O Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB) passa por momentos difíceis atualmente, resumindo bem este cenário temos o artigo abaixo publicado no Estado de São Paulo de hoje de autoria do Prof. Buainain da Unicamp:
BIODIESEL SEM A AGRICULTURA FAMILIAR?
O Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB) foi lançado com três objetivos imediatos: fortalecer a imagem do Brasil como produtor de energia limpa e renovável, ampliar e consolidar a cadeia produtiva do biocombustível e promover o fortalecimento produtivo da agricultura familiar (AF). As metas eram ambiciosas: 2% de mistura facultativa em 2006-2007; 2% de obrigatória a partir de janeiro de 2008; 3% de obrigatória a partir de julho 2008; e 5% em 2013. Passados 4 anos do lançamento, já é possível identificar os rumos que o PNPB vem tomando.
Os dois principais setores associados à produção de biodiesel vêm evoluindo em ritmos incompatíveis. A indústria respondeu positivamente aos incentivos: em pouco mais de 4 anos, 56 unidades com capacidade instalada para produzir 2,9 bilhões de litros por ano foram autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Entre 2005 e junho de 2008, foram negociados, nos leilões da ANP e da Petrobrás, 1,8 bilhão de litros, 1,46 bilhão para entrega até junho de 2008. No entanto, a produção registrada entre março de 2005 e maio de 2008 foi de 825 milhões de litros, restando 620 milhões aparentemente sem cobertura. Até dezembro de 2007, deveriam ter sido entregues 885 milhões de litros, mas a produção foi de apenas 472 milhões. Tudo indica que outros contratos tampouco serão efetivados por falta de matéria-prima e preços remuneradores.
Já aquele que deveria ser um dos principais fornecedores de matéria-prima, o agricultor familiar, não respondeu com igual intensidade. Nem poderia, dada a fragilidade histórica desse segmento, os fracos incentivos e o fato de ter sido inserido na aventura de produzir biodiesel sem que a cadeia produtiva tenha sido devidamente estruturada. Com base nas estimativas de biodiesel negociado nos leilões, a AF deveria ter fornecido matéria-prima para a produção de 529,7 milhões de litros. Isso demandaria aproximadamente 1 milhão de toneladas de mamona, mas a produção no triênio 2005-2007 foi de 362 mil toneladas e a estimada pelo IBGE para 2008 é de apenas 150 mil. Portanto, a produção continua insuficiente para suprir a demanda.
De um lado, os produtores enfrentam problemas técnicos para transformar uma produção até então quase extrativa em cultivo organizado para atender a contratos com quantidade e prazo para entrega do produto. De outro, o preço da mamona dobrou entre o início de 2007 e julho de 2008, quando era cotado, no mercado baiano, a R$ 1.416 a tonelada de baga. Esse preço, sustentado pela demanda pelo tradicional óleo de mamona no mercado internacional, praticamente inviabiliza o uso dessa oleaginosa para a produção de biodiesel.
Cabe ressaltar, ainda, a entrada em vigor da Resolução ANP nº 7, de março de 2008, que redefiniu as especificações técnicas do biodiesel e, com isso, inviabilizou o uso direto do biodiesel de mamona por causa da elevada viscosidade. Esses números e informações levam à conclusão de que ficou ainda mais difícil inserir a agricultura familiar no agronegócio do biodiesel, principalmente no Nordeste, onde a única alternativa que teria alguma viabilidade é a mamona. Um reflexo dessa situação é que a Brasil Ecodiesel, empresa que simbolizou o PNPB no Nordeste e financiou a produção de agricultores familiares, vem tendo dificuldades para manter a produção e os contratos, pois parte dos produtores desvia a matéria-prima para o mercado e os custos de produção parecem superar os preços fixados nos leilões. Resultado: as ações caíram 70% nos últimos 12 meses (revista Exame, 10 julho de 2008).
Na prática, estima-se que de 70% a 80% do biodiesel produzido no País utilizou óleo de soja; 10 a 15%, gordura animal; e o restante, outras oleaginosas (entre elas a mamona). Não há dúvida quanto à capacidade da agricultura brasileira de atender a essa demanda adicional de soja. A questão que se coloca é se vale a pena, para o País, seguir essa trajetória contrária à imagem que se está corretamente tentando construir para o biocombustível nacional, como energia limpa que promove o desenvolvimento local, gera benefícios ambientais globais, promove a inclusão social e não compete com a produção de alimentos. Não seria o caso de rever as metas, que têm se revelado irrealistas, e investir para viabilizar o uso da mamona ou outras plantas, e a contribuição da agricultura familiar?
Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp (buainain@eco.unicamp.br) e Junior Ruiz Garcia é doutorando de Desenvolvimento Econômico, IE/Unicamp (jrgarcia@eco.unicamp.br)
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