País pode perder R$ 7,4 bi do PIB agrícola em 2020
Brasil poderá ter prejuízos de até R$ 7,4 bilhões no seu PIB agrícola em 2020 e ter sua geografia de produção desfigurada se não agir para mitigar os efeitos do aquecimento global, prevê um estudo realizado pela Embrapa e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"As mudanças do clima devem ser tão intensas a ponto de mudar a geografia da produção nacional. Municípios que hoje são grandes produtores poderiam não ser mais em 2020", diz o estudo, que será divulgado nesta segunda-feira durante o Congresso Brasileiro de Agribusiness, em São Paulo.
Com base no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, os cientistas projetaram os impactos das mudanças climáticas em nove dos principais produtos agrícolas do país e concluíram que, à exceção da cana-de-açúcar e da mandioca, todas perderiam área de cultivo.
Foram simulados dois cenários para os anos de 2020, 2050 e 2070: o A2, mais pessimista em que pouco é feito para reduzir as emissões de CO2 e com aumento da temperatura entre 2°C e 5,4ºC até 2100, e o B2, um pouco mais otimista, que prevê aumento de temperatura entre 1,4°C e 3,8ºC.
No melhor cenário, os prejuízos calculados variam de R$ 6,7 bilhões, em 2020, a R$ 12,1 bilhões em 2070; no mais pessimista, o impacto negativo anual seria de R$ 7,4 bilhões no ano de 2020 e R$ 14 bilhões em 2070.
"Se nada for feito para mitigar os efeitos das mudanças climáticas ou adaptar as culturas para a nova situação, deve ocorrer uma migração de plantas para regiões que hoje não são de sua ocorrência em busca de condições climáticas melhores", afirmam os autores do trabalho, Eduardo Assad, da Embrapa, e Hilton Silveira Pinto, da Unicamp.
Amazônia
No processo descrito pelos cientistas, o aumento da temperatura deve promover um crescimento do que chamam de evapotranspiração (perda de água por evaporação do solo e transpiração das plantas) e, conseqüentemente, um aumento na deficiência hídrica. "As regiões mais secas ficam mais secas ainda", explica Assad.
Na análise das regiões, a Nordeste é a que mais perde com a transformação do semi-árido em árido e do Agreste em Semi-Árido.
"A gente mostrou que, conforme foi dito no IPCC, as regiões mais pobres, principalmente o Nordeste, vão ser as mais atingidas", disse Assad.
O estudo não inclui a Amazônia porque a região não está contemplada no Zoneamento de Riscos Climáticos, instrumento com base no qual foram feitas as projeções, mas os cientistas destacam a importância da redução do desmatamento para conter as emissões dos gases que provocam a elevação das temperaturas.
Soja
Principal produto agrícola exportado pelo país, a soja seria a mais prejudicada, podendo concentrar metade de todas as perdas em 2070.
"No pior cenário, as perdas podem chegar a 40% em 2070, em decorrência do aumento da deficiência hídrica e do possível impacto dos veranicos mais intensos", diz o estudo.
Com base nesses dados, os pesquisadores afirmam que as estimativas do Ministério da Agricultura - de que o Brasil passará a responder por 33% da produção mundial de soja em 2017/2018, ultrapassando os EUA - "podem estar otimistas demais" e que a falta de ação frente às mudanças climáticas poderia "afetar a capacidade competitiva do país".
A migração de culturas para o sul, onde o custo de produção é mais alto, elevaria os preços dos produtos brasileiros. Uma elevação de até 20% seria necessária para manter o crescimento da pecuária.
Por outro lado, a cana seria a principal favorecida, podendo ampliar sua área potencial atual de 6 milhões de hectares para quase 17 milhões de hectares em 2020 no cenário mais otimista, com aumento da sua presença na região Sul, onde hoje enfrenta restrições.
O estudo cobra do agronegócio "soluções a médio e longo prazo para minimizar o problema", sugerindo como principal a adoção de práticas que impeçam o avanço do desmatamento para a abertura de novas áreas para o plantio.
"Os cerca de 100 milhões de hectares de pastos degradados existentes hoje no país, se bem trabalhados, podem abrigar a expansão agrícola sem que seja preciso derrubar mais árvores. Em paralelo, é possível adotar sistemas que sejam capazes de seqüestrar carbono da atmosfera."
Terra adequada à cana crescerá 139% no país até 2050, se temperatura subir 3C.
Aquecimento soma R$ 23 bi ao potencial econômico do setor sucro-alcooleiro; os alimentos, porém, podem perder R$ 10 bi com o calor.
Mesmo sem uma política contundente de adaptação e mitigação às mudanças climáticas globais, o governo brasileiro deve ter sucesso na sua política de biocombustíveis, mostra um estudo a ser divulgado oficialmente hoje em São Paulo. O aquecimento global, porém, pode colocar em risco a segurança alimentar da população brasileira, diz a pesquisa.
"Em termos de produção de alimentos, os nossos dados mostram que ficaremos na corda bamba. Mas não é uma visão catastrofista, as soluções existem", disse à Folha o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária. Ele é um dos coordenadores do estudo que estima os impactos da alteração global do clima sobre a agricultura brasileira. O trabalho também teve participação de Hilton Pinto, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Segundo o estudo da dupla, as áreas potenciais para a cultura da cana-de-açúcar vão crescer 139% até 2050, caso a temperatura aumente em média 3C. Esse crescimento significará R$ 23,5 bilhões a mais no PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio nacional.
"A política de biocombustíveis, por causa disso, continuará muito bem", diz Assad. A cana-de-açúcar é um vegetal que gosta de calor. Com o aquecimento global, algumas áreas que hoje não são adequadas ao cultivo dessa planta passarão a ser. Contudo, diz Pinto, no Centro-Oeste, a cultura vai ter problemas com a falta d'água. "A irrigação terá de ser maior", afirma o cientista.
A boa notícia para a indústria sucro-alcooleira, porém, é uma exceção à regra. Assad e Pinto analisaram o impacto da mudança climática para o cultivo de nove vegetais no Brasil. A cana-de-açúcar e a mandioca foram os únicos para os quais houve uma projeção de melhora com o aumento da temperatura média. A área para a mandioca, diz o estudo, deverá crescer 13% até 2050.
Segundo Assad, apesar do aumento do potencial para o setor sucro-alcooleiro, o estudo não indica que a fronteira da cana deva avançar sobre a floresta amazônica. "Cultivar cana na floresta [pelo menos em áreas centrais da Amazônia] não tem lógica do ponto de vista do clima e nem da logística". Essa é a conclusão de um outro estudo dos pesquisadores, ainda inédito, encomendado pela Casa Civil, de Brasília.
MENOS SOJA
O maior prejuízo ocorrerá nas plantações de soja, aponta o novo estudo. A área adequada ao grão diminuirá 34% até 2050. Em termos financeiros, isso significa uma queda na produção da ordem de R$ 6,3 bilhões. "Em termos geográficos, a soja deverá sumir, por exemplo, de grande parte do Rio Grande do Sul", diz Pinto.
O aquecimento global também vai reduzir a área ótima para lavouras de café (queda de 17% na área de potencial cultivo), de girassol (-16%), de milho (-15%), de algodão (-16%), de arroz (-12%) e de feijão (-10%).
Pelos cálculos feitos a preços de hoje, em 42 anos o clima vai causar, em todo o Brasil, um prejuízo de R$ 10,7 bilhões, referente às culturas que perderão territórios adequados.
"Na conta geral, por causa da cana-de-açúcar, haverá até um saldo positivo, mas o importante é olhar para cada uma das culturas", afirma Pinto. O estudo fez projeções também para 2070. As tendências para cada cultura são as mesmas, mas os números são maiores.
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