sábado, junho 02, 2007

Crescimento sustentável do agronegócio brasileiro

Muito interessante o artigo abaixo onde o autor considera aspectos gerenciais, tecnológicos,financeiros e macro-econômicos para fazer sua análise:

SERÁ SUSTENTÁVEL O CRESCIMENTO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ?
José Roberto Mendonça de Barros

Argumentamos na primeira parte desta coluna, publicada em 5 de maio passado, que a força do agronegócio brasileiro vem de mais de 30 anos de construção de um sistema de produção de larga escala eficiente e muito flexível. É um sistema único que levou a uma agricultura tropical os mesmos padrões de produtividade e eficiência das regiões temperadas.

Discutimos também que no período recente foram se avolumando problemas, derivados especialmente de nosso sistema tributário e da deterioração da infra-estrutura, o que resultou em elevações persistentes de custos, que devem piorar no futuro próximo.

Mencionamos as restrições ideológicas ao progresso tecnológico, em particular a questão da pesquisa e utilização de organismos geneticamente modificados. Finalmente, argumentamos que a questão do aquecimento global veio para ficar, gerando estímulos à expansão da energia renovável mas, ao mesmo tempo, impondo restrições severas ao desmatamento e à queima da floresta amazônica.

Para completar o quadro mais amplo do desafio atual do nosso agronegócio, é preciso incorporar mais três considerações, a começar pela questão da taxa de câmbio. Como se sabe, o real continuou a valorizar-se e rompeu a barreira de R$ 2,00/US$. Não é o caso de discutir aqui quais as causas desta valorização, ou se a política econômica poderia ter produzido resultado diferente.

O fato é que o juro tem se mantido elevado por muito tempo, ao mesmo tempo em que os preços de commodities tem sido muito favoráveis (melhorando os nossos termos de troca), devido à China e ao forte crescimento mundial, que já vai para cinco anos.

Aliado a uma liquidez internacional sem precedentes, o fluxo de dólares entrando no país produziu este processo de valorização que, tudo indica, ainda não terminou. A valorização do real, em valores abaixo de R$ 2 deverá se manter por um longo período (dois anos, talvez), a menos que ocorra uma crise mundial, possível mas não esperada.

No caso do agronegócio, haverá uma redução na margem de operação, uma vez que a receita em reais se contrai enquanto que boa parte do custo de produção não se altera, pois é determinado por fatores e insumos locais, tais como mão-de-obra, sementes, terra.

Mesmo máquinas, implementos e combustíveis têm uma formação de preços em reais algo descolada dos preços internacionais corrigidos pela taxa de câmbio. Apenas fertilizantes e defensivos repassam diretamente a valorização cambial. Por conta disto, a valorização do real bate diretamente nas margens, exceto nos casos onde a cotação internacional suba, de sorte a compensar o valor do dólar.

O efeito cambial soma-se à elevação do custo do transporte, reforçando a questão geográfica já mencionada. Produtos como o café, cujos preços não estão brilhantes, sofrem. O mesmo se pode dizer do açúcar: com o preço em torno nove centavos de dólar por libra peso e o dólar a R$ 1,95, fica muito difícil gerar bons resultados operacionais.

Incidentalmente, no caso deste setor o mercado vai esfriar um pouco e a corrida por terras e novos projetos vai arrefecer por uns tempos. A viabilidade de longo prazo do etanol não é, entretanto, alterada.

A gestão de fazendas e empresas agrícolas também deverá ser ajustada às novas condições. Em primeiro lugar, a expansão da produção só deverá ser realizada com total atenção às boas práticas e à produtividade. Apenas produções de boa qualidade vão ser capazes de passar por estes dois anos de pressão na rentabilidade.

De outro lado, quem não atender as exigências de sanidade, rastreabilidade, boas práticas trabalhista será certamente punido por preços mais baixos. O mesmo se pode dizer das práticas conservacionistas, especialmente no que tange ao trato da água (erosão, nascentes, matas ciliares) e da reserva florestal.

Por outro lado, a gestão financeira precisa continuar a se sofisticar, especialmente pela prática de hedge. Não são poucas as pessoas arrependidas porque deixaram de fechar posições de açúcar a preços superiores a quinze centavos de dólar, como já aconteceu em passado recente com a soja e o café.

Para as empresas maiores, o mercado de capitais é uma excelente oportunidade de reforçar a base de capital para o crescimento, como atestam vários casos bem-sucedidos de colocações de bônus e ações nos mercados locais e internacionais.

Finalmente, a agroindústria deve buscar sua autonomia energética para evitar o choque de custos que vem por aí: projetos locais de biomassa e biodiesel e otimização da queima de bagaço de cana para maximizar a co-geração de energia elétrica, são exemplos a multiplicar.

Finalmente, gostaria de mencionar duas questões gerais. A primeira é que considero absolutamente equivocada a preocupação levantada por alguns analistas de uma eventual contradição entre produzir energia e alimentos, no caso brasileiro.

Em agriculturas maduras ou com restrições de terra a disputa por fatores é evidente, como atesta a forte elevação dos preços do milho nos Estados Unidos. Entretanto este não é o caso do Brasil, que só de pastagens tem algo como 200 milhões de hectares. Deslocar seis milhões de hectares para a cana permite dobrar a produção nacional sem afetar em nada a atividade pecuária ou desmatar a Amazônia.

O segundo ponto é a questão de uma eventual condenação do país a produzir commodities de baixo valor, que também reputo de um redondo equívoco. O sistema produtivo brasileiro é amplo o suficiente para produzir commodities e especialidades, coisa que deve ser estimulada por todos os meios.

Já existem casos muito evidentes: produzimos cafés especiais, leveduras e plásticos em usinas de açúcar, lecitinas, produtos orgânicos etc. Muito mais pode e deve ser feito, mas a rota da adição de valor nas cadeias agrícolas está apenas começando.

Concluo dizendo que o agronegócio deverá crescer de forma sustentável, especialmente dados os estímulos da nova agenda mundial. Terá, entretanto, que ajustar sua rota aos novos tempos.
(José Roberto Mendonça de Barros é economista da MB Associados; Valor, 31/5/07)

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