Este jovem construiu uma múlti em dois anos
Eis uma história do novo brasil: a incrível saga de marcos molina dos santos, controlador do grupo marfrig. filho de açougueiro, abriu sua primeira empresa aos 16 anos e hoje, aos 38, possui 60 plantas em nove países.
“Segunda-feira eu tive uma grande e agradável surpresa. Fiquei sabendo que vocês compraram a empresa em que trabalho, a Moy Park, de Wisbech. Para mim é muito gratificante saber que uma empresa brasileira está se sobressaindo no cenário internacional. E agora, na fábrica, todos os meus colegas de trabalho, inclusive o manager, estão brincando comigo, me chamando de 'boss', claro, porque sou brasileiro. É muito bom saber que agora trabalho em uma empresa brasileira aqui na Inglaterra. É como se um pedacinho do Brasil estivesse aqui comigo. Isso me deixa muito orgulhoso."
O empresário paulista Marcos Molina dos Santos sorri quando se refere ao e-mail que recebeu de Osório Augusto Baggio, no final de junho, dias depois de conduzir a maior aquisição feita pelo seu grupo, o Marfrig, do setor de carnes.
Foram 15 plantas do grupo americano OSI, no Brasil e na Europa. Em meteóricos dois anos, o Marfrig abocanhou 25 empresas, sendo mais da metade no exterior. A compra do OSI foi a mais ousada. Com ela, de uma única tacada, praticamente triplicará seu faturamento para quase R$ 10 bilhões neste ano ano e passará a operar 60 plantas em nove países. O grupo, que já tinha unidades na Argentina, no Uruguai, no Chile e nos Estados Unidos, estende seus domínios para Inglaterra, Irlanda do Norte, França e Holanda, passando a operar diretamente em oito países, além do Brasil. Isso significa que quando a operação de compra for concluída, Molina será o controlador da mais internacionalizada empresa do agronegócio brasileiro, além da quarta maior processadora de carne bovina e uma das dez maiores de frango. Seu valor de mercado é de R$ 4 bilhões.
Entre os novos negócios está a fábrica inglesa Moy Park, do OSI, onde Baggio, emigrante brasileiro que se fixou na Inglaterra em 2005, está empregado. Cartas como a que ele enviou são vitamina para a sede de crescimento de Molina, um homenzarrão de poucas palavras que só interrompe o silêncio para soltar uma de suas marcas: uma gargalhada impagável (pergunte a ele, por exemplo, quantas horas de lazer lhe sobram na semana). Molina, de 38 anos, é o rosto mais jovem que desponta na onda de globalização das empresas brasileiras do setor de agronegócio. Até o momento, os holofotes permaneciam sobre a JBS, o antigo Friboi, que comprou a marca Swift e disputa a posição de maior empresa de bovinos do mundo com a americana Tyson Foods. A JBS, da família Batista, ainda é a maior em faturamento, mas o Marfrig de Molina alcança um número maior de países.
Neto e filho de açougueiros, o destino de Molina parecia traçado já na infância. Aos 12 anos, começou a trabalhar atrás do balcão do açougue do pai, em Mogi-Guaçu, no interior de São Paulo. Era um faz-tudo: ora atendia os fregueses e cortava a carne, ora assumia o caixa. Mas contrariando a tradição interiorana, Molina tinha pressa. Com apenas 16 anos, pediu ao pai que o emancipasse. Sua idéia era montar um negócio de distribuição de miúdos. Antes de começar já tinha os clientes - os maiores compradores do açougue do pai, com quem acertou as entregas antes de se aventurar sozinho. A pequena empresa começou a atuar na cidade e depois na região. Chegou a Campinas e depois alcançou a capital paulista. Aos 28 anos, Molina já se tornara um fornecedor de cortes nobres e importados para os melhores restaurantes e churrascarias da metrópole. O jovem Molina sempre se preocupou em ter o que é mais difícil nesse negócio: uma boa base de clientes. Em seguida, para atendê-los melhor, tentou vôos mais ousados. Foi além do negócio de distribuição e começou a comprar frigoríficos. O primeiro, em 2000, foi o Bataguassu, em Mato Grosso do Sul. Nunca mais parou.
O Marfrig ilustra com precisão um movimento de ascensão internacional que não é isolado na história recente do mundo corporativo. Faz parte de um novo fenômeno de proporções globais. Um número cada vez maior de empresas fundadas em países emergentes, como China, Índia e Coréia, está avançando para competir em países desenvolvidos. No Brasil esse movimento caminha de forma mais lenta (veja a reportagem Por Que Estamos atrás Deles), mas o exemplo do Marfrig aponta para uma nova geração de empresas brasileiras que começa a desbravar o mercado externo para crescer.
DESFILE DE MARCAS
O grupo Marfrig tem cerca de 30 marcas. Eis as mais importantes:
"Muitas vezes trabalhamos aos sábados até a madrugada e voltamos para São Paulo ao meio-dia do domingo", diz Márcia.Ainda hoje, já com a gestão da empresa profissionalizada, Molina aproveita os feriados e os fins de semana para viagens de negócio em seu jato para colocar o trabalho em dia.
Simplicidade
Também é despojado. Trabalha em mangas de camisa e só usa terno quando o protocolo exige. No dia-a-dia dos negócios, é despachado. Fala e ri com sonoridade. Mas é de natureza tímida. Não gosta de comentar suas conquistas. "Não fiz nada disso sozinho. Tudo foi desenvolvido junto com o cliente, o fornecedor e toda a equipe do Marfrig. E com a minha mulher, que sempre esteve ao meu lado", afirma. No mercado, Molina é descrito como um homem que sabe ouvir para, em seguida, agir. "Em um jantar de negócios, Marcos passa a maior parte do tempo calado. Só fala ao final, por uns cinco minutos, diz o que vai fazer - e faz. Sempre do jeito mais correto e transparente", diz Arri Coser, sócio da rede de churrascarias Fogo de Chão e responsável pela internacionalização do rodízio gaúcho. Coser tem seis churrascarias no Brasil e 11 nos Estados Unidos. Quando começou a trabalhar com Molina, em 1995, comprava do Marfrig apenas 10% da carne do Fogo de Chão. Hoje essa parcela oscila entre 60% e 70% nas unidades brasileiras.
Uma das características que impressionam pessoas próximas é a simplicidade de Molina. Um desses interlocutores é Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano Papel e Celulose e ex-presidente da Ford do Brasil. Maciel é conselheiro independente do Marfrig, ao lado de Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central, e de Marcelo Maia de Azevedo Corrêa, presidente do grupo Neoenergia. Maciel relutou em aceitar o convite da Fesa, a agência de recrutamento de executivos escolhida por Molina para ajudá-lo a profissionalizar a gestão do grupo Marfrig. "Eu não tinha tempo para mais nada, mas insistiram porque queriam me apresentar ao Marcos", diz Maciel. "Acabei aceitando e fiquei impressionado com a inteligência e o carisma dele." Outro traço que chama a atenção em Molina é sua visão estratégica certeira.
"As coisas nascem muito rapidamente na cabeça dele", diz Márcia. "Ele pensa sempre antes, na frente." Quando o Marfrig ainda era focado em carnes bovinas, Molina comprou o Patagonia, frigorífico especializado em cordeiros na Terra do Fogo, extremo sul do Chile. Orgulhoso, levou Márcia para conhecer o local. O casal chegou à região num dia gelado, abaixo de zero. Márcia espantou-se com a paisagem desértica. "O que tem nesse fim de mundo?", perguntou. "Duzentos e cinquenta mil cordeiros por ano", disse Molina. E cordeiros especiais, considerados orgânicos, porque pastam. Têm mercado garantido, já que a demanda por esse tipo de carne só cresce. Além disso, o Patagonia tem uma planta de 9 mil metros quadrados, clientes cativos na Europa, no Japão e na Rússia e toda a estrutura para o abate Kosher, o ritual exigido por judeus ortodoxos.
No mês seguinte, Molina surpreendeu de novo seu pessoal ao fechar a compra da Quickfood. O negócio não se encaixava na lógica das aquisições de brasileiros no exterior. Normalmente, o que interessa são frigoríficos com bons produtos para exportação. A Quickfood é uma empresa de alimentos que atende ao mercado interno e seu melhor ativo é a linha Paty, sinônimo de hambúrguer para os argentinos. Molina já conhecia o peculiar nacionalismo local, que em vários períodos da história interferiu nas regras de exportação e de importação, principalmente de produtos brasileiros. Em março deste ano, por exemplo, quando ruralistas fizeram barricadas contra a exportação de alimentos e o governo proibiu os embarques de carne, a Quickfood tornou-se um dos melhores negócios do Marfrig na Argentina.
Histórias como essa e a trajetória do Marfrig mostram que Molina aprendeu na prática a fazer o dever de casa no mundo dos negócios. Quando não passava de um pequeno comerciante de carnes, foi obrigado a negociar em um setor precário, com problemas de logística e de abastecimento. Em 1986, quando abriu a empresa, o Brasil vivia sob a pressão do Plano Cruzado e a escalada da inflação. O governo chegou a confiscar boi no pasto para manter o fornecimento. Para garantir cada naco de carne que vendia aos clientes, era preciso cultivar contatos e isso Molina sabia fazer. No início, cativou a clientela em Mogi-Guaçu. Depois foi para as cidades vizinhas, como Campinas e Águas de Lindóia. Em 1994, começou a fornecer para o Porcão, do Rio de Janeiro, uma das mais badaladas churrascarias do país. Foi quando percebeu que os melhores restaurantes tinham uma enorme carência de boas carnes. A partir de então, passou a sondar a capital paulista, onde o circuito gastronômico era bem maior. Em 1998, com vários clientes garantidos, transferiu a sede da empresa para Santo André, na região metropolitana de São Paulo.
Molina foi o primeiro a se preocupar em aproximar todos os elos de uma cadeia complicada. "Pecuarista, fornecedor e cliente viviam em guerra", afirma. "Na safra, sobrava carne e se comprava barato. Na entressafra, o preço subia e era uma luta garantir o produto. Tínhamos de começar a trabalhar juntos", diz Molina, que levou donos de restaurantes paulistanos para conhecer as melhores fazendas de gado da Argentina e do Uruguai. Também foi cicerone de produtores dos países vizinhos em jantares na capital paulista. Sentava-se à mesa com os dois lados, para intermediar contratos de fornecimento de longo prazo, sempre deixando claro qual seria a margem de lucro do Marfrig em cada negociação. "Os concorrentes diziam para não fazer isso", diz Molina. "Que depois os clientes iriam negociar sozinhos, mas não foi o que aconteceu." Com a estratégia, Molina garantia mercado para os produtores, carne para os clientes e espaço ao Marfrig. "A grande marca de Marcos foi propor parcerias quando ninguém se preocupava com isso. Ele trabalha em conjunto, é arrojado. Pensa e age muito rapidamente", diz o gaúcho Ari Nedeff, sócio majoritário de redes de rodízio como Novilho de Prata, Montana Grill, Pampeana, Galeteria Gaúcha e Boi Brasil. Nedeff compra do Mafrig toda a carne bovina e de porco que serve nas 14 churrascarias de sua rede.
Molina também foi o primeiro a oferecer produtos sob medida. Preocupou-se em entender que tipo de carne cada dono de restaurante queria no cardápio e negociou com os fornecedores para que produzissem cortes sob medida, que ele embalava a vácuo para garantir a qualidade. "Aprendi muito cedo que a carne não deve ser apenas bonita", diz Molina. "Deve ter qualidade, ser macia." Os cortes de Molina permitiram aos donos de restaurantes conceituados criar pratos antes impensáveis no Brasil por falta de matéria-prima. "A primeira vez que o vi, era praticamente uma criança. Tinha pouco mais de 20 anos e carregava uma caixa com peças de cordeiro em um dos braços e de bovinos no outro", diz o americano Peter Rodenbeck, sócio no Brasil dos restaurantes Outback e da rede de cafeterias Starbucks, e também o responsável pela chegada do McDonald's ao país, na década de 80. "Não nos entendemos muito bem no primeiro encontro. Ele era um jovem com forte sotaque do interior e eu um gringo que mal falava português. Mas ele deixou os cordeiros." As peças tinham alta qualidade e foram usadas no teste de novas receitas. Dois meses depois, o cordeiro de Molina foi incluído no cardápio da rede Outback. "É um cordeiro famoso até hoje", diz Rodenbeck.
O MAPA DA EXPANSÃO
Em oito anos, o Marfrig passou de distribuidor regional de cortes bovinos a uma das maiores indústrias de carnes do mundo, com mais de 60 unidades em nove países.
Carnes de todos os tipos
A obsessão de Molina em atender bem os clientes foi decisiva para a internacionalização do Marfrig. Dois momentos ilustram isso. O primeiro foi a desvalorização cambial de 1999. Naquela época, o Marfrig firmava-se como distribuidor de carnes importadas e teve as margens achatadas com a alta do dólar. Molina nem pensou em romper os compromissos assumidos. Mas deu-se conta da fragilidade em que a empresa se encontrava, por não ser uma exportadora. Mas para entrar nesse ramo precisava de um frigorífico. "Eu nunca quis ter frigorífico, porque era uma atividade polêmica e gosto do negócio de distribuição. Mas de repente o importador ficou malvisto. Virou atravessador", afirma Molina. "Exportando, poderia melhorar as margens e proteger a empresa da oscilação de preços", diz. Em 2000, Molina comprou seu primeiro frigorífico e, em 2001, começou a exportar.
Outro momento decisivo para transformar o Marfrig na empresa global que é hoje foi o surto de aftosa de 2005, que praticamente fechou as fronteiras do Brasil para a exportação de carne bovina in natura. Àquela altura, o Marfrig já exportava para 40 países. Molina percebeu que precisava proteger a empresa de imprevistos sanitários se quisesse crescer no mercado externo. "O cliente lá na Europa não queria comprar carne do Brasil e nós íamos perder mercado", diz Molina. Com unidades em outros países, o Marfrig poderia oferecer soluções completas. "Quem fizesse negócio com a gente compraria não só do Brasil, mas de outros países também." Mais uma vez Molina agiu rapidamente. Em 2006, comprou o primeiro frigorífico fora do Brasil, o Tacuarembó, então terceiro exportador do Uruguai. Hoje o grupo Marfrig abate 21,1 mil cabeças de gado por dia, em 18 unidades no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Cerca de 37% de sua carne sai de abatedouros dos países vizinhos. Os contratempos enfrentados com o rebanho bovino apontaram outro problema a ser enfrentado pelo Marfrig: a dependência em relação à carne bovina in natura. Ficou claro para Molina que se a empresa se tornasse processadora, exportadora e importadora de carne, melhor que fosse de diferentes tipos e em diferentes estágios de preparo. Isso não só protegeria o negócio de futuros problemas sanitários com o boi como também aumentaria as margens do negócio, pois produtos industrializados são mais rentáveis.
Parte das aquisições feitas nos últimos dois anos já sinalizava essa intenção. Além de comprar frigoríficos de diferentes tipos de carnes, como o Chupinguaia, em Rondônia, e o AP&P, na Argentina, de bovinos; o Inaler, no Uruguai, que também abate ovinos; e o criador mato-grossense Carroll's, de suínos, o grupo Marfrig adquiriu também indústrias e marcas já consagradas. Arrematou empresas como a Mabella, que produz uma linha de embutidos com boa presença na região sul do Brasil, a Pena Branca, de frango, e a Mirab, que produz, na Argentina e nos Estados Unidos, o beef jerky, uma carne desidratada apreciada pelos americanos. Mas a estratégia ficou mais clara no final do ano passado, com a contratação de Sérgio Mobaier, executivo que estava há 16 anos na Sadia, para o posto de diretor de marketing. "A intenção é fazer do Marfrig uma indústria de alimentos que entrega produtos industrializados ao consumidor final", diz Mobaier. "E não apenas uma agroindústria."
A empresa planeja lançar novas linhas de marcas já consagradas, como a brasileira Bassi, reconhecida grife para churrascos e assados, que deve ganhar uma extensão de produtos de alta gastronomia. A recém-adquirida Da Granja, hoje restrita a hambúrgueres e empanados, também terá o portfólio ampliado. O Marfrig pretende ainda testar o potencial de internacionalização de marcas regionais. A primeira da lista será o hambúrguer argentino Paty, apreciado em alguns países da América do Sul e com bom potencial para entrar na Europa. Há expectativas também em relação às combinações comerciais que podem ser feitas em vários países com os empanados da marca Moy Park, que faz parte dos ativos comprados do OSI na Europa. Trata-se do maior processador de frangos do Reino Unido, dono de 80% do mercado de empanados, com acesso direto às redes de supermercados Tesco e Sainsbury. "O Marfrig terá um conjunto de marcas, como a Unilever", diz Mobaier. "Para integrá-las em uma única identidade, estudamos criar uma referência visual, um selo onde o nome Marfrig aparecerá."
A forma como o Marfrig cresceu pode parecer meio anárquica para os que olham de fora, mas revelou-se um trunfo. Como distribuidor, Molina aprendeu que a segurança do negócio está em ter a venda garantida. Assim, toda vez que comprava um lote a mais de carne, tinha cliente certo para vendê-lo. O mesmo ocorreu quando começou a adquirir frigoríficos. A produção de cada nova unidade já tinha destino. O raciocínio ele aplicou também para as exportações e para a internacionalização - cada nova empresa comprada vinha com clientes assegurados. "Ter o frigorífico é a parte fácil do negócio. Difícil é entender o cliente e fechar a venda", afirma Molina. O inglês James Cruden, diretor-operacional do Marfrig desde 2004, considera o modelo um dos grandes responsáveis pelo sucesso da empresa. "Marcos faz o caminho inverso dos concorrentes. Os frigoríficos têm o produto e precisam buscar o cliente. O Marfrig sempre teve o cliente e precisava buscar o produto. Ter o mercado é um grande diferencial." Há quase 40 anos no agronegócio, Cruden tem experiência para opinar. Trabalhou na Austrália, na Holanda e desde 1974 está no Brasil. Ocupou cargos executivos em empresas como o frigorífico inglês Anglo, o Bordon e a BF Alimentos, empresa de exportação mantida no início da década pelos concorrentes Bertin e Friboi.
Os tempos como distribuidor de carnes deram outra vantagem a Molina: contatos profissionais e pessoais com os quais ele teceu uma teia de relacionamentos em todo o Mercosul. Essa rede revelou-se estratégica para a profissionalização do Marfrig. Rodenbeck, do Outback, por exemplo, apresentou a Molina os executivos da Braslo, empresa criada no Brasil em 1982 pelo grupo OSI para fornecer hambúrgueres à rede McDonald's. O Marfrig tornou-se fornecedor da Braslo. Em 2002, foi criada a OSI Brasil, para administrar a Braslo e a Penasul, empresa de frangos do Rio Grande do Sul. Mais tarde, a proximidade com a OSI abriu portas para o Marfrig negociar a aquisição das operações do grupo no Brasil e na Europa. "Marcos foi de fornecedor a dono da Braslo em sete anos", diz Rodenbeck.
De sua agenda de contatos, Molina soube ainda extrair os talentos que contratou para profissionalizar o Marfrig. Boa parte da diretoria é composta por executivos com quem Molina um dia negociou. "Escolhi os que foram piores comigo", diz. "Sei que esses são os melhores." É o caso do irlandês James Cleary, diretor de planejamento e novos negócios, e o executivo à frente das aquisições mais ousadas do grupo neste ano. Cleary foi presidente do frigorífico Pampeano e convive com Molina há mais de dez anos. Em 2007, quando o Marfrig comprou o Pampeano, Molina convidou-o para o grupo. Outro exemplo é Bruno Stierli, responsável pelas operações de food service. Ele está na empresa há três meses, mas conhece Molina desde 2001, do tempo em que era gerente-geral da McCain do Brasil, empresa canadense especializada em batatas congeladas. "Molina sempre tentava barganhar, mas eu não dava moleza. Ele também não era fácil", diz Stierli.
A grande incógnita agora é saber se uma multinacional brasileira construída tão rapidamente, com pedaços de empresas diferentes e dispersas geograficamente, vai prosperar como uma indústria global. Molina estabeleceu alguns critérios para tentar blindar seu grupo e conquistar essa posição. Só compra empresas sadias, com equipes bem formadas, de preferência com profissionais com quem já fez negócios algum dia. "Na hora que analiso uma compra, vejo principalmente as pessoas", afirma. "A equipe precisa ter condições de tocar o negócio." Depois de fechar a aquisição, Molina preserva sempre que possível o comando. Quando comprou o Tucuarembó, no Uruguai, o frigorífico era comandado por um dos sócios, Martin Secco Arias. Ao assumir a empresa, manteve Arias na presidência. Em 2007, comprou novas unidades no país, tornando-se o maior exportador do Uruguai e também líder no abate de bovinos. Transformou, então, as operações no país em uma divisão, que foi entregue ao mesmo Arias. Tática idêntica adotou na Argentina. As operações locais estão com o argentino Luis Miguel Bameule, ex-Quickfoods. Os contatos com outros países são feitos pelo francês Alain Martinet, executivo com passagem pela Dreyfus, uma das maiores tradings do mundo. "Cada país tem sua cultura e é preciso respeitá-la", diz Molina. "Não adianta mandar um brasileiro, que não vai dar certo."
Na avaliação dos analistas, nada indica, até o momento, que algo possa dar errado na estratégia de crescimento do Marfrig, que, em meados de 2007, abriu o capital na Bolsa de Valores de São Paulo para fazer caixa e ampliar as compras. Na corretora Link, a ação da empresa está entre as recomendadas. "O Marfrig foca no aumento dos industrializados, o que vai elevar suas margens", afirma Rafael Cintra, analista de alimentos e de consumo da Link. "Além disso, diversificou a linha de produtos, entrando em frangos e suínos, internacionalizou a produção e só compra empresas saudáveis." Também pesa a favor do grupo o contexto internacional. O consumo de carnes está crescendo em mercados emergentes, principalmente na China, onde a população se urbaniza rapidamente e eleva a compra de carne bovina. Há ainda um componente político favorável. Estima-se que o aumento da inflação, que está encarecendo os produtos agropecuários no mundo todo, forçará os governos europeus a afrouxar barreiras sanitárias para elevar a compra de produtos mais baratos, como a carne brasileira. "O Brasil tem condições únicas de ser um grande fornecedor de alimentos para o mundo, e o Marfrig está aproveitando essa vantagem para se globalizar", diz Ricardo Florence dos Santos, diretor de relações com investidores do Marfrig. Santos trabalhou 16 anos no Pão de Açúcar, e é um dos executivos selecionados por Molina para atuar nessa nova fase de expansão da empresa.
REBANHO SORTIDO
O Marfrig investe na produção e na industrialização de diferentes tipos de carnes
Multinacionais emergentes
Para entender como um empreendedor saído do interior paulista constrói uma multinacional de capital aberto antes de completar 40 anos, é preciso analisar também o momento econômico mundial. A ascensão internacional do Marfrig não é um caso isolado. Um número cada vez maior de empresas fundadas em países emergentes está avançando para competir em países desenvolvidos como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. Em 1998, apenas 12 companhias de países emergentes constavam do ranking das 500 maiores empresas da revista americana Forbes. Em 2006, esse número chegou a 48 e estima-se que mais de 100 estarão na lista até 2016. Alguns teóricos batizaram o novo fluxo de "segunda onda da globalização" e suas empresas de "multinacionais emergentes".
Boa parte do crescimento dessa nova safra de empresas se faz pela compra de outras, tanto em países emergentes quanto em países desenvolvidos. Isso está estabelecendo um novo patamar de competição e de consolidação em diversos setores. Entre os casos exemplares estão o da brasileira Vale, que arrematou a canadense Inco; a indiana Tata, que comprou a anglo-holandesa Corus; e a Mittal, que ficou com a francesa Arcelor. O efeito dessa transformação na arquitetura global dos negócios já é visto no Primeiro Mundo como ameaça às multinacionais estabelecidas.
Uma pesquisa da consultoria internacional de estratégia Roland Berger, obtida com exclusividade por Época NEGÓCIOS, leva o sugestivo título de Emerging Giants - Defending Your Market Share against the Impending Offense (algo como "Gigantes emergentes - defendendo sua participação de mercado contra a iminente ofensiva"). A pesquisa identifica quais características de gestão e estratégias das empresas emergentes foram decisivas para transformá-las em competidores globais e como as multinacionais de países desenvolvidos podem se proteger desses novos rivais. "As empresas de países emergentes estão em franca expansão internacional e se confrontam com as líderes", diz Thomas Kunze, sócio da Roland Berger responsável pela coordenação do estudo no Brasil.
A pesquisa aponta que as multinacionais emergentes estão se globalizando de uma maneira bem diferente da adotada pelas americanas e européias no passado. Companhias tradicionais, como a Ford, tornaram-se líderes nos Estados Unidos antes de se internacionalizar - e preferiram construir fábricas no exterior no lugar de comprar concorrentes. Boa parte das multinacionais emergentes cresce quando se internacionaliza e faz isso comprando empresas fora. A chinesa Haier, por exemplo, líder em eletrodomésticos no seu país, ganhou posições no mercado interno quando expandiu as atividades para toda a Ásia, comprando concorrentes. Outro diferencial das multinacionais emergentes é aproveitar o acesso direto às matérias-primas, tanto minerais quanto agrícolas. Muitas vezes, os insumos estão em outros países emergentes e elas não vacilam em buscá-los. A estatal russa Gazprom, líder no mercado global de gás, tem acordos de prospecção e extração em vários países emergentes na Europa Oriental, Ásia e América do Sul.
As primeiras multinacionais dos países desenvolvidos valeram-se da liderança tecnológica para conquistar o mercado global. Foi assim com os celulares lançados no mercado externo pela finlandesa Nokia e com os eletroeletrônicos da Philips, multinacional de origem holandesa que participa da criação de novos produtos desde a invenção da válvula, na década de 20. Poucas emergentes dispõem dessa vantagem. Algumas até avançam em novas áreas do conhecimento, como a indiana Ranbaxy, do ramo de medicamentos. Mas, em sua maioria, as novas multinacionais destacam-se por inovar na gestão. Rapidamente absorvem a cultura e os conhecimentos da empresa comprada e criam novas estratégias. "Por terem nascido em países com ambientes adversos para os negócios, as multinacionais emergentes são muito flexíveis e ágeis", diz Kunze. Um dos trunfos mais importantes, segundo a pesquisa, é ter no comando uma geração de novos líderes com forte espírito empreendedor e uma peculiar visão global para os negócios. Kunze os chama de presidentes-empresários. "São inovadores, ambiciosos e querem construir negócios internacionais", afirma. O representante máximo dessa linhagem é o indiano Lakshmi Mittal. Ele fundou sua empresa em 1974, aos 26 anos, e a transformou na maior do mundo comprando negócios ao redor do planeta. Quase todas as emergentes que ascenderam ao cenário internacional nos últimos anos têm à frente um líder expressivo, seja ele o fundador, o herdeiro ou um executivo visionário.
A pesquisa da Roland Berger não analisou o grupo Marfrig, mas ajuda a explicar por que os passos da empresa rumo à internacionalização foram bem-sucedidos. "Vários elementos da pesquisa aplicam-se ao que está ocorrendo hoje no setor de carnes no Brasil e em empresas como JBS, Sadia, Perdigão e Marfrig", diz Kunze. Um deles é a velocidade da internacionalização. Há oito anos, o Marfrig nem sequer exportava. Hoje é a empresa mais globalizada do agronegócio. Nesse movimento meteórico de internacionalização, o grupo valeu-se de uma vantagem destacada pela pesquisa: o acesso à matéria-prima. O rebanho de gado comercial do Brasil é o maior do mundo. Os dos vizinhos Argentina e Uruguai, por sua vez, estão entre os melhores. O Brasil também se destaca na produção e na exportação de frangos e de suínos, áreas de negócios nas quais o Marfrig cresce. Por fim, a empresa se beneficiou de uma gestão ágil e flexível, criada por um presidente-empresário com estilo e trajetória bem particulares.
Um comentário:
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