Apesar de serem publicados um mês atrás (18 de dezembro), os artigos abaixo mostram idéias interessantes de como o agronegócio brasileiro pode minimizar os efeitos da crise.
O primeiro, com o título "Estratégias para atravessar a atravessar a crise" de Carolina Pereira e Luiz Silveira e o segundo, uma entrevista com o Ivan Wedekin da BM&F, ambos publicados pela Gazeta Mercantil:
Estratégias para atravessar a atravessar a crise
São Paulo, 18 de Dezembro de 2008 - Fernando Muraro, analista de mercado da consultoria AgRural, define o ano que está por vir como "um dos mais difíceis da história do agronegócio". A frase de efeito é baseada em algumas previsões do analista. Uma delas diz que, em 2009, os preços da soja e do milho devem ficar de 30% a 40% menores que a média de 2008.
No caso da soja, Muraro aponta que, enquanto no ano passado, na mesma época, 50% da safra estava negociada, nesse ano o percentual é de 20%. Nos Estados Unidos, a situação não é tão diferente. Matéria do jornal The New York Times mostra que, agora, com a rapidez de uma tempestade de granizo que varre o campo, os tempos difíceis estão de volta nas fazendas americanas. O preço pago pelas safras está vindo abaixo muito mais rápido do que o custo de cultivo.
Diante desse cenário, os produtores americanos já lamentam terem perdido o momento certo para vender sua safra. Lamentam também aqueles que compraram terras no auge dos preços agrícolas. Quando o assunto é terras, as perspectivas para 2009 não são diferentes, mas indicam boas oportunidades para quem quer comprar.
Por conta da crise econômica, a consultoria Agra FNP prevê que, no ano que vem, a oferta de terras aumente e, com isso, os preços caiam. A expectativa já gera reações no mercado. A Brasil Agro, companhia que explora oportunidades no mercado imobiliário agrícola, mudou a estratégia por conta da possibilidade de comprar terras já em produção: seu foco não está mais apenas em propriedades nas desenvolvimento.
Por outro lado, no escritório Veirano Advogados, que procura e analisa negócios de aquisição de propriedades rurais por investidores estrangeiros e locais, o momento de instabilidade causa reações opostas. Enquanto alguns clientes suspenderam as transações, outros estão chegando com sede para aproveitar algumas pechinchas que podem aparecer.
Em entrevista à Gazeta Mercantil, o diretor de Commodities da BM&FBovespa, Ivan Wedekin, indica algumas ferramentas que o agricultor pode utilizar para se proteger das oscilações nos preços de seus produtos, e outras que compensam a diminuição na oferta de crédito rural.
Parte desses instrumentos foi desenvolvido pelo próprio executivo, quando esteve à frente da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, na gestão de Roberto Rodrigues. Por uma grande coincidência ou pela qualidade desses sistemas, agora algumas idéias que Wedekin teve no governo estão se revertendo em vantagens potenciais para a própria BM&FBovespa.
O governo já está autorizado por lei a implementar um subsídio à participação dos agricultores no mercado de contratos de opção de produtos agropecuários na Bolsa, como forma de estimular os produtores a fazer um seguro de preço. Esse seguro - o hedge -, aliás, tem se tornado cada vez mais importante para conseguir linhas de crédito rural, e pode ser essencial em um momento de volatilidade nos preços.
Inovação
Um caminho mais de longo prazo, mas que também pode aumentar a competitividade dos agricultores, começa a sair dos laboratórios brasileiros. São as primeiras sementes geneticamente modificadas, ou transgênicas, desenvolvidas no País, com capital intelectual nacional. A Embrapa deve solicitar a liberação comercial de uma soja tolerante ao herbicida imidazolinona já nas próximas semanas.
O produto foi desenvolvido em parceria com a Basf, já tem grandes perspectivas de uso em outros países e trará ganhos relevantes para o País na forma de royalties. No segundo semestre será a vez do feijão resistente ao vírus do mosaico, também da Embrapa, o primeiro transgênico desenvolvido totalmente por instituições públicas.
Nos próximos dois a três anos deve chegar ao mercado a cana transgênica da Alellyx, criada pelo grupo Votorantim e recém-adquirida pela líder mundial em biotecnologia, a Monsanto. Além de colocar o Brasil no mapa mundial da biotecnologia, a chegada dessas variedades também permite o acesso dos agricultores brasileiros a tecnologias que não seriam desenvolvidas por empresas multinacionais, por conta do baixo interesse comercial, como o feijão. E até a opinião pública sobre os transgênicos pode mudar, já que existe uma resistência por conta do domínio das multinacionais no setor.
Ampliando a liquidez em meio à crise
São Paulo, 18 de Dezembro de 2008 - Como consultor do governo e secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura na gestão de Roberto Rodrigues, Ivan Wedekin desenhou muitas das complexas ferramentas que hoje são usadas para assegurar aos agricultores o preço mínimo de seus produtos, garantidos por lei. Entre as siglas Prop, Pepro e PEP, instrumentos hoje usados pelo governo com essa finalidade, há várias estruturadas por Wedekin e sua equipe.
Com a saída de Rodrigues do ministério, perto do fim do primeiro mandado do presidente Luis Inácio Lula da Silva, Wedekin permaneceu poucos meses no governo, até assumir a diretoria de Agronegócios da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). Em dois anos de bolsa, Wedekin já viu uma parceria estratégica com a Chicago Mercantile Exchange (CME), que ficou à época com pouco mais de 10% da BM&F, e depois a fusão com a bolsa de valores, a Bovespa. Agora, vê a primeira crise financeira. Mas na sua seara, que são as commodities agrícolas, os resultados do trabalho do executivo deve proteger a bolsa - ainda que parcialmente - dos efeitos danosos da crise.
Esses resultados não são só do tempo em que Wedekin está na BM&F, mas também por conta de seu legado na política agrícola nacional. Ele se esforçou para criar instrumentos que garantissem os preços mínimos aos produtores rurais sem a necessidade de intervenção direta do governo, que usualmente comprava grandes estoques de produtos agrícolas no patamar exigido por lei.
Entre esses instrumentos estava a venda de contratos de opção de venda das safras com o governo, que garantiam que o produtor receberia, no mínimo, os preços que o governo tinha que garantir. Agora, o governo poderá se tornar um grande estimulador do mercado de derivativos agrícolas da BM&FBovespa, em uma progressão natural do sistema operacionalizado por Wedekin nos tempos de ministério.
Segundo ele, já está aprovada a legislação que permite que ao governo estimular financeiramente os agricultores a usarem o mercado de opções de produtos agrícolas para fazerem um seguro de preço. "Agora vamos ver a vontade política e a operacionalização desse sistema", diz ele. Além disso, Wedekin comemora que começará a funcionar em 2009 o sistema integrado de ordens entre a CME e a BM&FBovespa, que permitirá um acesso muito mais fácil de investidores do exterior aos contratos da bolsa brasileira.
Gazeta Mercantil - Como está o mercado de derivativos agrícolas no Brasil?
Estamos vindo de um período de expansão na negociação de contratos agrícolas. Em 2005 foram negociados na BM&F 1,1 milhão de contratos nesse segmento. No ano passado foram 2,2 milhões de contratos negociados, o que significa que dobramos o número de negócios em dois anos.
Gazeta Mercantil - E como devem fechar esses números em 2008?
Neste exato momento [pára para olhar seu monitor, com as negociações em tempo real] estamos com 3,214 milhões de contratos negociados desde o início do ano. É um crescimento significativo. Devemos fechar 2008 com um crescimento próximo de 50%.
Gazeta Mercantil - A crise financeira global não vai afetar os volumes negociados em 2008?
Sentimos uma queda forte no número de negociações em novembro, mas que teve grande participação da queda tradicional nos contratos de boi gordo nesse período. O contrato de boi de outubro é o mais negociado sempre, porque é o principal referencial dos preços na entressafra, por isso ocorre uma forte queda em novembro. Só no boi o número de negócios caiu de 170 mil contratos em outubro para 89 mil contratos em novembro.
Gazeta Mercantil - Mas já é possível sentir algum efeito da crise?
É certo que essa queda em novembro [de 26% sobre o mesmo mês do ano passado] está atrelada a toda a situação de crédito, porque ocorreu em todas as bolsas de commodities internacionais. Mas terminaremos o ano com resultados bem melhores que os registrados pelas outras bolsas internacionais.
Gazeta Mercantil - Quão melhores serão os resultados da BM&F?
No acumulado de janeiro a outubro, o número de contratos negociados na Bolsa de Chicago subiu 12% no caso do milho, 15% para o boi e 22% para a soja. Os contratos de café em Nova York cresceram 8%. Enquanto os contratos agrícolas nas principais bolsas internacionais crescem em uma faixa entre 8% e 22%, na BM&F, até novembro, tivemos um crescimento de 52% no total dos derivativos agrícolas. É isso nos permite dizer que fecharemos o ano com um índice próximo a 50%.
Gazeta Mercantil - Esse crescimento tão grande demonstra uma maturidade do mercado brasileiro ou justamente que estamos longe do potencial?
Estamos muito longe do padrão internacional. Na média mundial, os contratos agrícolas representam 4,2% de todos os derivativos negociados. No Brasil, este ano, estamos em 0,84% do total. Apesar de todo o crescimento, os mercados precisariam crescer cinco vezes para atingir a mesma significância que têm em outros países.
Gazeta Mercantil - Sendo o Brasil um país fortemente agrícola, não era de se esperar o contrário?
Apenas nos últimos cinco ou seis anos se consolidou a estabilidade da economia brasileira. A agricultura não convive com inflação. Os mercados de contratos futuros e de opções de produtos agrícolas só começou a se estabelecer quando o agronegócio se acostumou com a inflação baixa e a abertura do mercado. Além disso, há o problema da tributação e regulação nesse setor, que são mais complexas.
Gazeta Mercantil - Que problemas são esses?
Hoje quase 80% dos contratos negociados na BM&F são de juros e dólar. As políticas relacionadas a eles são federais e conhecidas por todos. A regra é clara. No caso agrícola existem muitas normas diferentes que agem sobre o setor, e a complexidade faz as pessoas não terem a mesma visão simples de outros segmentos.
Gazeta Mercantil - E quanto à questão cultural? O agricultor brasileiro está aprendendo a importância de fazer o hedge?
Eu diria que a cultura é um outro desafio, mas que está se alterando rapidamente. A Bolsa tem se esforçado muito nesse sentido, e em 2008 visitamos 10 "agrocapitais" com o programa BM&FBovespa Vai ao Campo, falando com 4,8 mil produtores rurais. Além disso, treinamos mil funcionários do Banco do Brasil sobre derivativos em 2007 e 2008, porque o banco [que é o maior financiador do crédito rural] tem grande interesse em que o agricultor corra menos riscos.
Gazeta Mercantil - Além desse interesse do BB, o governo vem atuando de alguma forma para estimular os agricultores a se protegerem?
A própria política agrícola popularizou o mercado de opções, com os prêmios de opção, que tornaram essa ferramenta de proteção mais conhecida do agricultor. Agora pode haver alguma iniciativa do governo em vir a subsidiar o prêmio do mercado de opções agrícolas da BM&FBovespa.
Gazeta Mercantil - Como seria isso?
Recentemente, quando foi aprovada a lei com alterações no crédito rural, foi incluído um artigo que possibilita que o governo subsidie opções em bolsa. Seria uma ação do governo via mercado, como também existe para o subsídio do seguro rural, no qual o governo chega a pagar até metade do prêmio do seguro quando o produtor apresenta a apólice contratada com uma companhia seguradora. Seria uma maneira de desenvolver o mercado de opções, com o qual o produtor tem mais familiaridade. Até porque os contratos futuros são mais complexos - têm ajuste diário, garantias.
Gazeta Mercantil - Em que estágio está a implantação desse sistema de subsídio?
Na verdade foi criada a base legal, mas tudo está no campo das idéias ainda. Andei pela Câmara dos Deputados em Brasília, na semana passada, e vi que esse assunto está andando, sendo discutido. Isso foi discutido no Ministério da Agricultura, no Banco do Brasil... tem muita gente pensando. Agora vem a decisão política do governo de implantar esse sistema e depois a operacionalização. É aí que entra a Bolsa.
Gazeta Mercantil - Caso o sistema se concretize, será uma grande mudança para o mercado agrícola nacional, não?
Já há alguns anos a política agrícola vinha andando nessa direção, de dar mais crédito para quem fazia hedge, seguro, se protegia. Agora esse artigo - que não partiu da Bolsa, é importante que se diga - deve dar um impulso a esse movimento.
Gazeta Mercantil - Qual seria o impacto para a BM&FBovespa?
Liquidez gera liquidez. Não posso fazer projeções de crescimento nos volumes negociados, mas certamente daria liquidez [aos contratos de opção de produtos agropecuários].
Gazeta Mercantil - Isso poderia compensar uma retração de investidores especuladores?
Temos esses vetores de redução de volume de negociações por conta da crise internacional. Mas a liquidez dos contratos agrícolas depende de uma série de fatores, como a vontade dos hedgers naturais de entrarem no mercado e a volatilidade dos preços, que faz as pessoas procurarem uma segurança nos mercados futuros e de opções. Nesse sentido, temos vetores também positivos.
Gazeta Mercantil - Outro fator que poderia atrair mais capital para a BM&FBovespa é a parceria com a CME. Como está a integração dos sistemas de ordens?
No ano que vem, o acordo de roteamento de ordens com a CME estará muito mais consolidado. A cara da BM&F vai estar mais exposta no mundo, porque haverá acesso direto entre os mercados CME e BM&F. No último sábado fizemos uma simulação em que as corretoras ganharam acesso aos contratos da CME. Em 2009, com o sistema pronto e o mercado melhorando, será o ano da utilização desse sistema.
Gazeta Mercantil - E falando de maneira mais ampla, como a crise afeta o agronegócio brasileiro?
O agronegócio está sempre enfrentando crises de crédito, diretas ou indiretas. As diretas são quando os preços agrícolas desabam e derrubam a renda, afetando o crédito - e aí vem as renegociações das dívidas e etc. Hoje temos uma crise global de crédito, que não envolve apenas a agricultura, mas que a atinge mesmo sendo indireta. Essa crise bate no agronegócio principalmente na maior fase de desembolso do agricultor, que acabou de plantar e está gastando com defensivos, fertilizantes, diesel.
Gazeta Mercantil - A reação do governo para proteger - ou socorrer - o agronegócio foi correta?
Acho que o governo tomou iniciativas para compensar a retração do crédito privado. Além disso, houve queda dos preços das commodities mas também houve desvalorização cambial. A grande questão vai ser a comercialização da safra e o financiamento da safra seguinte.
Gazeta Mercantil - Como enfrentar a retração no crédito rural?
É preciso buscar alternativas, como os títulos de recebíveis agrícolas, que apresentaram um grande crescimento no ano até novembro. Somando as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), foram emitidos R$ 33,5 bilhões, contra R$ 6 bilhões no mesmo período do ano passado. Isso mostra a importância crescente desses financiamentos privados, em comparação com o crédito rural tradicional. São ferramentas como essas que podem ajudar nessa travessia. Porque do outro lado do rio o agronegócio brasileiro tem um ótimo futuro.
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