Encontrei no site Mundo Português uma entrevista com Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas de Portugal. Nesta entrevista podemos conhecer um pouquinho da agricultura deste país tão próximo do nosso, mas com uma realidade agrícola muito diferente:
Jaime Silva em entrevista: "Vale a pena investir na Agricultura"
Jaime Silva é um Ministro sereno apesar de saber que é bastante pressionado pela sociedade civil. Quando se tem um bolo financeiro de ajudas públicas superior a 4.000 milhões de euros - como o próprio diz - a pressão dos lobies pode tornar-se imensa. Jaime Silva acredita numa agricultura cada vez mais modernizada e é nessa direcção que aposta claramente. A competitividade é a palavra de ordem do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, que deixou um aviso: o caminho dos subsídios tem os dias contados. O caminho agora, sublinha, é o da rentabilidade que preside a todos os projectos e diplomas que tem em carteira prontos para ver a luz do dia e provocar na agricultura em Portugal, o "sobressalto" que ela há muito precisa...
A agricultura em Portugal tem sido feita de avanços e recuos sucessivos desde o 25 de Abril, e ninguém sabe muito bem como vai ser o futuro. Afinal somos ou não um país agrícola?
Em primeiro lugar creio que é preciso que tenhamos uma ideia clara de que nos países desenvolvidos a agricultura tende a representar em termos de produto interno, um valor que não ultrapassa os três por cento. Normalmente estes países desenvolvem um tecido industrial importantíssimo e uma área de serviços também importante o que significa uma queda da agricultura. Isso, no entanto não quer dizer que a agricultura não tenha em termos absolutos aumentado de importância, os outros sectores é que aumentaram muito mais.
É no entanto importante que se diga que a agricultura é um sector de actividade que hoje volta de novo a estar na moda, onde vale a pena investir porque se consegue tirar um rendimento igual ao de qualquer outro sector. Em Portugal criou-se um "complexo social" em relação à agricultura. Temos de pôr a agricultura na moda e de fazer perceber que se conseguem padrões de qualidade de vida tão bons ou melhores do que em qualquer outra actividade.Mas por enquanto ainda vão sendo passados poucos sinais para a sociedade de que o futuro da agricultura é promissor...
Há poucos sinais porque até em termos intelectuais sempre vimos Portugal como um país rural e isso significava atrasado. Nós nunca valorizámos o verdadeiro mundo rural e que hoje em dia tem um outro “élan”, veja-se por exemplo o que tem sido feito por tantos jovens agricultores no sector do vinho. Os “Douro-boys”, por exemplo, são jovens empresários que apostaram em produzir vinhos de gama alta, são empresários que em qualquer parte do mundo seriam considerados de excelência, mas disso nós falamos pouco e a imagem que vai passando é a dos terrenos abandonados, o interior despovoado, e um nível de vida baixo.
Quando falamos de agricultura temos de pensar também na realidade para além do que consumimos, porque a maior indústria de transformação no nosso país é a agro-indústria e para ela existir temos de ter produção primária. Ora nós nunca olhamos para estes dois sectores conjuntamente e para a importância que ambos têm no sector produtivo em Portugal. Habitualmente todos sabemos falar da Auto-Europa e da importância que tem para o país, mas provavelmente o que se desconhece é que os produtos da floresta representam mais do dobro das exportações da Auto Europa.
Fala em valorizar a profissão de agricultor, em dar-lhe um carácter empresarial. Mas Portugal ainda é um país com uma agricultura praticada por pequenos e envelhecidos agricultores, de forma tradicional. Como pretende mudar esse quadro?
Mudando também os instrumentos que atingem directamente o agricultor. No quadro anterior tínhamos apoios a explorações agrícolas independentemente da dimensão, eu diria até que serviam apenas para manter uma agricultura de subsistência. Não se justifica minimamente dizer a um agricultor que tem meio hectare ou cem metros quadrados que lhe vamos dar 50 ou 100 euros para que se mantenha como guardião da paisagem. Fui acusado por algumas confederações, nomeadamente de influência comunista, de que eu era contra os pequenos agricultores. Não o sou de facto, mas acho que dizer a um agricultor para manter os seus poucos metros quadrados a troco de uma ninharia não confere dignidade à vida desses agricultores. Para além disso a dimensão das explorações agrícolas é um factor decisivo no aumento da competitividade, contrariamente àquela demagogia criada em matéria de ajudar os pequenos, que fez com que se mantivessem explorações agrícolas muito pequenas e portanto nada rentáveis.
Por isso decidi que não haveria ajudas abaixo de um hectare, porque não haja ilusões, temos de promover um aumento rápido da dimensão média das explorações agrícolas em busca da rentabilidade.
É então favorável ao sistema de cooperativas?
Quando cheguei ao governo uma das minhas primeiras medidas foi nos frutos secos, porque apesar de haver uma ajuda muito importante a estes produtores, Portugal importava a maior parte dos frutos secos que consumia. Isto significava que estávamos a dar ajudas a produtores que tinham duas ou três amendoeiras, o que não fazia sentido algum. A partir de então as ajudas passaram a ser dadas a agrupamentos de produtores, para que se pudesse registar um aumento da oferta e para que estes produtores deixassem de vender a granel em sacos de 50 quilos e passassem a vender em retalho com o consequente aumento de valor acrescentado.
Claro que isto não foi pacífico e no primeiro ano houve imensos protestos, mas no segundo ano começámos por ter um produtor de Torre de Moncorvo a exportar para os Estados Unidos.
O senhor Ministro enfatiza muito a necessidade da criação de empresas agrícolas, mais do que simples agricultores, mas recentemente sofreu algumas críticas por ter deixado de fora as empresas agrícolas nas ajudas para a exportação...
Penso que o que há aqui é um grande mal entendido pelo facto de não termos ainda todos os diplomas publicados. Nalgumas situações ainda estamos numa fase de consulta pública, mas desde logo foi incluída a promoção à exportação, participação em feiras internacionais, campanhas de publicidade e aí temos claramente apoios definidos.
Por exemplo se alguém pretender construir uma nova adega e nesse projecto incluir o estudo de uma nova marca e consequente divulgação no estrangeiro, esse estudo é elegível, pois a promoção tem de fazer parte daquilo que é o investimento global.
Uma das grandes críticas que sempre foi feita ao nosso sistema de apoios era precisamente serem todos destinados à produção e não haver apoios à comercialização, o que levava a que se criassem demasiados stocks...
É verdade. Nós tínhamos a ideia que a agricultura era a produção primária e ficávamos por aí. Neste Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) vão ver que estão consagrados apoios à fileira, com aprovações mais elevadas.
Eu dou o exemplo de uma adega que esteja em situação financeira difícil, individualmente dificilmente poderá vir a ter apoios para o reequilíbrio financeiro, mas se apresentar um projecto de fileira desde a reorganização dos seus pequenos produtores, à a criação de prémios ao arranque a pequenas unidades que por isso mesmo não sejam competitivas, à reconversão de vinhas para variedades que o mercado mais procura, e depois apresentar o seu próprio projecto de comercialização e internacionalização, ela vai ter certamente uma classificação de prioridade muito mais elevada.
Acha que o aumento anunciado das quotas do leite vai trazer um abaixamento do preço como temem os produtores?
Nós temos de separar aquilo que é contestar para capitalizar, daquilo que é a realidade.
Em primeiro lugar criou-se a ideia de que o parlamento europeu tinha votado um aumento de dois por cento nas quotas de produção de leite, ora o parlamento só tem poder para dar um parecer, são os ministros da agricultura que o irão decidir.
Relativamente ao sector do leite a procura mundial subiu e os stocks da EU caíram o que conduziu a um aumento de preços da ordem dos 40 por cento, inclusivamente em Portugal.
Ora, se esta realidade tem um aspecto positivo, que tem de ver com uma melhor remuneração para os produtores de leite, não deixa também de ter um lado bastante negativo, que é precisamente um aumento de 40 por cento num produto importantíssimo para uma dieta saudável e equilibrada. Ora para que estes aumentos não se tornem uma tradição a partir de agora, este aumento de quota é apenas um instrumento de regularização para que não se tenha de vir a intervir no mercado.
No início do mês, durante uma reunião da Conferência dos Ministros das Pescas da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), em Moçambique, defendeu que a cooperação a nível dos países lusófonos deve gerar "mais substância" para a resolução dos problemas comuns neste sector. Portugal presidiu à Conferência nos últimos três anos. O que acrescentou a nível de cooperação e o que falta fazer?
Este grupo das pescas da CPLP foi criado em 1995 para reforçar a cooperação e o balanço que eu faço é que esta cooperação deu alguns resultados nalgumas áreas. Para mim foi gratificante ouvir o Ministro Angolano das pescas referir positivamente o apoio que tinha tido de Portugal na área da investigação nas pescas.
O problema é que a cooperação institucional vive muito de retórica, porque nós não envolvemos o nosso sector empresarial na cooperação o que foi de facto uma grande falha.
O que eu fui fazer a Moçambique foi estabelecer uma nova fase de cooperação em que temos de trazer as empresas para estas nossas reuniões periódicas traçando metas e objectivos Portugal é um importador líquido de peixe.
Somos e seremos sempre, porque as nossas costas são de águas profundas logo não são ricas em captura, por isso temos necessidade de dispor de possibilidades de pesca noutras águas e que o nosso tecido empresarial se internacionalize.
Estabeleci também um calendário de contactos em que me farei acompanhar das nossas empresas, para que elas se estabeleçam e invistam lá, que são países com um tecido empresarial bastante fragilizado e um enorme potencial de pesca.
Como Ministro da Agricultura tem conseguido alguns bons desempenhos a nível internacional, mas internamente continua bastante pressionado...
Eu continuo a ter uma pressão constante e que é normal. Quando se tem um bolo financeiro que é superior a 4.000 milhões de euros de ajudas públicas é evidente que os lobies têm o seu papel e alguns deles estão mal habituados relativamente ao passado, bastava fazer uma manifestação ou uma certa pressão e os dinheiros distribuíam-se logo de determinada forma.
Agora vigora o princípio da "prestação de contas" e da distribuição transparente. Todas as Confederações têm de saber onde está o dinheiro e onde está a ser aplicado e tem de acabar a ideia que se criou na agricultura portuguesa de que as coisas só funcionavam de facto com subsídios ao rendimento e quando aparecia uma crise lá vinha o saco azul para subsidiar, quanto o normal numa economia de mercado é tudo se organizar para ter lucro.
E de repente de Bruxelas veio o grito de alerta quando se chegou à conclusão que 48 por cento do orçamento comunitário ia para subsidiar a agricultura, foi nessa altura que se começou a descobrir que os subsídios não eram eternos e voltou-se a olhar para a agricultura para se chegar à conclusão que andamos este tempo todo a viver uma grande ilusão. Quando eu tomei posse tinha um programa de governo que impunha como eixo principal a competitividade e neste sentido Portugal não pode concluir que tem maus agricultores, mau solo, mau clima e que portanto não pode ser competitivo.
Quando Portugal aderiu à UE, grandes teóricos do sector, nomeadamente da CAP, afirmaram logo peremptoriamente que o sector leiteiro iria acabar, evidenciando assim as fragilidades portuguesas no sector, curiosamente o sector leiteiro não só não acabou como se tornou extremamente competitivo porque percebeu que para poder competir tinha de ganhar dimensão e apostar num modelo de gestão diferente do modelo da cooperativa tradicional.
O que aconteceu no sector leiteiro não aconteceu, infelizmente, em mais sector nenhum, à excepção talvez dos vinhos que em tempo certo apostou forte naqueles programas de reconversão das vinhas para vinhas de qualidade.
O caso do olival, é um exemplo de más políticas seguidas por todos os governos até hoje. Portugal que era um país auto-suficiente em azeite, de repente deixou cair o olival quando se começou a entender que a oliveira era importante para a paisagem e se começou a subsidiar a presença da oliveira, em vez de modernizar o olival. Foi preciso o preço do azeite ter subido imenso nos mercados mundiais e os empresários espanhóis olharem para este lado da fronteira e ter visto aqui um a oportunidade.
E porque não fomos nós a aproveitar também esta situação no quadro anterior? - Porque era muito mais fácil distribuir subsídios. Não houve coragem de dizer não aos subsídios para se terem cinquenta oliveiras por hectare, haverá apenas para quem tiver 300 e se for um olival moderno regado.
Este ano, registamos uma quebra no produto agrícola da ordem dos 5 por cento e fica a dever-se a quê? - Quebra de produção no vinho e quebra de produção no olival e também nalgumas frutas e apenas porque não choveu. Em Espanha nestas mesmas três produções o rendimento não caiu porque têm olivais e vinhas modernas, regadas gota a gota.
De facto o que a agricultura em Portugal precisava era de um sobressalto e o governo teve a coragem de o fazer em 2005.
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