terça-feira, novembro 04, 2008

Entrevista com o ex-ministro Roberto Rodrigues

O ex-ministro Roberto Rodrigues deu uma entrevista ontem à Gazeta Mercantil onde comenta como a crise pode trazer boas oportunidades para o agronegócio brasileiro. Abaixo a entrevista:

TODA CRISE CRIA OPORTUNIDADES, DIZ EX-MINISTRO ROBERTO RODRIGUES

Da "bolha econômica" furada pela concordata do Lehman Brothers ainda escorre o crédito, ou a escassez dele, que já não sacia mais o apetite do agronegócio brasileiro. Problema que para o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues já havia se instalado antes mesmo do fatídico 14 de setembro, que marcou a quebra da instituição financeira americana e o início da atual crise mundial.

O coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e presidente do Conselho Superior de Agronegócios da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), é capaz até de prever o "pior dos mundos", sem, no entanto acreditar nele.

Escassez de crédito, descapitalização do setor produtivo - e a conseqüente perda da capacidade de investimento -, endividamento, inflação, perda da capacidade de exportação e o inevitável desmanche do superávit da balança comercial. Essas seriam conseqüências que a economia brasileira poderia experimentar caso não aproveitasse as oportunidades geradas pela crise e já avistadas por Rodrigues.

Segundo ele, "toda crise gera também oportunidades", para aproveitá-las bastaria criar e administrar os instrumentos de regulação adequados. Um deles seria a política de "preços mínimos", prevista em lei e, de acordo com o ex-ministro, capaz de trazer à balança comercial brasileira do agronegócio, mercados que certamente serão abandonados pelos países desenvolvidos em decorrência do atual momento econômico, - solução que passa pela garantia de viabilidade da safra 2010. Garantia essa que só poderia ser conquistada mediante a liberação de crédito rural, recurso oferecido pelo governo federal e pela força de medidas, mas que não consegue atravessar com tanta facilidade o caminho dos bancos para alcançar o produtor agrícola.

Em entrevista à Gazeta Mercantil, Roberto Rodrigues aponta a direção a ser seguida pelo crédito e pelo governo para que o País encontre o atalho da maior crise financeira dos tempos modernos.

Gazeta Mercantil - Qual a conseqüência imediata dessa retração de crédito agravada pela crise econômica?

Estamos diante de uma safra cara e com menos crédito, seja por problemas anteriores e nacionais, seja por problemas agravados por causa da crise. Esse fato tem dois reflexos naturais, o primeiro é uma redução da área plantada. A expectativa que se tinha de crescimento já está sendo desmanchada, tanto é verdade que o setor de fertilizantes que teve o melhor primeiro semestre da história, tem um dos piores segundos semestres, houve então uma reversão das expectativas. A outra questão é a redução do padrão tecnológico.

Como o crédito está muito mais caro, o agricultor acaba usando menos tecnologia e restringe o horizonte produtivo lá na frente. Isso já é dado, já aconteceu. O que ainda pode acontecer é um desânimo dos produtores em relação à safra que vai ser plantada em 2009.

Gazeta Mercantil - Esse desânimo é generalizado? Como essa redução de área cultivável vai impactar na relação oferta/demanda?

Os países desenvolvidos vão provavelmente diminuir o plantio e ficar pedalando a safra porque terão "target price" (preço mínimo). Isso significa uma menor oferta de produtos agrícolas para 2010. Ano que vem já está garantido, não tem mais o que discutir. Na hipótese, que eu considero pouco provável, de os preços caírem durante a colheita da nossa safra a partir de março, nós viveríamos o pior dos mundos.

Teríamos uma safra cara com pouco crédito, baixa produtividade e preços ruins. E se isso acontecesse, haveria uma brutal descapitalização do setor, perda de capacidade de investimento e endividamento. Ficaríamos com uma reduzida capacidade de plantar a safra em 2009 de modo que no ano seguinte teríamos uma safra pequena no Brasil, somada à uma safra pequena no hemisfério norte.

Essa situação levaria à uma inflação de alimentos e uma redução na capacidade de exportação desmanchando nosso superávit comercial. Seria um desastre para o País.

Gazeta Mercantil - E como evitar esse desastre por aqui?

Precisamos transformar o risco em oportunidade, e esse instrumento já existe. Há uma lei no dos anos 70 chamada PGPM - política de garantia de preços mínimos -, é uma lei que permite que o governo interfira caso o mercado pratique um preço abaixo daquele estabelecido pelo governo, seja comprando, seja financiando a estocagem, seja pagando a diferença entre o preço de mercado e o preço mínimo de garantia. Precisamos fazer um recálculo desses preços com base no comportamento do mercado nos últimos dias, e ainda colocar no orçamento do ministério da Agricultura recursos orçamentários suficientes para executar a política de preços mínimos.

Gazeta Mercantil - Isso aceleraria o processo de viabilização de crédito?

A aventura acabaria porque o produtor sabe que vai plantar com garantia que vai receber um preço mínimo lá na frente. Os bancos perdem o medo do risco porque esse preço mínimo também é garantia de retorno de investimentos. É hora do governo ressuscitar um instrumento que já existe por lei e basta decisão política e obviamente econômica. Se isso acontecer o governo dará ao País uma oportunidade formidável de em 2010, com uma safra boa, ocupar mercados que serão perdidos por outros países. E o governo está sendo muito ativo no processo. A Câmara dos Deputados já está analisando o orçamento para voltar a praticar a política de preços mínimos. Esse é um cenário onde a crise pode ser transformada em uma grande oportunidade para a agricultura e para o Brasil. Mas, além disso, tem um outro problema ainda mais emergencial que são os ACC’s (Adiantamento de Contrato de Câmbio).

Gazeta Mercantil - Como garantir à indústria do agronegócio o fluxo das exportações, e à balança comercial brasileira o peso da receita que vem do mercado internacional?

O governo tá prometendo resolver isso (o problema dos ACC’s) rapidamente via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), mas existem alguns setores que já estão estrangulados, um deles, o mais estrangulado, é o setor sucroalcooleiro. As usinas que exportam açúcar e álcool não estão conseguindo financiamento para exportação e não podem pagar os produtores de matéria-prima, com isso a renda rural vem sendo represada lá atrás, o que tem um efeito dominó muito negativo sob as regiões canavieiras. Este problema por enquanto está restrito à área canavieira, mas já se aproxima dos frigoríficos, do suco de laranja e de qualquer outro segmento agroindustrial que esteja alavancado em dólar. A alocação de recursos de ACC’s é absolutamente indispensável para destravar a questão da renda rural nas cadeias produtivas que dependem da industrialização.

Gazeta Mercantil - A agricultura brasileira viveu uma crise em 2004 e agora, quatro anos depois, já enfrenta uma nova turbulência. Esse curto período de alta não foi suficiente para o produtor se recuperar. Como o governo deve intervir nessa situação de endividamento explícito?

O governo encaminhou uma solução de rolagem dessa dívida, mas o assunto não foi encerrado ainda, e é por isso que uma parcela de produtores que tinham dívidas e não puderam rolar essas dívidas perderam acesso ao novo crédito. Aí entra a burocracia pública, que inibe a rapidez do processo, que por sua vez se cristaliza.

Gazeta Mercantil - Qual a real capacidade de crescimento da agropecuária brasileira?

380 milhões de toneladas de grãos é o número limite da nossa capacidade de produção e não há tempo limite para chegar lá, pode demorar 50 ou 15 anos. Temos um crescimento potencial horizontal para dobrar a área. Nós temos hoje 72 milhões de hectares cultivados e outros 96 milhões de hectares ocupados com pastagem perfeitamente agricultáveis. Além disso existe a possibilidade de crescimento vertical. A produtividade média de milho no Brasil hoje é de 72 sacas por hectare, mas os campeões do Paraná chegam a 200 sacas.

Gazeta Mercantil - E como essa produção brasileira vai abastecer o mercado externo?

Nos últimos sete anos, a produção mundial de grãos foi 120 milhões de toneladas menor do que o consumo, ou seja, houve um déficit. E o Brasil nesse período teve um superávit de 160 milhões de toneladas.

Se não fôssemos nós esse déficit global seria de quase 300 milhões de toneladas. Então o Brasil já vem sendo um País diferenciado nesse cenário global. Em termos de mercado, avançamos mais em relação aos países em desenvolvimento, os emergentes, porque a renda per capita deles cresce mais que a renda per capita dos países desenvolvidos, e a população também. Nos mesmo sete anos, nós tivemos um crescimento ao ano de 11% das exportações para os países desenvolvidos - o dobro da média mundial -, mas para os países emergentes nós exportamos 21% a mais. Então temos um potencial que poucos têm de conquistar esse mercado, mas para isso nós temos que cuidar da renda rural através de instrumentos de crédito adequados, temos que ter uma logística melhor. Nós estamos sucateados em termos de rodovias, ferrovias, portos. Temos que fazer investimentos vigorosos e o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) está aí para isso. Temos que fazer a promoção comercial e acordos bilaterais para abrir mercados.

Gazeta Mercantil - Como deve se comportar a demanda mundial, tanto por proteína animal, quanto por grãos? E os preços?

Todas as previsões são de um crescimento da demanda mundial por proteína animal e por oleaginosas, bem como frutas e legumes, e uma redução de raízes, tubérculos e cereais não protéicos. Essa é uma tendência irrecorrível. Se você olhar para o mercado mundial agrícola vai ver que os preços têm uma ciclotimia sistêmica determinada pela oferta e demanda, porém a resultante dessa ciclotimia é uma tendência permanente declinante de preços. Isso porque a tecnologia aumenta a oferta, e se a demanda não aumentar na mesma direção os preços sistematicamente caem, razão pela qual eu questiono o discurso de que teria acabado o tempo dos alimentos baratos. Isso está errado, os preços tendem a cair. O que acontece hoje é um movimento de demanda superior à oferta determinado pela renda crescente nos países em desenvolvimento. Com a crise passou a haver uma pressão sobre essa demanda que poderá determinar uma redução do consumo dos produtos de maior valor agregado como a carne, mas é uma curva da crise, tanto pode ser para baixo da tendência ou para cima, mas ela é sempre declinante, de forma que em qualquer circunstância essa curva será superada por outra curva. Tendência essa que continuará no longo prazo. Vales ou picos de preços, e também a demanda de consumo, fazem parte dessa resultante.

Gazeta Mercantil - E sobre as novas fronteiras agrícolas?

Os eixos de avanço da agricultura são suportados pela logística. Quando eu era ministro, o Maranhão tinha uma logística desenhada e vantagens tributárias dadas pelo governo de lá em relação ao ICMS.

Hoje, no Piauí tem uma logística interessante, indústrias estão indo para lá fazer a moagem na região. Então o que vai determinar esses eixos de crescimento em direção às novas fronteiras é a logística, que hoje ainda consome 20% do PIB brasileiro.

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