço de coordenação da esfera pública para catalisar esta evolução. O recente Edital Fapesp - Oxíteno, para o desenvolvimento de tecnologias nas áreas alcoolquímica e sucroquímica, é um ótimo esforço nesta direção. Uma direção que deve pretender não só internalizar a renda advinda do boom dos biocombustíveis, mas também gerar um ciclo endógeno e diversificado de inovações industriais, de forma a completar uma trajetória que, de fato, se iniciou há 30 anos atrás.
(Antonio J. A. Meirelles é doutor em engenharia e em economia, professor titular da FEA/UNICAMP e autor do livro "Moeda e Produção", Editora Mercado de Letras; Gláucia Pastore é professora titular e diretora da FEA/UNICAMP e preside a Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos; Valor, 28/5/07)
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